Expoente global do gênero literário conhecido como realismo mágico, o colombiano Gabriel Garcia Márquez inspira o ÁS através de um de seus romances mais famosos, “Amor nos tempos do cólera“. Nesse editorial surreal, que evoca a estética ácida da época em que a obra foi concebida – os anos 1980 –, são trazidas ao olho do furacão questões que andam assombrando o planeta: a ausência de afeto, a intolerância, a violência, o desrespeito a minorias como negros e homossexuais, além do desejo de degradar o meio-ambiente, ignorando a demarcação das terras indígenas. Fruto da ganância de uma civilização desprovida de empatia, ancorada por governos pretensamente totalitários que desejam a supressão do livre-arbítrio.

Afeto cósmico. 1969: auge das missões espaciais, apologia do amor. Celebrava-se a Era de Aquário, que não rolou. Utopia virou distopia. Agora, a NASA afirma que até o final da década a vida extraterrestre vai ser comprovada. Será? Para proteger com glam, o mineiro Luiz Claudio, da Apartamento 03, criou as máscaras à risca da coleção. Chocker Sodoma (R$ 50) e colar Vyx Ipanema (R$ 278), da carioca Valéria Berkowitz, com o reuso de alfinetes (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Em “Choque de civilizações e a reconstrução da ordem mundial” (1996), o cientista político Samuel Huntington parece preconizar aquilo que já está em curso: segundo ele, após a Guerra-Fria as identidades culturais e religiosas viriam a se tornar a principal fonte de conflito. Por isso, é preciso amar. É crucial respeitar. E essencial expressar para finalmente mudar. Numa era em que demonstrações de amor encontram-se confinadas por conta do isolamento causado por um vírus planetário e a máscara virou um elemento dúbio – de proteção às ameaças externas, mas símbolo da supressão do toque –, convidamos alguns designers autorais para participarem desse ensaio protagonizado por uma turma plural. Afinal, o poeta romano Virgílio já dizia: “O amor conquista tudo” (Amor vincit omnia).

Direção criativa, texto e styling Alexandre Schnabl / Direção de arte Phellipe Souza / Foto Davis Oliveira /  Costyling Brayann Ivanonvick / Beleza Flau Coutinho / Assistente de beleza Beatriz Pontes /  Modelos Lorenna AdrianLucas Sabino e  Paula Rodrigues (Joy)Irmãs Brasil e Reillã (Mahi) /  Estúdio Zany

O(A) duplo(a). De “O príncipe e o mendigo“, de Mark Twain, à estranheza de “O homem duplicado“, de Saramago, o mito do outro ganha gás na presença das Irmãs Brasil. Nascidas em Amparo (SP), as gêmeas cresceram na tradição. Pai palhaço de rodeio. A vida de picadeiro lhes rendeu o passaporte para o circo da metrópole: agora assombram o respeitável público com sua transmutação. Camisetão Lucio Áureo (sob consulta), máscaras em plástico biodegradável (a partir de R$ 64) e bolsa (R$ 429) da Black Purpurin, de Floripa. As sandálias (R$ 300) e botas (R$ 612) são da Pleaser Shoes. (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Doçura aétnica/agênero. George Floyd, João Pedro e Miguel. Absurdos recentes que engrossam a lista de barbáries. Os looks da Apartamento 03 transgridem imposições de gênero e etnia. Lucas enverga vestido (R$ 3.432), Paula subverte a alfaiataria masculina (R$ 4.280) e Reillã assume o punk-swaihili na saia (R$ 2.704). Nos acessórios: cinto (R$ 220) e chocker Sodoma (R$ 50), colar Vyx Ipanema (R$ 278). Calçados do acervo. (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Trisal fenomenal. Fetiche virou lifestyle. Relações a três sem pique de harém: elas dão xeque-mate no machismo. No sultanato feminino, correntes saem da masmorra, viram alcova. Entre o Piauí e Fortaleza, Brayann Ivanovick é neocarioca consciente: abusa do jeans eco-sustentável, Vicunha. Vestido (R$ 1.900), blaser (R$ 1.200), saia (R$ 890) e falso duas-peças (R$ 2.700). Colares Atelier Chilaze (R$ 140) e máscaras de Alessandra e César Pacheco (R$ 10). Calçados de acervo. (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Potência árabe.Virou estilo a onda forjada pelo covid. O que era proteção se converte em moda criada pelo casal Alessandra e César Pacheco, que fazia cakes, mas caiu nas máscaras quando as encomendas escassearam. As padronagens gráficas em modelagem anatômica flertam com a cultura subsaariana. Apropriação? Nada disso! Hibridismo. Looks do Brayann Ivanovick, t-shirt Byz Premium e colares Atelier Chilaze. (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Apito não, respeito! Política predatória embalada por mamatas ministeriais, a destruição da Amazônia se ancora na obsoleta crença de que ainda existem ideologias. Reflexo de um poder fóssil. Nova geração de uma antenada família das Arábias, que foi do Oriente a Manaus disposta a fincar o pé em Ipanema, o Atelier Chilaze mescla resina com materiais sustentáveis. Emolduram os colares (de R$ 60 a R$ 300) os cocares em corda de garrafa pet (preço sob consulta). (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Bossa atemporal. Mineira que flanou por Florença, Érica Rosa é slow fashion. Suas inspirações fogem dos cadernos de tendência. Focam em devaneios tão diversos quanto um piquenique de Maria Antonieta. Nesse guardarroupa, as peças não caducam. Melhor: linho, seda e neoprene embarcam na negação a Damares. Terno (R$ 2.100), trench coat (R$ 785) e máscaras (R$ 20). Colar (R$ 80) e correntes (R$ 140) do Atelier Chilaze, sneakers Doc Martens e peep toes Constança Basto (acervo). (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Arretado, subversivo e do lar! O cearense Lindebergue Fernandes é locomotiva. Snowpiercer, sabe? Fura-gelo. Sua transgressão questiona axiomas, põe em cheque dogmas da burguesia no DFB. Nessa metamorfose ambulante, Lili é doce de coco: curte o casulo na companhia de gatos. Aqui, as Irmãs Brasil encorpam as criações: salopete com top (R$ 590) e capa-chemise (R$ 750). As peças da Sodoma denotam o perigo: máscaras (R$ 85 e R$ 150) e luvas (R$ 65). (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Ponta-cabeça. Afrontas a outros poderes, ameaças à liberdade de expressão, desrespeito a médicos e jornalistas no exercício de suas funções. No news, fake news. Vale tudo. De corromper Raquel Accioly a romper a liturgia do cargo na questionável tarefa de submeter o planeta ao terraplanismo ideológico. Ao bel-prazer de interesses travestidos de escotismo, dane-se Galileu, queime-se Copérnico. Delete-se Darwin. Demonize-se Freud. Para quê? Pseudofilósofos que abastecem intrigas palacianas são o último grito. Esse é o xis da questão: que se cancelem as quebras narcísicas. No confronto, a roupa de protesto ganha adjetivos semióticos. O laçarote da brassière de Lindebergue Fernandes traduz o encontro de alma em meses de distanciamento do corpo. Máscaras (R$ 85 e R$ 150) e luvas (R$ 65) Sodoma, botas (R$ 298 cada) Victor Dzenk. (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Ragnarok interrompido. A irreverente Alessa é sopro de delicadeza no armagedom pré-anunciado. Pura brisa, aroma campestre. Seus florais expressam o desejo de avanço, não de retrocesso. E quem disse que meninas não usam azul? Pirou? Os vestidinhos românticos (a partir de R$ 996) suavizam as ferramentas de privação dos sentidos: venda (R$ 55), luvas (R$ 75) e máscara de praga (R$ 185), da Sodoma. (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Rosa dos ventos. Para o italiano Domenico De Masi, a pós-modernidade se caracteriza pela desorientação: na ausência de ideologias, são o design, o consumo e a individualidade que ditam o rumo. Cadê as de matrizes éticas? Sorry, não rola. Como consequência: a bússola bugou! Nesses dias cinzas, é hora de voltar aos verdes anos, para recolorir a essência. Os florais da Alessa Migani (a partir de R$ 996) dão o basta no BDSM social. Acessórios da Sodoma (cintos a partir de R$ ) e flatforms Via Mia, acervo. (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Lua cheia. Veias pulsam, tempos de embate. Entre aulas de dança e a catwalk, Vitória Jovem e Vini Ventania ressignificam o clássico. Os terninhos da Divina Criação (R$ 1980, o branco; R$ 2120, o mauve) ganham ares de subversão. Por sua vez, a máscara de coelho com não adoça a cena. É da Sodoma (R$ 190), assim como a mordaça sadô (R$ 65). Sandálias (R$ 300) e botas (R$ 612) Pleaser Shoes e headpiece da V.Rom (acervo). (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Submissão? Um globo árido pede rendição total ao afeto. À natureza e à humanidade, sem expedientes de resistência. Já basta a acidez no estômago saqueando a bílis. Cada dia é uma aventura, não é mesmo? Sobrevive-se? Quiçá. No aconchego, renova-se o fôlego. A alfaiataria em jacquard da Divina Criação (R$ 1980, o branco; R$ 2120, o mauve) contextualiza os rituais dessa batalha pelo repouso do espírito. Acessórios Sodoma, sandálias (R$ 300) e botas (R$ 612) Pleaser Shoes e headpiece da V.Rom (acervo). (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Luxo sideral. Em “Perdidos no Espaço“, os Robinsons se perdem na vastidão do universo em busca de um substituto para uma Terra em colapso. Talvez nem precise: a redução da atividade econômica revela a recuperação do planeta. Victor Dzenk compactua com o equilíbrio: trocou o bafão pela vida no sítio. Seus macacões cósmicos esbarram na carta celeste: vão de buraco negro (R$ 479) à nebulosa (R$ 549). Bolsa dele (R$ 298) e máscaras em impressão 3D, Black Purpurin (R$ 64). (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Mandala galática. Decotes e plissados sintetizam a languidez capaz de sublimar a chuva de meteoros metafóricos pronta para atingir entranhas sociais. A leveza é condição sine qua non para resistir com firmeza, sob o risco de nos fazer sucumbir aos estratagemas do poder, caso eufóricas manifestações genuínas, nas ruas, sejam subterfúgio para codificar baderna, justificando a violência contra a democracia. Os looks completos de Victor Dzenk  alertam para esse perigo que pode afetar o equilíbrio universal. Máscaras da Black Purpurin, start-up techfashion de Raquel Souza e Juliano Mazute (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Bolha libertária. Ventos retrógrados evocam o claustro. Macarthismo anacrônico. Caça às bruxas numa Salém mal-ajambrada. Fundamentalismo oportunista, Handmade’s Tale” facista. Não vai vingar: focos de resistência se opõem. Vestido (R$ 450) e saia usada como túnica (R$ 350) do Lúcio Áureo, que nasceu no DF, viveu no sertão e hoje mora em Sampa. Facekini (R$ 65) e harness (R$ 120) da Sodoma, do Gabriel Carvalho, que faz peças para drags. Headpiece Acquastudio (acervo).

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Sci-fi asséptico. Rainha goiana da couture, a designer de vestidos de festa Maisa Gouveia desopilou o fígado. Descontraiu na pandemia: com os badalos interrompidos, desenvolveu kits monocromáticos de macacão acompanhado de máscara, luvas, capuz e pochete (R$ 390). Futuro completinho, barba, cabelo & bigode. Na mesma cor, os acessórios são do Atelier Chilaze (a partir de R$ 60). (Foto: Davis Oliveira para Ás na Manga)

Onde encontrar: Alessa (21) 2259-8787 (21) 99556-1199 @casadealessa / Alessandra e César Pacheco (21) 98884-8923 @cesar_elalessandrapacheco / Apartamento 03 (31) 3273-6980 @apartamento03 @luizap03 / Atelier Chilaze (21) 98458-9263 @atelierchilaze / Black Purpurin (48) 99929-8002 @blackpurpurin / Byz Premium (11) 96629-5112 @byzpremium / linktr.ee/ byzpremium / Brayann Ivanovick @constelação.ivanovick / Divina Criação @divinacriacao / linktr.ee/divinacriacaooficial / Erica Rosa Atelier @ericarosataelier / linktr.ee/ericarosaatelier / Lindebergue Fernandes (85) 98779-0173 @lindebergueconosco / Lucio Áureo (11) 97161-0712 @aureomodaoficial @lucioaureo / Maisa Gouveia (62) 3212-8090 / (62) 99814-1960 @maisagouveiaestilista / Pleaser Shoes @pleasershoes www.pleasershoes.com /Sodoma @lojasodoma / Victor Dzenk (31) 97130-0784 @victordzenk_now @victordzenkoficial / Vyx Ipanema  (21) 2547-3163 / (21) 98529-1422 @vyxipanema

 

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