O ano era 1933. Fazia apenas dez anos que o Copacabana Palace havia sido inaugurado, mas ele acabava de se tornar cenário de uma produção hollywoodiana – “Voando para o Rio” (Flying Down to Rio). O ambiente era propício: na disputa com Buenos Aires como destino favorito dos turistas estrangeiros na América do Sul, a Cidade Maravilha saía na dianteira pelo seu imaginário tropical, suas praias que se alinhavam com a nova tendência que tomara de assalto o planeta – a vida saudável à beira-mar, uma invenção das aristocracias britânica, escandinava e russa, para dar conta de doenças de pele e respiratórias, que logo elevaria a Riviera Francesa à condição de padrão do novo life-style da moda, na virada do século 20, se reproduzindo como coelho ao redor do planeta – e a atmosfera festivo-paradisíaca que a então capital federal despertava no imaginário global. Por isso, o diretor de cinema Thornton Freeland não economizou esforços do mais experimental estúdio daquela época, RKO, do empresário Howard Hughes, para fazer acontecer nas telas essa narrativa que trazia o Rio – e o Copa – como pano de fundo, em convergência com o lançamento do voo regular Nova York-Rio pela TWA, companhia aérea que pertencia ao mesmo conglomerado. É esse legado de um século do mais emblemático hotel brasileiro que serviu como cardápio para o retorno, após o isolamento social causado pela covid-19, do mais luxuoso badalo momesco do Brasil, o Baile do Copa, que aconteceu neste último sábado (18/2).
Confira abaixo a sequência em que aviões apinhados de dançarinas sobrevoam o Rio – e o Copacabana Palace em especial -, enquanto Fred Astaire comanda a cena, lá de baixo (Reprodução):
Assim como Freeland, não mediu esforços para fazer o baile ganhar corpo o novo diretor geral do hotel, Ulisses Marreiros, português nascido na singular Faro – balneário situado mais ao sul do Algarve –, que assumiu o Copa em plena pandemia. O executivo da hotelaria parece ter se empenhado com precisão milimétrica para tocar um rega-bofe de responsa tanto quanto o diretor da produção cinematográfica que não apenas pôs no mapa uma dupla novata de atores-bailarinos que logo se tornaria sensação das telas, Fred Astaire e Ginger Rogers, mas botou para quebrar nessa realização musical estrelada pela mexicana Dolores Del Rio que contou com figurino de Walter Plunkett (que depois assinaria os looks de “…E o vento levou”), produção executiva de Merian C. Cooper (de “King Kong”) e coreografia aérea caleidoscópica assinada pelo lendário Hermes Pan.
Na projeção, foi Pan quem se encarregou da performance de coristas executada sobre aviões que sobrevoam o Centro Histórico do Rio, Lagoa, Ipanema e, óbvio, a Princesinha do Mar. Tudo em takes aéreos filmados de verdade na Cidade Maravilhosa por uma segunda unidade de produção e editados de forma intercalada com as tomadas fechadas dos aviões criadas em estúdio, em chroma key, e a sequência em que Astaire sapateia em solo firme, na varanda de um Copacabana Palace reproduzido à exatidão por uma equipe de cenografia na Meca do Cinema. Convenhamos, isso é tão sensacional quanto o próprio Copacabana Palace. E revela que, pouco importa a concorrência atual, o Copa é o Copa.


Com decoração de Daniel Cruz, que já havia assinado o baile em 2020, resgatando o seu glam cenográfico, e direção de arte de Gustavo Barchilon, a ambientação foi porrada de estalar os ossos. Loucura didática, mas de impacto. A dupla procurou tanto contemplar a experiência incomparável do espetáculo ao vivo, vivido por quem circulou por entre aquelas paredes postas de pé pelo arquiteto Joseph Gire (então inspirado pelo igualmente formidável hotel Negresco, em Nice), quanto proporcionar o registro instagramável determinante, hoje, para afirmar que um badalo desse calibre realmente aconteceu. Reverente ao percurso histórico do hotel, Gustavo afirma: “O presente é o que passa, o passado é o que fica e o futuro é agora!”


A cereja do bolo? A instalação-caixa, logo na entrada do Salão Frontal, que reproduzia a exclusivérrima piscina negra do sexto andar com ares de obra de arte do argentino Leandro Erlich. Foi nesse espelho d’água dos bem-nascidos (ou bem-supridos) que famosos como Madonna andaram dando suas braçadas mais carismáticas, sem direito a fazer água durante suas estadias. Bingo!

Nesse delírio virtual, que faz todo bom badalo sobreviver ao término da vivência em carne e osso, o resultado foi brilho. Nunca as redes sociais ficaram tão bem-abastadas com o registro do baile. Do preto & branco óptico que reproduzia o túnel do tempo, e que deu nome ao bochicho, à pop art dos grafismos com imagens de astros e estrelas que já deram pinta pelo hotel, o mood dos convidados foi selfiar como se o mundo fosse acabar. Nada que tirasse, contudo, o calor do get together em noite especialmente muito quente. Parque temático, sabe?

Nos painéis coloridos, vizinhos a um holograma de um clone de Carmen Miranda com seu chica boom em riste, os rostos de Roger Moore a Ava Gardner, passando por uma turma celebrity bem bacana, tipo Liza Minelli, Lady Di, Tony Curtis, Kirk Douglas, Rita Hayworth, Tom Cruise, Penélope Cruz e Mick Jagger, recebiam o público. Da Era de Ouro ao jet-set, a vibe “15 minutos de fama”, bem Andy Warhol, se encarregou de mandar a braba: sim, o Copacabana Palace transcende o tempo; está aí há um século pronto para permanecer eternizado. E, se vêm mais 100 anos por aí, é essa extensa galeria de personagens, que ali se hospedaram ao longo das décadas, que se encarrega de deixar isso claro. Quem ainda virá?

Com tanta história pitoresca, obviamente não deu para contar tudo. Algumas ausências, claro, normal. Nenhuma alusão, por exemplo, ao diretor e ator Orson Welles, famoso tanto por “Cidadão Kane” (1942) quanto por ter protagonizado um porre homérico no seu quarto, durante sua estadia de seis meses no Copa, turbinado por um acesso de fúria causado por briga com a namorada que acabou valendo uma cama atirada pela janela. Ou à Marlene Dietrich, em 1944, à bordo de um vestido costurado no próprio corpo, tão justo que parecia embalado à vácuo, lhe obrigando, durante seu show do Golden Room, acompanhada do então jovem pianista e amante Burt Bacarach, a malocar um barril de areia sob o longo para conseguir dar cabo de um pipis.

Na verdade, pouco importam as histórias de alcova. Se elas permanecem com registro pitoresco de um hotel histórico num país que quase nunca valoriza seu passado, no who’s who, o baile valeu do início ao fim. Estão aí para ficar na memória os shows de Emanuelle Araújo e do Cordão do Bola Preta, no palco do Golden Room, e de Serjão Loroza, na varanda. Junto com o desfile de percursionistas e mulatas, foram os pontos altos que evocaram a tradição, diante de tanta novidade para turbinar as redes sociais.
Morador do Copa por um tempo e figurinha fácil nos agitos do hotel, o cantor Jorge Ben Jor decretou ao ÁS, tocadíssimo pela emoção de ouvir seus hits dominando a pista: “O Rio merece tudo aquilo de bom que lhe cabe, pela sua história e por conta dessa gente bronzeada que mostra o seu valor. O Copacabana Palace está aqui para isso: nos fazer lembrar do quanto essa cidade pode dar certo!”


Confira abaixo quem deu o rolê pelo Baile do Copa (Fotos: Miguel Sá / Divulgação):







































Aproveita e dá aquele bizu na decoração da festa, que belezura! (Fotos: Divulgação):
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