Você tem menos de 35 anos, nem frequentou a cena alternativa carioca nos 1990/2000. Pobrezinho. Pior, acredita piamente que o universo pop começou com Lady Gaga há pouco mais de dez anos atrás e ainda tem forte convicção de que foi a moça quem inventou a roda, aliás a performance, sem tomar ciência da mais óbvia das obviedades, tipo a rota performática novaiorquina aberta pela turma de Andy Warhol na Factory nos anos 1960/70, pela turma do glam na mesma época em Londres ou, pouco depois, por Grace Jones. Nunca ouviu falar de Cristina Steghe, Jorge Salomão, Fausto Fawcett ou os Dzi-Croquetes no Rio dos setenta/oitenta. Okay, tolinho, Dorothy também crê que existe um pote de ouro no fim do arco-íris. A diferença é que ela, além de bem mais interessante (e informada) que você, dá rolê em estrada de tijolinho amarelo enquanto você rala o kichute no chão de pedra portuguesa esburacada mesmo. Peninha. Mas réveillon pode ser tabajara e seus problemas acabarem de uma hora para outra, mesmo que você não saiba quem é Bussunda: quem sabe você não aproveita o ensejo do viradão para conhecer Leopold Nunan e sacar um pouco mais de bochicho alternativo, sem precisar se escorar naquilo que a indústria lhe faz engolir goela abaixo, no mainstream, como se fosse a cocada preta do moderno? Pois bem, Leo – carioca de 42 anos que mora em Los Angeles há 18 – chegou neste domingo na Cidade-Maravilha para dar o ar de sua graça com quatro shows da turnê “Banzé Tour“, que começa nesta segunda (30/12) na Fosfobox e vai até dia 15, no Comuna, o bar dos descolados que amam hambúrguer signature, em Botafogo.

Leopold Nunan chegou ao Rio para temporada de shows do “Banzé Tour”, ao lado do parceiraço Beto Brown, do Suvaco de Cristo (Foto: Divulgação)

Ele vai do lixo ao luxo, usando o termo para brincar com o fato de que o performer circula pelos mais diferentes ambientes. Por exemplo: na noite de 31, ele é pièce de resistance no festão armado pelo decorador festeiro Éder Meneghini na sua propriedade da Ilha da Gigoia, com iguarias do chef Hugo Oliveira para celebrar a chegada de 2020. ÁS bateu aquele papão com o rapaz sobre seu trabalho e como ele anda enxergando os rumos da cultura underground no Brasil de hoje. Confira!

Leopold cita Rogéria como referência a ser lembrada de um Rio e de um Brasil que encaretaram (Foto: Divulgação)

“Não gosto que me rotulem. Sou um camaleão. Dependendo da obra que estou fazendo eu me transformo no personagem. Cada dia é um look diferente,” afirma ele, que ama se montar tanto quanto uma aranha de Marte. Ou um Aladdin Sane, pouco importa. Ganha um biscoito instagramável quem apostar que Leopold é fã de Bowie, por sinal, highlight dentre a trupe do glam rock very british.

A principal música da nova turnê dá nome a ela: “Banzé“. Ao lado de seu parceiro há vinte anos, Beto Brown, do Suvaco de Cristo, ele manda na lata: ‘É uma palavra bem brasuca, né? Uma coisa meio setenta. Conheci o termo ouvindo uma música de Caetano. Banzé é fuzuê, fuzarca, balbúrdia”. Banzé é fervo sem mimimi, amor. Bem odara, Beto, 58 anos, completa: “Quando conheci Leopold, ele nem morava ainda nos EUA. Foi em Nova York. Ele era um menino em 1999”, entrega o então clubkid.

“Eu e Beto fazemos uma parceria de longa data. Nos conhecemos na Canal Street, depois de Chinatown, indo para Wall Street. Houve encontro na Body and Soul, um badalo que começava às 14h e ia até 23h. Matinezão. Fomos tudo, amigos, crushes. Gravamos agora pela gravadora Wile Out, da Austrália. O clipe da música concorreu no LABRIFF, Festival de Cinema Brasileiro de Los Angeles. Foi potência”.

Confira abaixo o trecho de “Banzé” passado nas areias de Copacabana que conta com a inclusão de um rap em espanhol (Divulgação): 

Etnoamazônia pop: no caldeirão de referências que Leopold Nunan usou na concepção do clipe “Banzé”, pinturas tribais e povos do Xingu comparecem na verborrágica e visualmente excitante colagem de imagens que vão da balbúrdia de Copacabana ao lugar nenhum no meio da Califórnia (Foto: Divulgação)

“Banzé é revolta”, dispara Beto. No clipe, aparece a hashtag #demarcaçãojá. “Temos um índio, o Inaiá Amaru, aquele que encontrou o [Leonardo] DiCaprio, e dois dançarinos de passinho. É vibe eletrônica, de pista”, completa Nunan, que ainda dá o tom: “Visto looks criados pela Caroline Darrieux. Meu visual tem lampejos de Chico Science, de Arthur Bispo do Rosário. Mas encarno também, via pintura corporal, um muiraquitã, aquele sapo venenoso. Quem me pintou de anfíbio foi um grafiteiro raiz de L.A., de gangue, o Cool Skull (crânio legal, em tradução literal)”.

Confira abaixo o teaser de “Banzé” (Divulgação): 


Sobre o conceito do audiovisual, Leopold Nunan é enfático: “Estou assustado com o que estou vendo não só nos Estados Unidos, com o Trump, e no Brasil, mas no mundo. Retrocesso. O clipe é resistência. Trouxe o Inaiá do Xingú para gravar em Copa. Parte do vídeo foi gravado aqui, parte na Califórnia, num lugar perto da fronteira com o México, depois de Coachella. East Jesus, local criado por uma turma alternativa, uma galeria ao ar livre, tipo uma Inhotim do desbunde”. Beto Brown sublinha: “É bem raw”.

Chiquita Bacana na Era Pabllo Vittar: com frutas high-tech na cabeça, o performer Leopold Nunan incorpora a Carmen Miranda nas fotos de divulgação do novo trabalho em parceria com Beto Brown, “Banzé” (Foto: Austin Young/ Divulgação)

O nome do caixa-prego diz tudo e reitera a essência de Leopold. Equivale, em bom português, a algo como “onde Judas perdeu as botas”. “Quando fomos gravar o clipe lá, levamos uísque, camisetas, edredons, panelas e travesseiros. Estilo guerrilha”, revela ele sobre o inusitado kit-suborno para poderem filmar no local, sem lembrar se era uísque escocês ou o velho bourbon do Tennessee. Bom, deu certo: os locais queimaram até uma limusine quando a equipe do clipe chegou lá, sinal de que a oferenda agradou. Os mimos devem ter feito aquela patota pegar fogo. Em pouco tempo, tudo ardeu, mas o tempo não fechou; só abriu. “Engraçado é que fundaram ali perto West Satan, mas é um local que ninguém vai…”, finaliza Leo. “Amamos os índios e os hippies”, arremata Beto Brown, que vai longe: “Estou trabalhando numa música que diz mais ou menos o seguinte: nada mudou, mas mudou um pouco. É um tango”.

Sobre isso, Leopold dá a pista: “As novas gerações podem estar pasteurizadas, mas temos avanços, apesar de hoje o mainstream apostar pouquíssimo. Acho que Pabllo Vittar escancarou as portas e, gostem ou não, não tem retorno. É avanço e não retrocede. Gosto dessa turma nova, Liniker, Johnny Hooker. Teve gente lá atrás que pavimentou o terreno para eles, mas os novos abriram a torneira. A água não pode mais ser estancada, gostem os Trumps ou não”.

O vale das bonecas é na gruta dos desejos: criatura icônica da fauna noturna carioca dos anos 1990/2000, Leopold Nunan permanece na bússola da irreverência após quase duas décadas morando nos EUA (Foto: Austin Young/ Divulgação)

Leopold é assim. O banzé é ele, e vai ver que Nunan significa fuzuê em alguma língua morta. Talvez copta. Ele insiste: “É preciso fazer resistência mais que nunca. Num red carpet, há pouco tempo, usei um Viktor & Rolf com um #elenão!. Ando envolvido num programa de rádio na KPSK 90,7 com a DJ Potira, que luta MMA e é cria, na capoeira, do Mestre Boneco [o ex-modelo dos anos 1980/90 Beto Simas, pai dos globetes Rodrigo e Felipe Simas]”.

Leque de opções: no LABRIFF, do look por Viktor & Rolf às dançarinas com óculos à la Kraftwerk empunhando críticas ao atual governo brasileiro, Leopold Nunan performou como manda o figurino dos tapetes vermelhos (Foto: Divulgação)

Sobre a moda, Leopold revira os olhinhos: “Fui clubber, era do Doutor Smith, da Bunker, do Dama de Ferro. A moda é uma puta ferramenta de autoinvenção. Fui filho de pai cirurgião plástico fodástico, que curava melanoma, 75% de corpo queimado, mas foi torturado. Fiz teatro com Maria Clara Machado, sou cria do Tablado. Minhas montações me permitem ser camaleão, mudar a cada presença. Felipe Veloso é meu amigo dessa época. Morri quando o vi correndo, fazendo jogging, com aquele corpo rasgado de Jesus e barbão, passando enquanto gravava o clipe em Copacabana. Quase puxei ele para uns takes”.

E, como um iguana que vira a posição do olhar num piscar de olhos, enquanto atira a língua na direção de uma mosca, o artista muda o rumo:  Vem me ver. Para a Fosfo, junto com Beto Brown e a track do Donatinho e Golden Kong [brasileiro heavy hitter que mora na Big Apple], vou trazer a vogue dos bailes de  NY e LA lado a lado com o passinho da Favela da Maré!”.

Serviço

30/12 FOSFOBOX

Fosfobox Rua Siqueira Campos, 143  – Copacabana

Horário: 23h às 06h

Valores: a partir de R$20

31/12 ILHA DA GIGÓIA

Alameda das Rosas, 270 – Ilha da Gigóia – Barra da Tijuca – Rio de Janeiro

9/1 VIZINHA 123       

Beto Brown + Leopold Nunan

Rua Henrique de Novais, 123 – Botafogo, Rio de Janeiro

15/1 COMUNA

Show: Trio de homens-cantores + encerramento do “Banze Tour”:

Leopold Nunan + Tarcio Cardo + Beto Brown live

http://comuna.cc

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