“Vivemos um enorme retrocesso na questão dos direitos LGBTTT no Rio”, afirma o diretor teatral João Fonseca em entrevista exclusiva ao ÁS. Com codireção de Reiner Tenente, ele encena nesta terça-feira (23/5) no Teatro Riachuelo (Rio), em sessão única às 2030h, a 2ª edição do espetáculo “Tudo ao contrário – a cena em prol da vida“, que apresenta standards pinçados de musicais teatrais nos quais atores e atrizes se revezam em inversão total de gênero, interpretando números que tradicionalmente seriam vividos pelo gênero oposto.

“Tudo ao contrário – a cena em prol da vida”: como da outra vez, a renda do espetáculo desta terça (23/5) será revertida para a Sociedade Viva Cazuza (Foto: Divulgação)
Com renda em prol da Sociedade Viva Cazuza, o espetáculo dá prosseguimento à primeira edição realizada ano passado no Teatro Carlos Gomes, é inspirado pelo evento anual Broadway Backwards e autorizado pela Broadway Cares / Equity Fights AIDS – ONG americana responsável pelo evento beneficente em Nova York. “Já terminamos a montagem de 2016 sabendo que faríamos outra esse ano”, conta João, completando: “Quando fica o gostinho de ‘quero-mais’ é lenha! Na época, teve gente que já saiu do palco sugerindo ideia para uma nova edição”.

João Fonseca e Reiner Tenente dirigem juntos “Tudo ao contrário – a cena em prol da vida”, que que celebra a diversidade de gênero e tem sua segunda rodada nesta noite de terça-feira (23/5) no Teatro Riachuelo Rio (Foto: Divulgação)
Entre os nomes que subirão no palco, o evento conta com artistas do calibre de Soraya Ravenle, Tiago Abravanel, Gabriel Leone, Emílio Dantas, Ícaro Silva, Claudia Netto, Jarbas Homem de Melo, Claudio Lins, Gabriel Stauffer, Lilian Valeska, Gottsha e Tadeu Aguiar.

Expoente da nova geração de atores-cantores, Gabriel Stauffer vem de sucessos como “O Grande Circo Místico” e “Cazuza – pro dia nascer feliz”, no qual viveu o papel título. Agora, ele participa da nova empreitada de “Tudo ao contrário” (Foto: Reprodução)
Como o próprio nome diz, a inversão é generalizada: “Nancy“, de Chico Buarque e Edu Lobo para “O Corsário do Rei“, ganha um timbre masculino. O mesmo acontece com “O meu amor“, que sublinha a luta entre Lucia e Teresinha de “A ópera do malandro“. E princesas Disney que costumam dar expediente nos palcos como Cinderella, Bela Adormecida e Branca de Neve também ganham voz grossa na interpretação dos atores. “Nessa direção, acho que o público vai se surpreender com o Tadeu Aguiar à frente de um número de ‘Sunset Boulevard‘ que atualmente está de volta à Broadway é cantado pela Glenn Close“, dispara o diretor.

André Dias e Wladimir Pinheiro no número extraído de “Rent” causaram na primeira montagem de “Tudo ao contrário” (Foto: Divulgação)
No caminho inverso, João cita a presença de três atrizes de gogós poderosos entoando hits que foram criados para eles: “É difícil ter uma preferência dentre tudo aquilo que eu e Reiner incluímos no roteiro, mas a Claudia Netto [que está em cartaz com “Vamp” no mesmo palco] lacra com ‘Maria‘, de “West Side Story“, que o Sondheim [Stephen] compôs para homens. Assim como amo de carteirinha a Soraya [Ravenle] cantando um Chico também criado para cantores. E a Gottsha não poderia estar melhor no número pinçado de “Rocky Horror Show“, que costuma ser cantado por um ator no papel de um travesti. Aliás, quase ela mesma, não é?”, ele brinca.

Duas jovens atrizes da atual cena musical teatral, Lilian Valeska e Izabella Bicalho foram destaque na 1ª edição de “Tudo ao contrário”, em abril de 2016. (Foto: Divulgação)

Figurinha carimbada na cena musical teatral, Lilian Valeska viveu recentemente a diva Billie Holliday no palco do Teatro Caros Gomes, na peça “Amargo Fruto” (Foto: Divulgação)
“É através da troca do gênero das personagens nos números apresentados que encaramos de frente o desafio, cada vez mais necessário, de nos colocarmos no lugar do outro e através da nossa arte contribuir para a construção – ou seria desconstrução? – de um mundo mais solidário e empático”, afirma o encenador. Ele considera “importantíssima” a necessidade e engajamento nos tempos atuais: “O espetáculo prega a tolerância numa época de intransigência, com o mundo sendo tomado de assalto pelo fundamentalismo. Esse trabalho é um libelo a favor disso, e queremos deixa claro ao público que a liberdade de expressão individual, inclusive na afirmação do gênero, é um direito. E que isso é legal, é normal. Exercer a liberdade de escolha é genuíno, e por isso ‘Tudo ao contrário’ pretende agregar celebrando a diferença”.
João cita a questão das duras críticas que o atual prefeito do Rio Marcelo Crivella vem recebendo, intensificadas após a sua ausência na maior festa popular do país – o carnaval, mas uma das maiores expressões da cultura carioca e nacional –, assim como a não disponibilização de aporte financeiro da prefeitura para a Parada LGBT, que será realizada em junho em Copacabana, terceiro maior evento gerador de receita para o Rio, atrás somente da folia momesca e do Réveillon: “As autoridades estão sendo negligentes. Está tudo tão estranho. É como se andássemos para trás nesse momento tão esquisito, com conquistas solidificadas sendo deixadas de lado. Por isso, também é importante por de pé ‘Tudo ao contrário’. Não se trata de um musical partidário ou que faça apologia de nada, mas existe um sentido político na sua existência, Se engajar é preciso”.

O designer de moda, ativista e ex-coordenador da Coordenadoria de Diversidade Sexual (CEDS) da prefeitura carioca registra o ato em defesa da Parada LGTB do Rio, que foi realizado na câmara municipal em 16 de maio, depois da informação de que o evento não teria o aporte financeiro do Município. Segundo o Jornal “O Globo”, o Rio vive hoje um esvaziamento das políticas públicas dedicadas à população LGTB (Foto: Instagram / Reprodução)
Antes de correr para o ensaio geral, João Fonseca ainda dá uma deixa preciosa: “Acredito que a mensagem deve ser passada através do entretenimento, assim fica mais fácil chamar a atenção do público para um assunto relevante como esse, que mereça a reflexão. Entre tantos números bacanas, vamos ter um de ‘La La Land‘, aquele da abertura do filme, ‘Another Day in the Sun‘. Mas, sai o engarrafamento de trânsito em Los Angeles e entra uma cena com cadeiras que mostra da importância de sair do armário”, revela rindo.

A visceral coreografia de abertura de “La La Land – Cantando Estações”, filme-coqueluche do último verão, ganha uma interpretação a favor da liberdade de gênero nesta noite de terça (23/5) em “Tudo ao contrario – a cena em prol da vida”, que acontece no Teatro Riachuelo (Foto: Divulgação)
Aliás, sobre a presença de números de musicais importados da Broadway ou Hollywood, João – que costuma ter sua carreira associada à direção de musicais brasileiros, que narram as trajetórias de astros da MPB como Tim Maia, Cazuza e Cássia Eller –, termina enfático: “É vital formar uma nova plateia, e isso é mais fácil quando se monta uma produção que homenageia artistas nacionais. O público já conhece seus sucessos e isso vira a porta de entrada para a formação de público. Porém, somos todos apaixonados pelo teatro musical, em geral. Em ‘Tudo ao contrário’, temos números que vêm de fora misturados a outros com DNA 10¨% daqui. Isso é Brasil: somos a mistura e operamos muito bem na mescla. Não há como não me sentir à vontade nessa salada”.

Ao lado de Danilo de Moura (à esq.), que interpretou Tim Maia na segunda montagem carioca de “Tim Maia – Vale Tudo, o musical”, de João Fonseca, Reiner Tenente (à dir.) deliciou o público com vários papeis neste musical, entre eles uma ótima caracterização de um Roberto Carlos da Jovem Guarda. Além de atuar, o artista também é diretor e codirige com o mesmo João Fonseca “Tudo ao contrário – a cena em prol da vida” (Foto: Divulgação)
Serviço:
“Tudo ao contrário”
direção: João Fonseca e Reiner Tenente
Direção musical: Tony Lucchesi
Coreografias: Victor Maia – Alex Neoral e Clara da Costa (coreógrafos convidados)
Realização CEFTEM
Apoio: Aventura Entretenimento e Teatro Riachuelo
23 de maio, às 20h30
Teatro Riachuelo
Rua do Passeio, 40
Telefone: (21) 2533-8799
Preços: R$ 40, (plateia vip, plateia e balcão nobre); R$ 20, (balcão simples)
Classificação etária: 14 anos
Vendas na bilheteria do teatro
Horário da bilheteria: de terça a domingo, de 12h às 20h
Deixe seu comentário