Numa era onde a mesmice é maquiada pela ótica do multiculturalismo, super vale conferir o trabalho de Lena Santana, estilista que fez episódico – mas fulgurante! – sucesso nos primórdios do Fashion Rio, quando o evento se consolidou como plataforma carioca oficial de lançamentos de moda. Depois de oito anos em Londres, a moça voltou ao Brasil, andou sumida (mas envolvida por um tempo em projeto de fomento de criação, vide aqui) e agora acaba de lançar coleção autoral no Rio. O badalo inspirado no universo da pesca artesanal foi realizado nesta noite de terça-feira (8/12), no Espaço Cultural Olho da Rua, teve ares de happening e fugiu do pasteurizado padrão de “batidão com modelos”, resgatando aquela aura de acontecimento fashion que costumava acontecer nos idos de 1970/1980, antes das semanas de moda sucumbirem a toneladas de showbizz.

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No passinho: Vanessa Pascale exibe vestido no ritmo de sambinha (Foto: Luciano Quintela / Divulgação)

O resultado lembra um pouco a evolução na catwalk de gente do passado versada na arte das rodadas e pivôs, como Veluma, Maria Rosa, Marlene Silva, Monique Evans e Ísis de Oliveira, numa época em que tudo era mais simples, mas fluía naturalmente, com desfiles assinados por expoentes da passarela como Beth Lago, Eduardo Conde ou Fátima Osório. É a própria Lena quem vaticina num papo exclusivo com o ÁS: “Está tudo muito chato, um tédio. A moda atual cansa. Muito brilho, tudo uniformizado e engolido pelo fast fashion. Falta loucura! Cadê a personalidade?”.

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Modelos celebram o final do desfile de Lena Santana (na centro-direita, com cabeleira loura), tendo a atriz Vanessa Pascale (de azul) à frente (Foto: Luioano Quintela / Divulgação)

As modelos desciam pela escada do curioso espaço – misto de café com loja e galeria de arte, sob a batuta do artista plástico e designer Antônio Breves – e saracoteavam pelo chão demarcado como passarela, ao som de músicas como Marinheiro Só e Lindo Lago do Amor“, entoadas pela cantora Luiza Breves, filha do host. Ao invés do bate e volta mecânico das tops atuais, mulheres majoritariamente negras dançavam descalças ao som da música ao vivo, rodopiando e exibindo os looks para uma plateia caliente, bem diferente dos carões blasês que geralmente são encontrados nas front rows. De famosa, somente a atriz e bailarina Vanessa Pascale abrindo e fechando o desfile. Ela atualmente dá expediente na novela Totalmente Demais“, da Globo.

Bom, e as roupas? Lena continua fiel ao seu estilo e não se rende àquilo que não acredita, embora seja preciso vender: “Minhas peças podem ser encontradas em pequena escala na Mutações, no Largo dos Leões (Humaitá). Sou simples”. E isso é suficiente para se manter no mercado? “Não sei, mas já vi muita gente grande também cair; então não é regra”, ela responde no backstage, entre (muitos) vestidos longos e midi e algumas (poucas) blusas com saias. Tudo em tecidos naturais, tão espontâneos quanto sua forma de pensar o estilo, que se encaixa bastante bem no clima carioca, indo na contramão do visual arrasa-quarteirão do “cabelão-peitão-modelito colante-pernocas de fora”.

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Roda-viva: modelos desfilam a moda descomplicada e fluida de Lena Santana (Foto: Luciano Quintela / Divulgação)

Sobre suportes em branco, areia, bege, ocre e muitos azuis do mar, sobressaem os bordados das peças, muitos em coral, desenvolvidos em parceria com as bordadeiras da Praia do Sono, em Paraty. Motivos náuticos que contracenam com alças e decotes careca ou bateau: redes de arrastão com peixinhos nas barras a cardumes inteiros que fazem a piracema num único vestido, começando na base do verso e subindo pela frente até o ombro oposto.

E, se a simplicidade das formas impressiona pelo caimento, a sofisticação também pode vir nas palas que se desdobram em mangas ou nas dobraduras origâmicas destas em algumas peças. E ainda nos vazados que valorizam laterais e costados. Sim, numa era em que o novo luxo é o handmade, o trabalho de Lena se mostra pura riqueza. Como um peixinho fresco, pescado na hora e grelhado na folha de bananeira com uns temperinhos para incrementar.

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Lena Santana: após retorno ao Brasil, estilista se deixa levar pela simplicidade da vida caiçara e apresenta coleção-happening (Foto: Divulgação)

Para os rapazes, a criadora propõe pantalonas e sarouels que fazem volume e remetem ao visual caiçara chic. “Bem bonitos e sem esse pegada da calça colada”, ela afirma, obviamente se referendo às skinnys, ao lado de sua companheira de criação, Daphne Segal. Sua visão anda mesmo aguçada e é ela mesma quem conta: “Fui para a Inglaterra porque trabalhava também com figurino e acabei fazendo assistência para Roger Burton. Ele é da patota de Vivienne Westwood e criou junto com ela e Malcolm McLaren a Sex, loja-ícone que lançou nos anos 1970 o estilo punk. Ele fazia as fachadas e hoje, com 70 anos, ainda é tudo de bom!”, conta ressaltando que fazer moda no Brasil é complicado.

Etnia fresh: modelo desfila sarouel inspirado no estilo dos pescadores, tendo o colete de rede arrastão como componente de styling (Foto: Divulgação)

Etnia fresh: modelo desfila sarouel inspirado no estilo dos pescadores, tendo o colete de rede arrastão como componente de styling (Foto: Divulgação)

“Acabei indo estudar estilo no Surrey Institute of Art & Design, que fica há uns 40 minutos de Londres. Morava em Tufnell Park, no norte da cidade e perto de Camden Town. Curtia cruzar a cidade de bike. A caminho de meus afazerem, toda manhã saudava o dia e o sol, montada nela. O povo ficava me olhando”, conta rindo. Bom, a vida e obra de Lena são assim mesmo: é como sentir na pele uma brisa suave a bordo de uma bicicleta.

Lena Santana entre suas criações: designer propõe looks que vão de encontro ao prórpio lifestyle (Foto: Divulgação)

Lena Santana entre suas criações: designer propõe looks que vão de encontro ao próprio lifestyle (Foto: Divulgação)

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