* Por Alexandre Schnabl

É sempre bom ver o cinema brasileiro expandir horizontes para além daqueles gêneros que viraram standard na sua cinematografia desde a retomada: produções que estetizam a miséria e a periferia, realizações de temática regional, filmes gays, biografias, filmes históricos e as comédias postas na mesa com cardápio de famosos, de globetes a influenciadores, xerocada dos similares americanos. Não é o caso do delicinha  “Eduardo e Mônica” (Globo Filmes, 2021) –, mais um longa-metragem dirigido por René Sampaio inspirado por uma música homônima de Renato Russo, de 1986 –, que foge desses caminhos.

A inversão de papeis proposta por Renato Russo em “Eduardo e Monica” é bem aproveitada pelo diretor René Sampaio no filme homônimo. O adolescente Eduardo carrega as tintas mais afetivas na relação com Monica, bem mais experiente. Essa aparente troca de funções, dentro de um estereótipo daquilo que foi considerado por séculos masculino e feminino, se encaixa bem na narrativa de uma obra inserida numa era em que os papeis de homem e mulher nunca foi tão questionados. (Foto: Divulgação)
Exibido em pré-estreia no Festival do Rio, fora de competição, “Eduardo e Monica” já recebeu dois prêmios em festivais internacionais, em Calcutá e em Edmonton, no Canadá. (Foto: Divulgação)

Dessa vez,o diretor, nascido e criado na mesma Brasília do Legião Urbana, consegue um resultado muito superior a “Faroeste Caboclo” (2013) ao seguir a singela letra da canção como roteiro, aprofundando as diferenças entre um improvável casal: Eduardo (Gabriel Leone, surpreendente), adolescente classe média de 16 anos, pleno de dúvidas existenciais típicas da idade e ainda procurando a rota para a vida adulta, e Mônica (Alice Braga, sempre boa), estudante de medicina bem mais velha, underground, politizada e oriunda de uma família abastada de médicos e artistas plásticos,que está aprendendo a lidar com a dor da perda.

Confira abaixo o trailer oficial (Divulgação):

Sem medo de abusar de clichês e calcada no formatinho ”Sessão da Tarde”, tipo “10 coisas que eu odeio em você” (1999), “Cartas para Julieta” (2010), a produção é filme romântico que não se envergonha da origem: procura seguir bem-feito o padrão, e é a química entre Gabriel e Alice que faz tudo funcionar, além do roteiro fofo amparado por boas sacações como deixar a narrativa transcorrer nos mesmos anos 1980 do auge do Legião e da época em que “Eduardo e Mônica” foi lançada, o que amplia o charme.

Boa presença: consagrada em Hollywood como atriz de produções de grande orçamento, Alice Braga nunca deixou de filmar no Brasil. Entre tantos longas de ação, aventura e sci-fi, dessa vez, ela se entrega a uma love story eficiente, ao lado de Gabriel Leone. (Foto: Divulgação)

A direção de arte que reproduz o período é boa, ainda que aglutine no mesmo balaio referências de várias tribos e universos, como se os eighties fossem uma coisa só, mas servindo para situar politicamente o alienado Eduardo, criado pelo avô numa vila militar, e a engajada, alternativa e “cabeça” Mônica, espécie de Selvagem da Motocicleta empoderadinha. O caldo? Não escorre, e ainda serve não só para apimentar as diferenças do casal, mas para arrebatar pelo pé a turminha lacradora ativista de redes sociais, que acha que o planeta começou com Lady Gaga (conhecer Legião e fingir sensibilidade com Clarice Lispector faz parte do pacote para não deixar transparecer as limitações) e vai degustar a projeção como se estivesse assistindo Xavier Dolan ou Kar-Wai Wong.

Nas redes sociais, genZers e millennials vão posar à frente de cartazes do longa com aquele gesto com os dois indicadores e dois polegares fazendo as vezes de coração ou o paz &e amor que voltou à moda com as mídias sociais.

Industry babe: em “Eduardo e Mônica”, Gabriel Leone vive uma existência banal até se envolver com uma mulher mais velha. É mais um estudante às voltas com o vestibular, novelas da televisão e sucessos do rádio. (Foto: Divulgação)

Para arrematar, uma trilha babado sublinha as imagens, com hitões que vão de “Tainted Love“, do Soft Cell, duo Marc Almond e Dave Ball, a “Bichos escrotos“, dos Titãs em sua melhor fase, passando pela baba “Total Eclipse of the Heart“, da loura pasteurizada Bonnie Tyler, responsável pela sequência mais divertida do filme. Vai correndo ver, que não arranca pedaço e tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

A boa direção de arte de Tiago Marques Teixeira se encarrega de situar convincentemente “Eduardo e Mônica” nos anos perdidos. (Foto: Divulgação)

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