Acorda, Momo! Baile da Vogue foi Baile da Ilha Fiscal ao avesso!

Foi o Baile da Ilha Fiscal ao avesso. Se, no limiar do Segundo Reinado, os convidados se acabaram como se não houvesse amanhã, com a certeza de que a monarquia terminaria em pouco tempo (na verdade, a proclamação da república veio seis dias depois), o Baile da Vogue, que deu partida ao segundo final de semana de um carnaval
fora de época, vai entrar para a história como o primeiro rega-bofe de salão carnavalesco pós-covid: o público comemorou a valer não o crepúsculo de um império, mas a nova alvorada do carnaval dos chiques & famosos, após uma pandemia que devastou democraticamente a folia, da base da cadeia alimentar às altas rodas predatórias. O badalo transcorreu pelos salões do Copacabana Palace da noite de sexta-feira (29/4) até a manhã do sábado (30/4), mais de dois anos depois da primeira edição realizada no Rio, no mesmo hotel, agora num carnaval em que o próprio Copa optou por não por de pé seu famoso baile.

Foi fênix. O Rei Momo ressurgiu das cinzas como pompa e circunstância, sedento de agito e pronto para sacudir o esqueleto, enlouquecendo todos com seu jogo de quadris, tão frenético quanto o exu que concedeu a vitória na Sapucaí à Grande Rio, Demerson D’Alvaro, celebridade instantânea da vez e convidado de última hora do baile. Cientes de que festão bacanudo tem que ter misturinha boa, José Victor Oliva e Ju Ferraz, da Holding Clube, capricharam no circo de variedades e se encarregaram de botar de pé, nessa diretriz, o evento chancelado pela Vogue Brasil, transformando com brilho o espaço num imenso “U”. Deu baile, do bailão ao baião.

Explica-se, exceto os salões frontais e a piscina, todo o hotel foi ocupado pela festa, a partir do terraço em cima da pérgula, passando pelo Salão Nobre que dá passagem para o Golden Room e avançando, após este, pelos corredores e foyer que antecedem os salões Palm e Cristal. Este recebeu o palco do show, ornado com abaporus tarsilescos
que aludiam ao tema do bochicho: “Brasilidade Fantástica“, uma homenagem à Semana de Arte de 22, cujo centenário anda sendo celebrado.

Vestida de YSL, Ivete Sangalo provou que não precisa de figurino temático, muito menos brasileiro; pode envergar modelito gringo que a brasilidade fantástica está na veia. E no fôlego: seu show durou à beça e a moça, numa espécie de viagra espiritual, não deixou a peteca cair. Para quem segura amor até de carro velho, o timing da apresentação é bobeira, ainda que ficar de pé tanto tempo no palco seja lenha.

Na gastronomia, mais Brasil, por favor! Saíram à francesa os acepipes tradicionais do bufê de um hotel que é praticamente uma réplica do Le Negresco, em Nice, para a turma fashionista mergulhar numa inesperada gastrô brasileiresca digna de Macunaíma: comidas arretadas tomaram conta do mesão armado no Golden Room, localizado no lugar das mesas onde, um dia, os bem-nascidos (ou bem-casados) puderam assistir ao golden shower mais icônico da história do Copa, quando uma Marlene Dietrich embalada a vácuo entoou canções no palco, com um balde de gelo estrategicamente posicionado aos pés, escondido pelo vestido longo, para o caso de ela precisar mandar ver no pipis.

Bizarrices hollywoodianas à parte, o bufê foi sucesso. E já que estamos falando da carnavalização da cultura popular, nos parâmetros definidos pelo filósofo Mikhail Bakhtin (1985-1975), que fique claro: nesse pantagruélico banquete, a finesse se rendeu à Rabelais, sobretudo nos doces quitutes. O povo pode festar na base do quebra-queixo, turbinando seus paladares com cocada, pé de moleque e cajuzinho em meio aos doces mais caretas. Baianada fina, meu bem.

Nessa antropofagia à la Oswald de Andrade, o manifesto fashion ressalta: nada como voltar à ribalta engolindo naturalmente todos ao redor, sem precisar fazer nada. Ícone da moda nacional, a top model Veluma, 69, raspou a cabeça, mas tascou um dourado na make e no babado, em look criado pelos meninos da The Paradise, Thomaz Azulay e Patrick Doering. Por onde passava, não teve Tais Araújo, Sabrina Sato, Silvia Braz, Preta Gil, Fernanda Motta, Laura Fernandez, Renata Kuerten, Isabeli Fontana ou Gianne Albertoni, e olha que todas elas estavam sensacionais, cada uma no seu quadrado.

No quesito evolução, tudo fluiu, mas o jurado de fantasias do ÁS faz uma ressalva: entre tantos looks maravilindos, uma nova espécie de epidemia parece querer substituir a covid-19, pelo menos no Baile da Vogue: a gripe MetGala. Emulando o badalo nova-iorquino, no qual certos famosos subvertem a criatividade fashion com pagação de mico, tivemos algumas criaturas exercendo o delírio na direção de uma irrealidade tiktokiana questionável. No suprassumo dessa loucura, a influenciadora Gessica Kayana, A.K.A. Gkay, mirou no luxo gatsbiano, mas a flecha acertou a galinha
pintadinha, provando que o cisne da Bjork até hoje rende frutos; o repolho de Gaby Amarantos salteou na frigideira e o que era verdura virou ratatouille; e a borboleta assanhada/acrobata do Circo Vostok/versão pauvre tropique de Cate Blanchett como Hela em “Thor” deixou bem claro: Larissa Manoela não consegue enxergar além da ilusão!

Para alimentar a alma! Confira abaixo alguns dos looks-acepipe presentes no cardápio do Baile da Vogue, oferecidos como prato principal pelos famosos aos meros mortais, alguns confeccionados a preço de caviar de beluga. (Fotos: Lu Prezia, David Mazzo, Cleybi Trevisan e Alexandre Virgilio/Divulgação):  

De embrulhar o estômago! Confira abaixo algumas das montações-catástrofe cujo a receita desandou no Baile da Vogue. Faltou ingrediente ou o excesso de tempero acabou azedando o arroz? (fotos: Divulgação):

* Por Alexandre Schnabl / colaborou Ana Beatriz Lyra