Em sua reta final, “Verdades Secretas” promete pegar fogo e bolões de aposta já começam a pipocar, com gamblers de todos os naipes pretendendo dar conta de quem deverá virar o Cabo da Boa Esperança entre o trio composto por mãe (Carolina), filha (Angel) e padrasto (Alex) que se tornou o triângulo amoroso do momento e que é interpretado, respectivamente, por Drica Moraes, a novata Camila Queiroz e um Rodrigo Lombardi no limiar da obsessão doentia. Na cena que terminou nesta quinta-feira (17/9) e deu mote para o ápice de tensão deste último capítulo da semana, na noite desta sexta (18/9), a abobada Carolina – mais Poliana e fora da realidade nem mesmo uma possível Amélie Poulain lobotomizada – começa a ver a ficha cair quando, ao quase pegar a filha e o marido com a boca na botija, se dando conta de que há algo de podre no Reino da Dinamarca. Na cena, uma das caríssimas gravatas do empresário-escroque acaba largada no chão, ao lado da cama de Angel, e Carolina estranha esse deslocadíssimo objeto do desejo. Bandeiríssima. Afinal, quer enfiar o pé na jaca? Que seja competente.
Flávio Di Cola aproveita o ensejo para listar, aqui no Ás na Manga, oito obras-primas do cinemão nas quais esse delicioso objeto de fetiche – a gravata – tem participação especialíssima. Confira abaixo!

Verdades Secretas: Carolina (Drica Moraes) dá o flagra na filha adúltera (Camila Queiroz) a partir de uma gravata. Quem mandou? (Foto; Divulgação)

Gravata secreta: sob o olhar apreensivo de Angel, a toupeira Carolina (Drica Moraes) começa a entender o que se passa à sua volta (Foto: Divulgação)

Verdades Secretas: o tycoon da moda interpretado por Rodrigo Lombardi na atração global usa constantemente a gravata como objeto de poder. Mas a relação entre o adereço e poder pode ser até a de fetiche… (Foto: Divulgação)
* Por Flávio Di Cola
Figurinistas de cinema e estilistas de todos os quadrantes do planeta são unânimes em afirmar: ninguém soube usar uma gravata como Cary Grant (1904-1986), um dos maiores sedutores da tela cuja carreira atravessa – pelo menos – cinco décadas. É verdade que seu 1m87 de altura, sua silhueta esbelta, seu corpo atlético, mas seco, e sua beleza morena que deixaram Mae West zonza de desejo no início dos anos 1930, ajudaram muito o astro britânico nessa importante tarefa de valorizar um adereço que já ornava até as múmias do Antigo Egito. Mas não foram apenas tais qualidades que deram esse título a Cary Grant, até por que ele também suprimia a gravata em muitos dos seus looks a ponto de ter igualmente consagrado o “estilo casual” no mundo da elegância masculina.

Em Cary Grant a gravata direcionava o olhar para a boca sensual e para o semblante cheio de promessas. Hum… (Foto: Reprodução)
Então – afinal – de onde emanava esse seu poder de transmitir carga sexual a um pedaço de pano pendurado pelo pescoço? Do jogo cínico e sutilmente depravado que ele fazia entre os olhos, sua boca perfeita e a gravata, pois Cary Grant sabia que todo voyeur ou voyeuse começa a exploração visual do seu objeto de desejo pelos órgãos sexuais – no caso dos varões, o pênis – para depois subir rumo à boca (outro órgão sexual, usado também para falar), para terminar nos olhos – espelhos da alma e indicadores de intenções sexuais. No mundo civilizado, a gravata substituiu simbolicamente o falo e o seu respectivo poder como Freud – o criador da psicanálise – já havia percebido ao analisar os sonhos de diversos pacientes seus. Cary Grant não era psicanalista, mas um ator inteligente e cioso dos processos psicológicos profundos envolvidos na sedução do público pela imagem. Hollywood apenas cuidou de materializar essa fantasia num mundo onde nada é apenas o que aparenta ser. Principalmente uma gravata.
Confira abaixo momentos em que a gravata protagonizou ou coadjuvou cenas que ficaram imortalizadas nos anais da Sétima Arte:

Marlene Dietrich em “Marrocos” (1930) oficializou a gravata como indumentária lesbian chic (Foto: Reprodução)

Sean “007” Connery, protótipo do macho da Guerra Fria, com seus dois falos simbólicos: o revólver e a gravata (Foto: Reprodução)

“Meu nome é gravata, James gravata”: paletó sumiu, mas a gravata ficou para compor o triângulo sagrado da masculinidade, ao lado do cigarro e da arma (Foto: Reprodução)

Sally (Liza Minelli) depois da transa com o gay enrustido Brian (Michael York) em “Cabaret” (1972): o chapéu deslocado e a gravata mal ajambrada sobre o tronco nu simbolizam a efêmera afinidade sexual dos dois (Foto: Reprodução)

Elizabeth McGraw (Kim Basinger) amarrada e vendada por John Gray (Mickey Rourke) em “Nove semanas e meia de amor” (1986): gravatas de grife já eram adereço indispensável nas fantasias sexuais do povo yuppie quase 30 anos antes de “Cinquenta tons de cinza” (Foto: Reprodução)

Nos esfuziantes anos 1980, gravatas integravam o uniforme dos lobos de Wall Street como Gordon Gekko em “Wall Street-Poder e cobiça” (1987). Em São Paulo, essa combinação é moda até hoje (Foto: Reprodução)
Confira abaixo o trailer de “Cinquenta tons de cinza”, no qual as gravatas ganham participação de destaque (Reprodução)
* Publicitário, jornalista e professor, mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e ex-coordenador do Curso de Cinema da Universidade Estácio de Sá, ele só se respira se houver a Sétima Arte – sua verdadeira paixão. Viaja de Bette Davis a Isabelle Huppert com a desenvoltura de quem está em num backstage conferindo a lingerie das coristas. Para ele a seriedade de certos assuntos não teria graça se não pudesse desfrutar dos momentos mundanos, onde o cotidiano depois se converte em anedotário. Daí sua visão peculiar…
Deixe seu comentário