As doces surpresas de um festival que é pura maravilha não param. Depois de uma edição realizada na Marina da Glória que foi, digamos, “refrescante” (leia aqui), a segunda edição do festival Doce Maravilha foi desbunde. Dando sequência à autointitulada “festa da música brasileira”, o evento mudou de endereço e foi parar no Jockey Club Brasileiro (onde acontecia o Mita Festival, que não rolou este ano), espaço pleno de bossa que costuma acomodar com facilidade grandes públicos. O resultado não poderia ser diferente: com estrutura aprimorada, neste final de semana a turma que curte boa música está se deliciando com um line-up curado por Nelson Motta, um dos maiores nomes do cenário musical e fonográfico do nosso país, lendário agitador cultural e profundo conhecedor da história da música brasileira. Receita certa para bombar, concorda?
Ocupando o Pião do Prado do Jockey Club, dois palcos foram instalados em pontos opostos estratégicos, facilitando a dinâmica do público entre um show e outro. Divididos entre o Palco Doce Maravilha e o Palco Elo (área coberta), nesse primeiro dia (25/5) os artistas se apresentaram sem grandes adversidades do tempo, quase que pontualmente inclusive. Arrancando às 12h com Jacquelone, Mayra Andrade e as Ayabass (Xênia França, Larissa Luz e Luedji Luna) vieram na sequência com shows que foram pontos altos do dia e reuniram geral com chuva ou não. Vocais eloquentes, trepidantes e cristalinos, com as cantoras representando bem a cepa feminina do festival.

Na esteira, um dos shows mais aguardados desse sábado foi o da cantora Letrux, que apresentou um setlist enxuto ao cantar o emblemático álbum “O Último Romântico” (1983), de Lulu Santos. Apesar da chuvinha de leve que desaguou no começo do show, o público aqueceu os termômetros, enquanto a intérprete de “Flerte Revival” se mostrava contida, quase irreconhecível, apesar do styling power com direito a luva preta/vermelha de vinil e maxi-brinco laranja. Mesmo assim foi um bom show, correto e repleto de hits vindos do álbum que é hors concours quando o assunto é balada-chiclete.


“Lulu é o maior hitmaker desse país”, rasgou seda a cantora para “Rei do pop” brasileiro, antes de dar início à “De repente, Califórnia“. A vibe divertida da apresentação eclipsou a atmosfera enigmática/dramática esperada de Letrux, com direito à sequência funk em “Tão bem” e bolero “Um certo alguém“. O show fechou com o clichê absoluto “Tempos modernos“, antes de dar espaço para os Tropicals e o show Donato Imperial, com a Donatinho, Orquestra Imperial e Marcos Valle.

A convite do Àttoxxá, É o Tchan fez a festa. Do Havaí ao Egito, o grupo mostrou que a mescla de gêneros é essencial nesse tipo de show, agradando a gregos e troianos. Nada como o distanciamento do tempo para laçar um grupo de pagode, que jamais seria convidado para dar expediente em um festival desse tipo há 30 anos para tornar a boquinha da garrafa cult. Do “Hula, hula de lá, quebra, quebra daqui”, passando por outros hits que fizeram o verão 90, a plateia interagiu bonito.

Dando início à sequência de Jorges, Jorge Aragão convidou geral para um show que foi ode puro aos clássicos do samba. Recém-recuperado de um problema na vesícula, o artista mostrou que é duro na queda, dando conta de duetos classudos ao lado de um rapaziada de responsa, daquelas misturebas que Nelson Motta adora fazer no palco e no álbum: DJonga, BK’, Negra Li, Ana Carolina e Xamã. Sem chuva, o headliner brilhou em cena junto aos convidados, que não se furtaram de elogiar, agradecer e, óbvio, cantar aquele setlist de sucesso que apenas um titã da música brasileira consegue reunir ao longo de anos de carreira. Com direito, claro, a palinha solo dos demais artistas, já que, segundo Jorge, ele estava ali só para contemplar essa galera. A verdade é que o artista projeta uma luz potente nos bem aventurados pelo seu som e, mesmo que na condição de fã, como ele mencionou ao dizer que se juntaria à plateia, todos estavam ali para presenciar a catarse que é um show do mestre, que encerrou a apresentação com “Tape deck“.





Marcado para às 19h, Jorge Ben Jor subiu no palco do Doce Maravilha com apenas alguns minutos de “atraso” e fez a chuva que caía parecer besteira. Aliás, ao anunciar “Santa Clara clareou“, o tempo já virava a favor, fazendo “A minha menina” outro ponto alto de um show recheado de hits. Havia uma expectativa para alguma homenagem ao álbum “A tábua da esmeralda” (1974), que completa 50 anos em 2024, provavelmente pelo show de Caetano Veloso cantando “Transa” na última edição, que rendeu apresentação extra após o festival.
Mas Jorge é Jorge, e salve Jorge! Apesar de cantar “Magnólia” e “Zumbi“, demais tributos ao álbum setentista não rolaram. Mesmo assim foi momento magnético, com músicas como “País tropical“, “Do Leme ao Pontal” e “Take it easy my brother Charles“, “W/Brasil“, “Bebete vãobora“, “Mas que nada“. Tem como pedir mais?

*Por Andrey Costa
Foto destaque: Divulgação
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