Eram os anos 1980. A turma da Geração X (e outras mais velhas) se divertia com as sessões “Sexta Sexy”, exibidas na Band, com o melhor do soft porn nacional. Era possível assistir a pérolas do cinema nacional estreladas por expoentes da pornochanchada como Carlos Mossy e Adriana Prieto, ou delicinhas da comédia como “O inseto do amor“ (1980), dirigido por Fauzi Mansur e protagonizado por Angelina Muniz e Arlindo Barreto, que depois viraria o Bozo no SBT. A história se passa em Paquetá e o fio condutor é o entomologista que vai estudar in loco uns bichinhos capazes de causar aquele furor uterino. O vice-prefeito abre a gaiola e está feito o estrago.
Já em “Como é boa nossa empregada“ (de 1973, que hoje seria embargado pelos militantes xiítas do ‘politicamente correto’), Pedro Paulo Rangel usava uma luneta para espiar por debaixo de um bueiro a calcinha da copeira (Vilma Chagas) e Stepan Nercessian é um garotão que só consegue se excitar com as moças do lar, caso a ser tratado por um intrépido psicanalista tarado vivido por José Lewgoy. E, em “O Bem dotado – o homem de Itu“ (do bamba José Miziara, 1978), Nuno Leal Maia provoca o riso na pele do caipira saradão ingênuo, mas dotado de uma senhora manjubinha, que desperta a libido de paulistanas assanhadas como Consuelo Leandro e Maria Luiza Castelli. Todo esse blablablá é para introduzir “Cinquenta tons mais escuros” (Fifty Shades Darker, Universal Pictures, 2017), em cartaz nos cinemas, dando continuidade a “Cinquenta tons de cinza” (Fifty Shades of Grey, 2015).

“O Bem dotado – o homem de Itu”: exemplar típico da pornochanchada brasileira na época da ditadura, longa-metragem catapultou Nuno Leal Maia como símbolo sexual direto para a telinha (Foto: Reprodução)

Estrela do soft porn brazuca, Helena Ramosa contracena com o galã John Herbert em “O inseto do amor”, exemplar de filme erótico com roteiro divertido (Foto: Reprodução)

Politicamente incorreto: em “Como é boa nossa empregada”, Jorge Dória se aproveita da posição de subalterna da empregada (Aizita Nascimento) para cravarr seu ferrão numa era em que ninguém sequer sabia o que era assédio sexual (Foto: Reprodução)

“Cinquenta ons mais escuros”: ao contrário do acabamento tosco dos pornôs brasileiros, produção norte-americana capricha nos aspectos técnicos, mas não empolga (Foto: Divulgação)
Ao substituir o diretor anterior, James Foley (que lançou Madonna no cinema com “Who’s That Girl“ e também dirige a próxima sequência – “Cinquenta tons de liberdade“, prevista para 2018) procura adicionar certa pitada de humor, mas não tem jeito: os best-sellers de E.L. James não carregam aquilo que Austin Powers (Mike Myers), o agente bond cama, chamaria de “mojo”. Deve ser mesmo difícil trazer o universo BDSM para o cinemão comercial, om os produtores precisando fazer concessões para agradar à imensa plateia classe média, tão carola quanto uma carpideira de funeral, mas metida a moderninha.

Ardido como pimenta? Nada disso! “Cinquenta ons mais escuros” é docinho, docinho e disfarça o melado com algumas cenas picantes, do tipo que se vê de madrugada no Multishow (Foto: Divulgação)

Banheirão: clichê da cena do chuveiro comparece em “Cinquenta tons mais escuros”. O resultado? Um balde de água fria! (Foto: Divulgação)
No frigir dos ovos e apesar de algumas sequências engraçadinhas, “Cinquenta tons mais escuros” carece do mesmo defeito do original: como um punk de butique, nem sequer esbarra naquilo que poderia, funcionando somente para dar uma apimentadinha de leve na relação das mocinhas do público, que já podem correr para as sex shops em busca dos brinquedinhos apresentados no longa: máscaras, grampos de mamilo, óleos aromáticos e bolas chinesas. O maridão agradece…

Shibari: famosa técnica de amarração e dominação oriental não comparece no filme, mas faz parte das fotos de divulgação de “Cinquenta tons mais escuros” (Foto: Divulgação)
Confira abaixo o trailer oficial (Divulgação):
Para piorar, a história ainda envereda pelo sonho típico das massas, descambando na descaracterização de uma relação sadô-masô para um namoro para lá de ‘papai-e-mamãe’, com pretensões cinderelescas e apenas pequenos toques de tempero. E ainda o direito a ameaças externas como o chefe que assedia a mocinha e a psicopata que não segurou a onda da brincadeira e surge em cena como uma espécie de Samara (“O Chamado”). Paola Bracho perde. E, quando surge a insossa cena de um baile de máscaras, a única coisa na qual ÁS consegue pensar é na famosa sequência equivalente de “De olhos bem fechados” (Eyes Wide Shut, de Stanley Kubrick, 1999). Que babado!

Chrisatina Grey e Anastasia Steele comparecem ao baile de máscaras na continuação de “Cinquenta tons de cinza”: cena-clichê típica desse tipo de narrativa é mais do mesmo, sem nenhuma novidade (Foto: Divulgação)

Baile de máscaras com festinha do cabide: em “De olhos bem fechados” (1999), Stanley Kubrick imprime uma dimensão sacro-litúrgica na suruba generalizada (Foto: Divulgação)
Dakota Johnson (Anastasia Steele) continua tão sensual quanto um aspirador de pó Walita e o personal trainer de James Dornan se esforçou para deixar o moço mais encorpado, menos twink rasgadinho como no primeiro filme. Mas não adiantou: ele continua com cara de quem frequenta o 00 aos domingos, e nem com a barba por fazer vai conseguir enganar uma mulher mais escolada, daquelas que sabem distinguir um gay de um hétero.

Tipo novela das sete: o Marquês de Sade não iria gostar. Segunda parte da saga sadomasô para noviças envereda pelo romance açucarado, deixando de lado a pimenta biquinho, o alecrim, a páprica, o manjericão…(Foto: Divulgação)

Ideia é ser homão: o modelo e hoje ator James Dornan caprichou na maromba e tentou passar uma imagem rústica em “Cinquenta tons mais escuros”. Não adiantou. Ele continua sendo apenas garanhão de photoshop... (Foto: Divulgação)
Felizmente, o filme conta com a presença pontual de sempre ótima Marcia Gay Harden e vai atrair a atenção das tribos teen com a pop star Rita Ora no elenco.
E, o melhor de tudo: traz a participação-homenagem de Kim Basinger (“9 ¹/² Semanas de Amor”, 1985) como a antagonista Elena Lincoln. Mesmo sem mostrar o corpão e carregando no preenchimento facial, ela mostra aos 63 anos que não existe metacrilato que detone um sex symbol de verdade, continua batendo um bolão. Aliás, o mais sexy do filme é aquilo que não aparece: imaginar como devem ter sido quentes as cenas em que a coroa iniciou o garotão James Grey na volúpia.

Com quase seis décadas e meia de vida, Kim Basinger mostra em “Cinquenta tons mais escuros” que o tempo foi generoso com a atriz e que, se não fosse o botox, o público até acreditaria que só passaram nove semanas e meia desde o auge (Foto: Divulgação)

Dominatrix senior: como a amiga da família que introduziu o jovem Christian Grey no mundo do prazer, Kim Basinger tenta em “Cinquenta tons mais escuros” emular a versão ‘novo milênio’ da Mrs. Robinson de Ann Bancroft vista em “A primeira noite de um homem” (Foto: Divulgação)
De uma maneira geral, o sadomasoquismo oferecido no filme é reflexo da Hollywood atual, aquela que reduz vampiros a adolescentes nerds e transforma mitos repletos de significados como lobisomens em barbies frequentadoras da The Week. Onde quer que esteja, o Marquês de Sade só não deve estar furioso com a apropriação dos termos que ajudou a cunhar porque, em um acesso de picardia, talvez preferisse se divertir com o humor quase pueril, mas cheio de vida, dos filmes exibidos na “Sexta Sexy”, deixando James Foley e sua patota de lado. Afinal, os roteiros destes eram bem mais divertidos…
Em tempo: o diretor de arte Peter Bodnarus conseguiu dar uma repaginada no famoso quarto vermelho. Para os olhares mais atentos, super vale reparar que ele substituiu o famigerado capitonê por um papel de parede de bom gosto. Agora, o cômodo parece somente uma antessala de restaurante chinês…
Deixe seu comentário