
“O Poderoso Chefão III” virou “O Poderoso Chefão – Desfecho: a morte de Michael Corleone” na nova edição de Francis Ford Coppola, que celebra os 30 anos do final da trilogia. De fiasco massacrado pela crítica, a versão final do diretor pôs o epílogo no mapa das pérolas de Hollywood. (Foto: Divulgação)
Burburinho no universo cinematográfico atual, o Snyder Cut – aguardada versão do Zack Snyder para o fracasso “Liga da Justiça” (2017) a ser lançada no streaming ano que vem – é o maior exemplo do quanto uma produção remontada pelo estúdio à revelia do diretor pode verter uma boa ideia em catástrofe. Afinal, o inferno está lotadíssimo de bem-intencionados, inclusive daqueles executivos de majors imbuídos do desejo de fazer um longa-metragem bombar. Por isso, é um bálsamo rever 30 anos depois a nova edição de “O Poderoso Chefão III” sob a batuta do seu criador Francis Ford Coppola e do parceiro de roteiro Mario Puzo, autor do livro que rendeu a trilogia. Detonada pela crítica na época, a bomba (no mau sentido) vira granada (no bom sentido) ao ganhar nova perspectiva, provando que a visão do cineasta nunca deveria ter sofrido a interferência da Paramount.
Rebatizado com a pomposa alcunha de “O Poderoso Chefão – Desfecho: a morte de Michael Corleone” (The Godfather Coda: The Death of Michael Corleone) – nome original proposto por Coppola e vetado pelo estúdio –, o encerramento da saga agora está à altura dos dois primeiros filmes, um marco da Nova Hollywood erigida a partir de meados dos anos sessenta.
Confira abaixo o trailer legendado oficial de “O Poderoso Chefão – Desfecho: a morte de Michael Corleone” (Divulgação):
Para lançar esse novo corte, Coppola fez o diabo: cortou cenas e mais cenas, antecipou outras, atrasou algumas, se desfez de obviedades, picotou sem dó, reduziu personagens, recriou suspenses, botou para jogo um novo final que deixa em aberto o destino de Don Corleone. E ainda encolheu a participação da própria filha – a hoje celebrada diretora Sophia Coppola (“As virgens suicidas“, “Maria Antonieta“), quase protagonista da versão de três décadas atrás e um dos motivos pelos quais o filme, à época do seu lançamento, sofreu duras críticas. Por fim, ele agradeceu humildemente à Paramount, em entrevista, pela oportunidade de finalmente poder agora apresentar aquilo que sempre teve em mente. Quem ganhou com isso, claro, foi a Paramount, que agora ressuscita a produção, lançando a nova versão e, quem sabe, faturando uma graninha em tempos bicudos de indústria suspensa por conta da pandemia. E o próprio público, que agora pode sair da sala de exibição aliviado por um epílogo de responsa.

Coprotagonista de “O Poderoso Chefão III” ao lado de Andy Garcia (dir.) e Al Pacino, Sofia Coppola (esq.) teve seu papel encolhido na nova edição de Coppola. (Foto: Divulgação)
Para isso tudo, Coppolla explica o porquê do título em inglês: coda é o nome que se dá ao final – numa música, balé ou ópera –, quando se apresentam reunidas em sequência ideias que foram surgindo ao longo da partitura, roteiro, libreto. Assim, a parte III virou filmão por conta dessa coda: por eliminar gorduras para ficar ágil, econômico e coeso, mas fazendo o público rever, nessa narrativa de conclusão, aquilo que já havia conferido nos dois primeiros longas, mostrando que tudo se repete nesse insuportável looping aprisionador que é a existência.

Em 1991, “O Poderoso Chefão III” teve sete indicações para o Oscar e sete para O Globo de Ouro. Não levou nenhuma. (Foto: Divulgação)
Para tanto, Coppola jogo no lixo takes de cenas ao ar livre, como skylines, reforçando o caráter claustrofóbico do dia a dia de um Michael Corleone maduro e decepcionado com a vida, cuja única esperança é, talvez, ainda tirar a si e a sua família dessa vida de crime. A única motivação que lhe resta é recriar para o clã um storyelling mais honrado, sem sustos e, sobretudo, sereno, ainda que a vida viva lhe empurrando na direção oposta. Para reforçar esse infrutífero desejo de cair fora do submundo enquanto este engole a todos, o diretor claustrofobicamente fecha as cenas ou as reconstroi na edição, abusando dos closes em ambientes sombrios nos quais destinos são traçados sem piedade, tanto para quem vai sofrer um atentado quanto para quem considera outro ser obrigado a se manter nessa arapuca sem fim.

Nas sombras: ao priorizar enquadramentos fechados, eliminando ou reduzindo algumas sequência em externa, Coppola amplificou a atmosfera de claustrofobia do protagonista vivido por Al Pacino. (Foto: Divulgação)
Logo de cara, Coppola traz para a abertura uma cena que surgia ao longo da projeção: uma reunião a portas fechadas entre Don Corleone e o arcebispo, no qual o primeiro pretende lavar seu dinheiro sujo em investimentos numa empresa do Vaticano. Ao antecipar essa sequência, o diretor imprime um gostinho mais que contemporâneo à projeção nesses tempos de Lava-Jato, Operação Mãos Limpas e afins, explorados à exaustão pela grande mídia e pelas mídias sociais: sim, nada é o que parece. No fim, a contravenção e as corporações globais andam mesmo de braços dados e, no mundo de hoje, nunca se sabe se, ao apostar suas economias numa instituição que aparenta ser honesta, se não se estará, no fundo, investindo por tabelinha na podridão urdida nos porões da sociedade. O velho ditado impera e serve perfeitamente para o filme: não adianta a mulher de César ser honesta; ela tem que parecer honesta.

A sequência da comenda recebida por Michael Corleone diretamente das mãos da igreja foi suprimida por Francis F. Coppola na nova edição. Muitas das cenas que explicavam quase didaticamente o conceito da narrativa foram cortadas ou seccionadas. (Foto: Divulgação)as que explicavam quase didaticamente o conceito da narrativa foram cortadas ou seccionadas. (Foto: Divulgação)
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