Viver de arte no Brasil é ato de coragem. Pelas galerias que preenchem os corredores da ArtRio, que segue até este domingo (12/9) no Rio, o brado é tão retumbante quanto o grito do Ipiranga, celebrado inadequadamente nesta semana. Na feira de arte, aquilo que seria um sussurro vira grito, do tipo que faria Edvard Munch (1863-1944) ter orgasmos. Renderia um quadro. Foi unânime: “Resistir para existir!” Sendo assim, na contramão dos desejos palacianos de uma Brasília que debocha daquelas minorias que alicerçaram a identidade nacional, os visitantes da feira percebem que é momento de dar voz a quem até pouco tempo era tutelado pelo Estado, sem autonomia para lutar judicialmente por seus direitos. Vox populi.
Afinal, a voz do povo é a voz de Deus, não do mito. Em tempo – sem necessidade de ajuda para redigir uma carta à nação ou precisar puxar a ré para tentar não virar réu -, artistas, poetas, estudantes, políticos e amantes das artes abriram a bocarra e desfiaram o novelo da indig(nação) ao ÁS, mandando o papo reto no rolê artsy. Confira!

Daniel Kalleb, 27, stylist, enfatiza: “A ArtRio é importantíssima. Serve de plataforma para artistas disruptivos, que dialogam com pautas atuais mostrando realidades que a arte acadêmica nunca se propôs a contar. Então, são esses novos universos em discussão que dialogam com o Brasil atual e real. Porém, a feira em si ainda é sobre capitalismo, já que cada artista está aqui fazendo seu corre, independente da origem.”.

Fofoletto Rocca, 1 ano e meio, é um amigo imaginário pouco chegado na atual distopia que vivemos no Brasil: “Eu acredito que a feira passa um recado pro mundo todo. No geral, as pessoas deixam de ver na arte uma forma de manifesto. O mundo está pragmático, a poesia deixou de fazer parte das nossas vidas. Não somos apenas números, a tirar pela pessoa que se define como “líder”, que enumera os filhos em zero um, zero dois, etc… e mortos de Covid-19 em 60, 80, 600 mil. Precisamos mostrar que arte é resistência. A ArtRio conta isso pra quem quiser ouvir.”, declara enquanto tira a máscara para fazer graça na foto, sem se dar conta de que, segundo Foucault, já éramos apenas números desde quando a sociedade se reinventou na Revolução Industrial.

Thaís Iroko, 28, artista e estudante de agronomia, é mais realista quando o assunto é a seleção dos artistas: “Já venho à ArtRio há alguns anos e essa edição tem se mostrado especial para mim, já que outros “corpes” estão aqui, dialogando e ocupando o espaço. São presenças importantíssimas, já que em outros momentos esses espaços era reivindicados por pessoas não-negras, não-indígenas, etc. Hoje você percebe trabalhos muitos potentes para retratar sentimentos em comum no país, mas que engajam nas redes pelo apelo comercial que as pautas têm e que a feira, galeristas e curadores sabem como gerar business.”

Indianarae Siqueira, 50, é idealizadora da Casa Nem e “pute”. E pisa nas tamancas subindo no palanque da resistência: “Existem trabalhos inovadores como esse do Tinga, que mostra o diamante no meio dos blocos de carvão, revelando a origem tão simples de algo superestimado! Então, essa superioridade que impomos sobre o outro é banal. É só lembrar do vírus que nos parou agora, como aconteceu durante a epidemia do HIV/AIDS. Daquela vez, os LGBTQIA+ foram deixados para a morte. Sabe, nos achavam culpados pelo vírus. Esse evento mostra a renovação de um lugar elitista, que enxerga nessas vivências presenças importantes. Todos em união para derrubar tudo o que há de ruim lá fora. E, de quebra, para termos a liberdade e a democracia reestabelecidas. Espero que essa voz ecoe quando o novo normal for novo de verdade, já que não queremos o normal excludente e separatista, queremos inclusão!”.

Jandira Feghali, 64, deputada federal, é categórica. Faz da ArtRio ensaio contra a cegueira: “Primeira coisa: estar aqui dentro me dá aquela sensação de vida! Sabe? No meio de uma pandemia, onde a gente perde tanto, tanta tristeza estampada na cara de quem perdeu parentes para o Covid-19, isso aqui é um confronto com a estupidez, me levando a reforçar dizer que é a partir daqui que a gente vence o estúpido. Simples: isso aqui é a criatividade, a emoção, a cor contra a coisa cinza que é esse (des)governo. Encontramos aqui valores que mostram que um mundo melhor é possível, que podemos virar esse jogo transformando tudo de péssimo em força-motriz para mudar tudo aquilo que não presta. A feira diz, por si só, e bem alto: a arte é a única possibilidade de dar relevância ao embate com a estupidez.”

Roberta Holiday, 34, youtuber, confessa: “Essa é a primeira vez que eu estou expondo, então o universo das artes é algo novo pra observar. Sempre esteve afastado de mim devido ao elitismo do acesso, mas sinto que a conversa hoje se inicia nesse novo contexto de inserção, de inclusão. O recado é esse mesmo: vai ser pela cultura que vamos derrubar esse governo. A gente só está no começo.”.

Moisés Patrício, 36, artista plástico tietadíssimo na feira, segue no caminho mais certeiro. É otimista: “Eu entendo isso o que a gente está vivendo aqui como uma resposta a todo o retrocesso. É uma resposta da cultura, viu? Tem a inserção de outras linguagens, novas poéticas na feira que servem para mandar um recado imediato à Brasília. É sempre assim: para toda ação há sempre uma reação.”

Isadora Couto, 32, técnica administrativa, manda a real ao ser pega desprevenida nesse cabacinho artístico: “Cheguei agora na feira e essa é minha primeira aqui. Estou há muito tempo sem vir a uma feira de arte, então, a sensação é de alívio misturada com culpa, que nem me deixa pensar muito. Adoro transitar nesse mundo.”, finaliza na sinceridade.

Sabine Passareli, 26, terapeuta ocupacional, pensa bastante se deve ou não deve, mas no final, desabafa: “Infelizmente essa feira não dialoga diretamente com o movimento #ForaBolsonaro. Eu já vim outras vezes à convite da feira, mas dessa vez eu decidi vir espontaneamente e ainda sinto a feira exclusivista… Vim porque quero ver o filme uns amigos também, tudo por vontade própria e ainda estou observando e aproveitando a oportunidade de contemplar trabalhos de artistas, independente do cunho comercial não andar junto do cunho político que a feira poderia endossar.”

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