Depois da “Olimpíada da Superação” que foi a Rio 2016, em que as Cassandras tiveram que calar suas bocas e os vira-latas de Nelson Rodrigues colocar seus rabinhos entre as pernas, os olhos do mundo voltam-se agora não só para o Japão – cujo comitê olímpico aproveitou a presença na Cidade Maravilha para colher dados preparatórios dos jogos de Tóquio 2020 – como também para um dos eixos turísticos mais badalados do mundo: a passarela Paris-Roma. Vaidosas, ambas as metrópoles se consideram as capitais supremas da civilização ocidental, da arte, da cultura, do savoir-faire ou da gioia di vivere. Desdenhosas, ambas acreditam que as candidaturas concorrentes para sediar a Olimpíada de 2024 – Los Angeles e Budapeste – vão morrer na praia. Esse suspense vai durar ainda um ano: o Comitê Olímpico Internacional marcou a eleição dessa cidade-sede para 13 de setembro de 2017, em Lima, no Peru.

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Briga de cachorro grande pela Olimpíada de 2024: Los Angeles pretende sediar pela terceira vez os Jogos Olímpicos, depois de 1932 e 1984, mas tem que enfrentar duas fortes candidaturas europeias do circuito Helena Rubinstein, Paris e Roma, também veteranas olímpicas. Enquanto isso, Budapeste corre por fora, como candidata azarão. (Foto: Reprodução)

Entretanto, uma análise mais detida das respectivas propostas mostra que as duas cidades investem no mesmo quinteto de argumentos: hospitalidade, sustentabilidade, diversidade, universalidade e legado sócio-esportivo, mas omitem o essencial para um evento com magnitude olímpica: garantia de segurança total em relação a atentados terroristas que podem vir de dezenas de organizações e movimentos diferentes, mas unidos no mesmo ódio ao Ocidente, como o jihadismo, que já dilacera a França e causa afogamentos em massa entre os foragidos que chegam ao sul da Itália pelo mar.

A FORÇA DE UM SONHO

O tema da candidatura de Paris 2024 “La force d’un rêve” está expresso no clipe promocional abaixo. Concebido com escasso brilho e originalidade e batendo na velha tecla da superação, acabou parecendo um comercial da Adidas. Confira:

Os italianos até que tentam atenuar e dourar essa questão da convivência entre os povos ao apresentar o seu país como “o coração do Mediterrâneo” e esquina de encontros históricos entre as civilizações européias, africanas e asiáticas, a ponto de elegerem a ilha italiana de Lampedusa – primeiro porto da rota de fuga de milhares de refugiados com destino à Europa – como símbolo da “accoglienza” (hospitalidade) e do humanitarismo do povo da Itália.

ROMA 2024: “TREINANDO PARA O FUTURO DESDE 753 ANTES DE CRISTO”

O clipe promocional do projeto Roma 2024 tenta estabelecer uma ponte entre o passado, desde o ano da fundação da cidade, até o futuro, já que – segundo o filmete – “Somente em Roma as emoções tornam-se eternas”. Confira:

As imagens divulgadas pelos dois comitês olímpicos que simulam os locais das provas deixam claro o seguinte: Paris e Roma não vão apresentar seu patrimônio histórico e suas belezas arquitetônicas como meros cartões postais. Ao contrário: pretendem incorporá-los diretamente à infra-estrutura dos Jogos. A imensa zona arqueológica da capital italiana que há 16 séculos era o coração do Império Romano, por exemplo, vai se transformar em palco de várias modalidades esportivas e atividades cerimoniais.

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A candidatura italiana além de se apoiar no temperamento caloroso do seu povo, também argumenta que Roma é a capital mais verde da Europa e que 70% das instalações necessárias aos Jogos Olímpicos já estão construídas, bastando modernizá-las, como o Estádio Flamínio (Foto: Divulgação)

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O terreno do antigo Circo Máximo, onde ocorriam as corridas de bigas da Antiga Roma, no estilo “Ben-Hur”, será o local das competições do vôlei de praia (Foto: Divulgação)

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O projeto Roma 2024 oferece como atrativo único um circuito de maratona que começaria pela Praça de São Pedro e acabaria no eixo Arco de Constantino-Coliseu (Foto: Divulgação)

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As ruínas das gigantescas Termas de Caracala, inauguradas no ano de 217 e onde 1.500 pessoas podiam banhar-se simultaneamente, serão o cenário das cerimônias de entrega das medalhas. Em 1990, esse sítio arqueológico foi palco do célebre Concerto dos Três Tenores (Pavarotti-Domingo-Carreras) (Foto: Reprodução)

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Até o consagrado compositor e músico Ennio Morricone, autor de centenas de trilhas para o cinema e vencedor do Oscar 2016 por “Os oito odiados” de Quentin Tarantino, foi cacifado pelo comitê olímpico italiano. Ele foi convidado para ser o compositor do Hino Olímpico de 2025 caso a candidatura de Roma vença (Foto: Reprodução)

Os franceses contra-atacam, convertendo as grandes esplanadas que se abrem entre a Torre Eiffel e a Escola Militar, ou diante do Palácio de Versalhes, em arenas gigantescas. Esse expediente, além de proporcionar tomadas espetaculares das competições para divulgação planetária e estimular o turismo – como ocorreu na Rio 2016 – também aproxima os Jogos do habitante local que, afinal, está pagando por tudo aquilo através de impostos, renúncias fiscais e dos transtornos provocados no cotidiano da cidade decorrentes das complexas obras de preparação e da logística.

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No projeto parisiense, o vôlei de praia será disputado sob a sombra da Torre Eiffel. Ai, que saudades de Copacabana! (Foto: Divulgação)

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O Grand Palais, construído para a Exposição Universal de 1900, abrigará as várias categorias de esgrima (Foto: Divulgação)

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A Vila Olímpica parisiense alojará cerca de 10500 atletas olímpicos e 4350 paraolímpicos. Será implantada na região da Ilha de Saint-Denis, bem próxima do Stade de France, palco das cerimônias de abertura e encerramento e onde ficarão concentradas as modalidades de atletismo (Foto: Divulgação)

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Segundo o projeto, as provas de equitação serão realizadas nas esplanadas ajardinadas do Palácio de Versalhes, a 17 quilômetros de Paris, e sede do poder monárquico francês de 1682 a 1789 (Foto: Divulgação)

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Ao contrário da Rio 2016 em que todos as modalidades esportivas foram sediadas no mesmo perímetro municipal, o projeto Paris 2024 precisou deslocar as competições de vela para a marina de Marselha (Foto: Divulgação)

E, por falar em dinheiro, os custos faraônicos exigidos de qualquer cidade que se arrisque a hospedar uma Olimpíada transformam-se, fatalmente, em verdadeiros pesadelos financeiros e administrativos para o país-sede, e fonte de polpudos escândalos. Por isso, as propostas de Paris e Roma preocuparam-se – pelo menos na teoria – em demonstrar que boa parte dos cinco bilhões de euros, em média, orçados para a realização do maior evento do planeta será obtida através de parcerias com o setor privado, e que aquela palavrinha tão apregoada, mas poucas vezes aplicada – transparência – será o critério na demonstração do uso do dinheiro público.

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A Casa da Hospitalidade da França na Rio 2015 – o Club France – foi instalada na Sociedade Hípica Brasileira, na Lagoa, onde foi possível visualizar em 3D o projeto da Paris 2024 (Foto: Flávio Di Cola)

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Durante a Rio 2016, a Itália instalou sua casa de hospitalidade no Costa Brava Clube, no Joá, projeto futurista do arquiteto Renato Batalha Menescal. Assim como a França, os italianos também montaram por aqui uma área para promover a sua candidatura para a Olimpíada 2024 em solo carioca (Foto: Divulgação)

AS VELAS DE SANTIAGO CALATRAVA

O arquiteto espanhol que conquistou os cariocas através do seu projeto para o Museu do Amanhã, está no centro de uma polêmica do projeto Roma 2024. Em 2007, ele concebeu a “Cidade dos Esportes” – nunca concluída – que hoje é um vergonhoso complexo de esqueletos de uma área desolada do subúrbio romano. O fracassado empreendimento poderá voltar à vida e estar apto para as competições olímpicas de natação mediante o aporte de pesados investimentos. Conheça o belo projeto original:

Por outro lado, os benefícios diretos e indiretos para a cidade e o país-sede decorrentes dos Jogos são espalhafatosamente exaltados nos respectivos dossiês. O comitê de Paris, por exemplo, acredita que com a Olimpíada, aqueles mesmos cinco bilhões de euros se multiplicarão por dois em termos de benefícios econômicos, além dos 250.000 novos empregos esperados. Já os italianos apostam que sediar a Olimpíada elevará até o patamar de 2,4% o combalido PIB do país ao longo do período preparatório entre 2017 e 2023.

O clima de mútua observação e de desconfiança entre as duas charmosas capitais fica patente na declaração do bolonhês Luca di Montemozolo, mega empresário industrial do mundo automobilístico – é dirigente da Ferrari, da Maserati e da FIAT – e presidente do Comitê Olímpico Italiano: “Estamos muito confiantes. No entanto, vamos esperar o que Paris está fazendo”. Se na arte, na moda e na gastronomia franceses e italianos estão acostumados a uma feroz e criativa rivalidade – desfrutada pelo resto do mundo – espera-se que a luta entre as duas candidaturas pela sede da Olimpíada de 2024 também nos delicie como esta refeição: foie gras de entrada, spaghetti alla carbonara, prato principal; millefeuilles, na sobremesa, e um espresso cremoso para arrematar.

Roma já foi palco dos Jogos Olímpicos de 1960. Confira abaixo: 

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A Olimpíada de Roma, em 1960, foi muito bem sucedida no contexto de uma Itália que vivia o auge do seu “milagre econômico”. Também foram os primeiros Jogos Olímpicos a serem transmitidos diretamente por televisão para a Europa e, algumas horas depois, para o resto do mundo em videoteipe (Foto: Reprodução)

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A Olimpíada de 1960 foi importante para a afirmação dos atletas negros: Cassius Clay (1942-2016), depois convertido à religião muçulmana e rebatizado Muhammad Ali, lançou-se em Roma como o maior pugilista de todos os tempos, e o maratonista etíope Abebe Bikila (1932-1973) sagrou-se como o primeiro africano a conquistar uma medalha olímpica de ouro (Foto: Reprodução)

Paris já sediou duas vezes os Jogos Olímpicos, em 1900 e 1924. Confira abaixo:  

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Atenas inaugurou as Olimpíadas do Mundo Moderno em 1896 e foi seguida pela de Paris, em 1900, mas tornou-se um grande fracasso por ter ocorrido ao mesmo tempo que a Exposição Universal, mega evento que monopolizou as atenções do público e os recursos da França (Foto: Reprodução)

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Apesar de fracassada, a Olimpíada de Paris, de 1900, registrou a primeira medalha de ouro conferida a ma mulher: a tenista britânica Charlotte Cooper que faleceu em 1966 aos 96 anos de idade (Foto: Reprodução)

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Depois do desapontamento de 1900, Paris voltou a sediar os Jogos Olímpicos em 1924, em plena efervescência dos Anos Loucos e considerada grandiosa para os padrões da época, envolvendo quase 3.000 atletas, 136 mulheres. Foi a primeira Olimpíada a ser transmitida por uma nova e poderosa mídia de massa: o rádio (Foto: Reprodução)

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A sensação de Paris 1924 foi o nadador americano Johnny Weismuller (1904-1984) – o Martin Phelps da Era do Jazz – que, aos 20 anos, conquisto três medalhas: duas de ouro na natação e uma de bronze no polo aquático. Oito anos depois, Johnny estreava em Hollywood como o mais famoso Tarzan das telas (Foto: Reprodução)

PARIS 1924: A OLIMPÍADA QUE ENTROU NA HISTÓRIA DO CINEMA

A odisseia do corredor britânico Harold Abrahams (1899-1978), que pôs fim à hegemonia norte-americana nos 100 metros rasos, uma das modalidades mais nobres dos jogos, foi eternizada no clássico “Carruagens de Fogo” (1981) de Hugh Hudson, que recebeu quatro Oscar, inclusive o de melhor trilha musical para Vangelis, hino não oficial de todas as Olimpíadas desde então. Relembre e se emocione:

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