Os franceses empregam a expressão “air tu temps”, já os alemães têm o seu “zeitgeist” para exprimir a atmosfera única que uma determinada época exala e respira. Alguns filmes estiveram particularmente em evidência em momentos de pânico coletivo e acabaram, por total acaso, intimamente associados a essas circunstâncias. Confira abaixo cinco deles.
“ESTRANHA PASSAGEIRA” (1942): O RIO DE JANEIRO COMO REFÚGIO DO AMOR

A terrível imagem do encouraçado USS Arizona afundando em chamas após o ataque-surpresa da força aérea japonesa à Frota do Pacífico em Pearl Harbour, em 7 de dezembro de 1941, foi o estopim da entrada dos Estados Unidos na Segunda Grande Guerra. A tragédia significou o fim abrupto do sonho de neutralidade acalentado por grande parte dos norte-americanos em relação às mazelas de uma guerra que devastava o mundo inteiro. (Foto: Reprodução)

Em outubro de 1942, a Warner Bros. lançou “Estranha passageira“ (Now voyager, de Irving Rapper) o maior sucesso de público da “rainha do estúdio” – Bette Davis. Nessa fantasia romântica, Bette é a filha “feiosa” e frustrada de uma matriarca castradora que parte em viagem para um Rio de Janeiro de sonho em que finalmente conhece as possibilidades libertadoras do amor. O público se apaixonou e esse melodrama “arrasta quarteirão” ficou meses em cartaz para tornar-se o filme-símbolo do escapismo hollywoodiano do período. (Foto: Reprodução)
“CLEÓPATRA” (1961-1962): A “DOCE VIDA” ROMANA SOB O DUELO ATÔMICO EUA-URSS

Em 13 de agosto de 1961, o mundo acordou perplexo diante da construção frenética do Muro de Berlim, logo batizado como “Muro da Vergonha”, que separou a cidade em duas, literalmente da noite para o dia, a fim de impedir o fluxo descontrolado de refugiados do setor soviético, socialista, para os setores ocidentais, capitalistas. O muro tornou-se símbolo da Guerra Fria que culminaria com a Crise dos Mísseis de Cuba, 13 meses depois, quando a Humanidade esteve à beira de uma guerra atômica. (Foto: Reprodução)

“Cleópatra” (1963, de Joseph L. Mankiewicz) , estrelado por Elizabeth Taylor, talvez seja o exemplo mais eloquente de um contraponto cinematográfico a uma crise mundial que tenha mergulhado a Humanidade no terror. Seus 215 dias de filmagem nos estúdios da Cinecittà, em Roma, ocorreram quase exatamente entre a construção do Muro de Berlim e a Crise dos Mísseis. Seus escândalos de bastidor o tornaram o filme mais comentado de todos os tempos enquanto o mundo caminhava para o seu eventual aniquilamento. (Foto: Reprodução)
“O PLANETA DO MACACOS” (1968): FANTASIA SCI-FI NA PARIS DAS BARRICADAS

Maio de 1968: Paris é tomada por manifestações, greves, ocupações, choques de rua, barricadas, bombas de gás lacrimogênio e chuvas de paralelepípedos. Durante 20 dias, os estudantes mediram forças com as instituições estabelecidas. O alvo eram todos os “ismos” que sufocavam as novas gerações: o imperialismo, o capitalismo, o consumismo e o conservadorismo. E da Cidade Luz, a fúria dos jovens se irradiou para o resto do mundo, mudando a história. (Foto: Reprodução)

Em 25 de abril de 1968, “O Planeta dos Macacos” (Planet of the Apes, de Franklin J. Schaffner) estreava em Paris destinado a ser o filme que compartilharia o seu sucesso estrondoso com a convulsão que arrebatou a capital francesa a partir de 3 de maio. Para muitos, esse clássico sci-fi, adaptado de um romance do francês Pierre Boulle e estrelado por Charlton Heston, continua imbatível e visionário ante os perigos que ainda rondam a raça humana. (Foto: Reprodução)
“O GRANDE GATSBY” (1974): NOSTALGIA CONTRA A CRISE DO PETRÓLEO

Se hoje as palavras da moda são “fake news” ou “protocolo”, em outubro de 1973, a palavra que estava na boca de todos era “embargo”, ou seja, a suspensão da venda de petróleo para os países ocidentais que apoiavam Israel, adotada pelos países árabes produtores. Em poucos meses, o preço da matéria-prima da gasolina subiu quatro vezes, desorganizando drasticamente a economia mundial, incluindo a brasileira. (Foto: Reprodução)

Na edição de 18 de março de 1974, a “Time” – a mais importante revista do mundo, na época – não hesitou em destacar como matéria de capa o maior fenômeno cinematográfico da temporada – “O Grande Gatsby” (The Great Gatsby, de Jack Clayton e roteiro de Francis F. Coppola), estrelado por Robert Redford e Mia Farrow (pré-Woody Allen). Diante da insegurança generalizada, o filme se beneficiou da “onda nostalgia” que varreu um mundo que alimentava fantasias de volta a épocas passadas mais amigáveis. (Foto: Reprodução)
“TENET” (2020): CINEMA DE IMERSÃO, A VACINA CONTRA A COVID-19

Se as ruas foram bombardeadas na Segunda Guerra, divididas na Guerra Fria, subvertidas na Paris de 1968, com a Covid-19, elas foram esvaziadas ou tomadas por multidões de mascarados e desempregados. A epidemia que pôs em quarentena mais de 3 bilhões de pessoas, contagiou outras 44 milhões e ceifou 1,1 milhão de vidas no mundo inteiro, assim como outras crises do passado, alterará para sempre a nossa relação com a vida. (Foto: Reprodução)

“Tenet“, independentemente das suas qualidades ou defeitos, do apreço ou da frieza que vem recebendo do público ou da crítica, será reconhecido para sempre como “o filme que desafiou a Covid-19 e tentou salvar as salas de cinema”. E apenas por isso já tem o seu lugar garantido na história social da Sétima Arte, assim como os outros clássicos visitados acima. Cada um deles, sob as condições incomparáveis do respectivo momento histórico, estava presente nas ruas e nas mentes de milhões de pessoas que encontraram nas suas imagens o espírito do seu tempo. (Foto: Reprodução)
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