* Por Lucas Montedonio

A moda reflete externamente aquilo que somos no íntimo. Afim de transcender o mundinho das aparências, ÁS circulou pelos corredores nos primeiros dias da 43a edição do São Paulo Fashion Week para desvendar o que os fashionistas consideram fundamental para embalar a alma. Afinal, o que é essencial vestir por dentro? Confira.

Virginiana e, por isso sistemática, Costanza Pascolato é prática: “Cordialidade, cortesia, respeito, um bom olhar, educação”. E vai de fora para dentro na hora de explicar sua tese: “Tenho um guardarroupa que se adequa ao tempo. Observo tudo o que tem no mundo, já que essa é minha profissão, a qual adoro! Naturalmente, visto peças novas, mas é frequente usar algo que possuo há dez anos. Sei que aquilo faz parte da estética do momento. Entretanto, o mais importante é se vestir do seu jeito. Porém, se preciso ir a um lugar super conservador não farei coisas que posso fazer em um fashion week, entende?”

E, quando parece que vai se manter na casca, ela aprofunda: “Acredito na ousadia, em se sentir seguro. Por exemplo: posso mesclar uma jóia com uma bolsa de tira pois sei que funciona para mim. Como também, nunca iria a uma festa de amigas ultra caretas fazendo ousadias extraordinárias. Para quê?! É preciso respeitar a possibilidade de opinião do grupo. Minha base é a seguinte: nunca sair de casa desarrumado. É uma questão de cortesia, educação. Estamos vivendo na ditadura do casual. Desleixo? Nunca. E o brasileiro gosta de se arrumar. Ouso até dizer que é um dos povos mais afiados que conheço…”

Cordialidade, respeito e educação. Esse é o modelito que Costanza Pascolato elege para vestir seu espírito (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Atual Miss Brasil, a paranaense Raissa Santana não ganhou o concurso universal, mas conquistou o coração de todos com sua educação e simplicidade. Por isso, ela ressaltou a importância da equanimidade: “Depois do concurso, minha vida mudou completamente pois sai de uma cidade pequena, né? Esse mundo glamouroso da moda surgiu muito de repente e precisei aprender a lidar com diversos aspectos que mexem com a cabeça. Graças a Deus, consigo manter aquilo que sou, que veste meu ser: humildade, estar de bem com a vida, reconhecer que sou apenas mais uma mulher lutando pelo seu espaço”. E completa: “Parto do princípio que todo são iguais, minha mãe sempre me ensinou que respeito é tudo! Visto exatamente quem sou.”

A Miss Brasil Raissa Santana prefere vestir sua persona com a igualdade e fraternidade entre os homens (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Entoando sucessos como “Insight”Jaloo sacudiu nesta noite de terça-feira (14/3) a Praça Natura, mesclando tecnobrega com frenéticas pitadas pop. O paraense crê no reconhecimento da própria identidade como uma verdadeira segunda-pele: “Ninguém é obrigado a nada, mas se autoafirmar é questão de qualidade de vida. É do aprendizado que tiramos lições valiosas para nosso eu exterior e interior”. Para ele, a melhor roupa da alma é o conhecimento acumulado sobre si e o mundo à volta: “Nos meus primeiros shows, sempre prezava por compor um look interessante. Hoje, com a vivência, priorizo o conforto, sobretudo em função do tipo de performance que eu faço em cena. Gasto muita energia, então para aguentar o tranco escolho vestir aquilo que me mantém de pé durante o show. Isso é aprendizado pelo caminho, concorda? É vestuário interior…”.

Intérprete querido da turma moderna, Jaloo escolhe a experiência como montação perfeita para vestir seu espírito. Por sua vez, é esta vivência acumulada que lhe permite escolher o figurino ideal para se apresentar no palco (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Lino Villaventura fechou o segundo dia de SPFW com desfile telúrico, visceral, magnetizador. Sorridente, ele compartilha do sucesso respondendo à pergunta do ÁS: “Essa questão é muito pessoal, pois na minha cabeça visto minha liberdade, minhas vontades, a identidade própria de quem acredita no que faz, que fica feliz com o resultado que obtém. De fato, não procuro agradar ninguém, mas tento refletir com quem trabalha comigo a importância da excelência. Sou exigente, centralizador até, e quando o ofício é desempenhado com qualidade todos ficam felizes, orgulhosos de ver o quão recompensador é chegar ao final com êxito. Régis, meu assistente, sabe bem disso”.

Voluntarioso, Lino prefere vestir seu “eu interior” com qualidades como identidade própria e liberdade criativa (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Indo além das tendências, a influencer Camila Coelho não precisa pensar muito sobre o que vestir por dentro: “É vital fazer tudo com amor. Quando você se ama, tudo fica mais bonito e a moda funciona melhor assim, independente de biotipos. É importante sentir-se bem para encarar o espelho. O que tento inspirar com meu trabalho é a acessibilidade de poder alcançar, através dos recursos estéticos, uma plataforma para o desenvolvimento individual e autoestima. Consequentemente, a gente se torna assim uma melhor pessoa para o próximo”, filosofa quase como uma Irmã Dulce da vida mundana.

Cereja do bolo das bloggers, Camila Coelho paramenta sua alma com muito amor e, assim, alcança um inesperado nirvana estético (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

No oposto extremo das gêmeas de O Iluminado“, Giselle e Michelle Batista são pura ternura. Em sintonia, as duas respondem em uníssono: “Primeiramente, é crucial paramentar a alma com bom humor. O mundo já tem muitos problemas, a vida em si já é um desafio, quase um feijoada gelada de indigesta. Então, sem jogo de cintura nada presta. Além disso é preciso maquiar o espírito com caráter. Uma pessoa que dedica algum tempinho para se arrumar tem o poder de iluminar, contaminar um ambiente. Tentamos sempre oferecer o melhor que há em nossos corações e se a moda pode nos ajudar nisso, por que não?”

Linda e Dircinha do novo milênio, as irmãs Batista da televisão – Giselle e Michelle – tiram o bom humor do guardarroupa espiritual para encarar as mazelas do dia a dia (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Banda Uó fala através da imagem: cor, brilho e performance são sua marca registrada, com o trio alegremente representando o que é ser multifacetado. Assim, suas escolhas de figurino se revelam janelas para a alma. “A extravagancia complementa todo o universo que nossa música remete”, diz a goiana Candy Mel, que assume viver em plena liberdade, sem amarras.  Já o louraço Davi Sabbag se diz adepto de “algo mais tranquilo, básico, porém com um toque de loucura”. E Mateus Carrilho confessa preferir o estilo rock’n’roll,  já que considera sua imagem de rebeldia na hora de se vestir: “Gosto de externalizar exatamente aquilo que sinto por dentro”.

Para os integrantes da Banda Uó, extravagância e toques de loucura fazem parte de um look do dia que adula a alma (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Após brilhar no desfile da Ellus, top delicinha Renata Kuerten é tão para cima quanto um obelisco: “Visto alegria, confiança! É só isso (risos). Mas, é preciso primeiro estar bem consigo mesma para depois ser útil ao próximo”, dispara essa insuspeita Madre Teresa da moda. “Temos que aprender a respeitar o outro e passar isso adiante. Não importa alguém comprar algo que acabou de sair da passarela e não se sentir feliz. Vai ser só um objeto a mais que não vai preencher em nada o interior”, filosofa.

Tipo Hebe: Renata Kuerten acredita na espontaneidade e alegria de viver como o melhor figurino para adornar seu “eu interior” (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Bamba que já embalou todo tipo de top model em todo tipo de roupa, Paulo Martinez crê na moda como alimento: “Educação, humildade e carinho são cesta básica. São estas as camisas que devemos vestir e que tornam os fenômenos externos bem mais legais”.

O top stylist Paulo Martinez considera o duo educação & humildade a montação perfeita para um estado de espírito bem vestido (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Prestes a apresentar a nova coleção da PatBo, a radiante Patricia Bonaldi conversou com ÁS pouco antes do desfile e foi categórica: “Visto minha personalidade. O que sinto, o que percebo do mundo e aquilo que acredito que nossa roupa deve traduzir. Cores, shapes… é tudo mutável. Eu mesma mudo a todo instante: uma hora estou hiperativa, às vezes introspectiva, sou volátil. Mas, uma coisa é fato: ninguém existe sozinho, a maneira pela qual agimos impacta aqueles mais próximos e vice-versa. Então, é preciso ficar atento. A moda é uma ótima forma de expressão. Me considero uma pessoa cambiável e gosto disto na minha personalidade”.

Criadora de moda com estilo muito pessoal, Patricia Bonaldi crê na personalidade própria como a melhor opção para vestir a essência (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Dentre outras atividades, a portuguesa Filipa Bleck é booker e stylist consolidada. Sua opinião é direta: “Para ser uma pessoal legal, é importante oferecer um gesto ao próximo, independe de estar ou não bem vestido. Me irrito um pouco com essa obsessão em se produzir de uma certa maneira não para mandar uma mensagem, mas para ganhar ‘like’ em rede social. Pobreza de espírito! Infelizmente, o figurino está voltado para o ego. Eu mesma nunca uso uma marca cara, amo brechó!” E finaliza com uma aspiração: “Que mais paz e amor vista e revista as pessoas”.

Despojamento do ego é a escolha diária de Filipa Bleck para se montar metafisicamente (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Boa praça, o modelo veterano Marco Lucco desfilou para a Ellus e faz a linha “homão” que toda mulher, se não quiser para marido, quer para sogro bonitão. Mesmo com toda essa estampa, ele se diz totalmente normal e valoriza os aspectos interiores: “Prezo pelo simples, pela tranquilidade e pela noção que vivemos em um coletivo. É isso que trago para meu trabalho: leveza. Essa é a melhor forma de levar a vida”.

Na contramão de Milan Kundera, o maduro bonitão Marco Lucco considera a leveza da alma a única coisa capaz de sustentar o espírito de um homem. E, no caso, que homem! (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

Nesta edição da SPFW, Reinaldo Lourenço não apresentará coleção, se concentrando no verão que será exibido na próxima temporada. Mas isso não o impediu de dar aquela circulada básica pela Bienal.   O estilista não mede palavras quanto à melhor montação e aconselha: “É preciso trazer para nosso intelecto coisas que nos acrescentam: boas paisagens, bons filmes. Olhando para dentro, desvendo imagens lindas que me permitem oferecer um produto especial às clientes. Pessoalmente, procuro inspirar os que estão ao meu redor com minha individualidade e estilo contemporâneo”.

Acostumado a brindar as clientes com coleções magníficas, Reinaldo Lourenço acredita no acúmulo de um repertório visual único para alimentar sua essência e, assim, ter o combustível certo para se manter no exercício criativo (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

O modelo trans Goan Fragoso levanta a bandeira da liberdade de expressão. Para ele, não existe certo ou errado: “Não enxergo roupa nesta dualidade de gêneros”. Bem, Goan não é exatamente uma pessoa montada… mas, sim, ao mesmo tempo também é. “Trago essa espontaneidade na maneira de me expressar de forma muito natural, de dentro para fora. E esperar que outros se aceitem do jeito que são e escolham os meios que lhe forem convenientes para refletir externamente o conteúdo daquilo que são pelo avesso”, revela.

Goan Fragoso vê na liberdade de expressão uma importante vestimenta para revestir a essência (Foto: Gabriel Barrera / StudioRGB para Ás na Manga)

“Nascido na cidade imperial de Petrópolis, o pianista amador ganhou o mundo ainda adolescente quando fez intercâmbio nos Estados Unidos. Nessa época sua terceira visão despertou e o moço se entregou ao budismo tibetano. Pura estratégia para dominar a vaidade interior. Estudou comissaria de bordo, mas preferiu o jornalismo e, hoje, entre retiros espirituais com rinpoches, encontros com lamas e entrevistas espevitadas, o sagitariano usa sua vocação para o tietismo como contraponto à eterna busca do santo nirvana.”

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