O público de cerca de 500 pessoas foi à loucura quando Pabblo Vittar entrou em cena há poucos dias no palco do Galpão Gamboa, Região Portuária do Rio. Com uma plateia formada essencialmente por integrantes da Geração Z, para quem a discussão de gênero é papo encerrado e tanto faz ser homem, mulher, gay ou hétero, o artista que usa nome de homem para se apresentar de mulher é termômetro daquilo que, se faz sentido polemizar hoje, possivelmente será página virada em breve.

Closeiro com conteúdo: no palco, Pabllo Vittar tira proveito da sua presença cênica para turbinar os instagrams e snapchats de um público ávido pela transgressão (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)
A turma que foi conferir o espetáculo – aditivada por baluartes do teatro e TV como Marco Nanini, Renata Sorrah, Debora Lamm, Ary Coslov e Rosi Campos – se esbaldou com o vozeirão do rapaz (ou da moça, pouco importa), que anda fazendo sucesso também na trupe do “Amor e Sexo“, comandado na TV por Fernanda Lima nas noites de quinta, o que lhe tem ampliado a visibilidade que ganhou a partir do final de 2015, quando estourou com “Open Bar“, versão brazuca de “Lean On” do Major Lazer.
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“Ainda não dormimos desde ontem”, conta, revelando que fez show na noite anterior, veio para o Rio, se apresentou no Bloco das Poderosas ao lado de Anitta no centro histórico carioca e não conseguiu fechar as pestanas: “Deixamos a mala no hotel-boutique, fomos para o badalo, chegamos de volta ao 55 Rio Hotel, descansamos um tiquinho e viemos para cá arrasar”.
A presença de Pabllo Vittar no trio de Anitta, no centro histórico carioca, incendiou o pós-carnaval do Rio. Confira abaixo (Reprodução):
Quando adentra no palco, Pabllo – nascido Phabullo Rodrigues da Silva – lacra, abusa do gogó e tem aquela aura de quem consegue eletrizar a plateia antes mesmo de começar a entoar a primeira nota. E, reflexo dessa nova geração, sabe transitar da postura de diva para o jeito de moleque com a mesma desenvoltura daqueles garotões que fazem selfie com a língua de fora. Nessa hora, o boné ajuda a compor o tipo. Ele brinca com o público, diverte com piadas gaiatas de duplo sentido, rasga as sedas de praxe (“Como é bom estar nessa cidade, meu povo. Amo o Rio!”) e é perceptível que não se leva tão a sério (ainda bem!), algo nada comum para um GenZer, integrante da turma nascida entre 1990 e os anos 2000). Sim, com 22 anos, foi do Maranhão para Uberaba e de lá conquistou o Brasil, mas manteve a essência, ainda que consiga também se aproximar de uma verve carioca da gema.

Telêmica: o show de Pabllo Vittar é visto pelas lentes de celular (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)

Domínio de palco: Pabllo Vittar brinda o público com o vozeirão, a lábia e a malemolência corporal… (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)

…, divertindo a plateia que se acotovela no proscênio disposta a tirar casquinha do ídolo! (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)
Mantidas as devidas proporções estabelecidas pela maturidade, é possível comparar sua veia artística com a de baluartes como Grace Jones que, apesar da fama global, se apresenta até hoje em pequenos clubes para uma plateia tão seleta quanto bafônica, daquela que curte ir do luxo ao lixo. Como a jamaicana, é nítida a preocupação de Pabllo em se manter underground, ainda que a televisão esteja lhe conferindo visibilidade mainstream, com o performer começando a colher frutos de árvores mais frondosas. Exemplo disso é o destaque neste carnaval com o hit “Todo Dia“, considerado a melô dessa folia. Num patamar que esbarra em Grace, Pabllo não dá só pinta em cena: é artista, embora ainda esteja engatinhando no showbiz.

Decúbito assanhado: assim como outras figuras carimbadas do bafão globalizado, Pabllo Vittar não tem medo de sere feliz no palco. No seu caso, isso significa levar às últimas consequências uma apresentação visceral, onde chega a se rastejar em cena empinando o derrière para uma chuva de cliques. Sua presença cênica pode ser comparada, considerando as proporções, às de divas do universo trans do passado, como Divine e Laura de Vison (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)

E, novembro passado, no Festival Back to Black, Grace Jones passou boa parte do espetáculo desmontada no piso do enorme palco do Palácio das Artes, no Rio. Ela rebolou, rolou, pipocou, causou e fez o diabo diante de uma plateia enlouquecida com sua persona endiabrada (Foto: Crisatina Granato / Divulgação)

Em vários aspectos, a postura de palco de Pabllo Vittar se assemelha a um baluarte da cena trans nacional dos anos 1980/1990 – Laura de Vison -, que brincava com seu próprio corpo no inferninho no qual se apresentava no centro do Rio para eternizar imagens na memória do público. A diferença entre ambas, além do shape, é somente uma: enquanto Laura pintava e bordava com o esdrúxulo tendo como matéria-prima a atuação da drag Divine nos filmes underground de John Waters, Pabllo foca no glam, se inspirando nas divas do pop. Em caminhos diferentes, o impacto é o mesmo! (Foto: Reprodução)
Sua presença cênica carregada de trejeitos à la Beyoncé (quem não?), com direito a bate-cabelo e sacudida de ombrinhos, revela o domínio de palco de quem passou a infância observando a desenvoltura das pop stars via redes sociais. Okay, mas ele vai mais além: tem um carão que, maquiado, ganha o ar de bem-nascido de uma italiana, daquelas que faz sucesso na bota. Seu queixo e sorriso lembram muito Reese Whiterspoon, e em alguns ângulos é inevitável a comparação com a estrela que acaba de estrear uma série na HBO, após sucessos na telona como “Legalmente loira“ e “Água para elefantes“.

Pabllo Vittar consegue tirar proveito dos traços faciais que colaboram na impressão de uma estrela italiana bem-nascida dos anos 1960/70. Naturalmente, o público não verbaliza isso, mas as referências vindas do imaginário cinematográfico retrô, aliadas ao conceito contemporâneo de diva, conduzem o intérprete a uma singularidade (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)

Vencedora do Oscar de ‘Melhor Atriz’ por “Johnny e June” (2005), Reese Whiterspoon tem semblante que traz alguma semelhança com o visual de Pabllo produzido (Foto: Reprodução)
Por falar em diva, ÁS quer saber para quem Pabllo gostaria de fazer um featuring. Ele apela para talentos nacionais: “Lia [Clark], Gloria [Groove], Aretuza [Lovi] e MC Linn da Quebrada“, dos hits “Bixa Preta“ e “Enviadescer“. ÁS continua: “E qual a besha destruidora que você mais respeita?” Ele manda na lata: “Todas as que buscam seu espaço e também as que sofrem, mesmo anônimas”. E continua: “Agora, se você pergunta qual diva me emociona, vou de Beyoncé a Anitta, de Daniela Mercury a Lia Clark. Sou um artista em construção, me inspiro em tudo o que está em minha volta”.

Lia Clark: performática que faz sucesso nas redes sociais e bomba no circuito moderninho, a loura bomba com hits como “Chifrudo”, que tema divertida participação da Mulher Pepita (à dir.) (Foto: Reprodução)
Com o repertório do seu primeiro álbum (online e físico) – “Vai Passar” – lançado a menos de um mês, Pabllo toca o show sem barriga, com direito a algumas interrupções para brincar com o público, escolher o ângulo certo para ficar bem na fita do selfie dos fãs e até deitar no chão, criando um tête-a-tête intimista que causaria inveja em Jane Birkin. E, como fiel integrante da Geração Z, para quem o mundo é uma frenética e multidisciplinar sobreposição de telas de aplicativos, ainda há tempo até para jogar charme para o indie barbudinho quê, quase na turma do gargarejo, só falta babar sobre Pabllo. Por que não, afinal é todo dia, não?
Aliás, como seria o assédio à sua porção, considerando o sucesso adquirido em tão pouco tempo? Pabllo não se faz de rogado: “A marcação rola e sou bem tranquila quanto a isso. Essa foi a carreira que escolhi, que amo. Então, converso com meus fãs pelas redes sociais o tempo todo, sempre que sou parada na rua tiro fotos e converso com eles também. Mas tudo até agora sempre foi no amor. Nunca tive nenhuma experiência desconfortável até hoje.

Público se refestela com o esprit du corps de Pabllo Vittar no palco… (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)

… e o resultado é um mar de braços levantados para capturar o melhor ângulo de Pabllo com o smartphone. Nada de novo no front, a não ser pela quantidade de aparelhos em riste, demonstração da empatia fenomenal do artista! (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)
“E como é o amor, Pabllo? Está faltando alguém no seu open bar? Quem?”, indaga ÁS com jeitinho. Ele responde: “Já é um open bar de amor, meu bem. Então, se você transborda, é só chegar”, brinca. “E quem será a versão 2017 do boy-magia?”, insistimos. Ele não se faz de rogado: “Qualquer um quem se sente bem com seu próprio corpo. Por isso só, esse cara já merece meu total respeito. Olha, existe o amor. Existe amor até em São Paulo, em qualquer canto do mundo”, emenda.

Bem cuidado: apesar de um show pequeno, sem trocas de roupa nem efeitos mirabolantes – o que faz Pabllo se segurar na voz, timbre e atitude -, tudo é minuciosamente pensado, com destaque para a iluminação simples, mas eficiente (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)
Na retaguarda, o light designer do espetáculo provavelmente já conhece o furacão e se encarrega de abusar das cores frias no contraluz. Azuis verdes e roxos emolduram a figura em cena, que já é suficientemente quente para enlouquecer a audiência. Como ninguém é de ferro, quase que como para não dar a deixa de que o calor ali emana somente de Pabllo Vittar, vez por outra uma luz vermelha invade o palco, deixando o artista como o diabo gosta.

Pernas de Ana Hickmann: com 1,87m de altura, Pabllo Vittar mostra conhecer o corpo que tem, tirando proveito da longilineidade para sensualizar em cena. Bond Girl perde! (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)

Dois em um: as horas gastas na musculação ajudam Pabllo Vittar na boa forma de pernocas capazes de abalar Paris, num corpo que funciona bem na porção feminina e pode também arrasar na contraparte masculina. Nesse ponto, ele ainda tem outra vantagem: pertencente a uma geração para a qual a moda é tudo, ele modela seu biotipo com músculos bem torneados, mas não é socado, ao contrário das divas do pop como Beyoncé, Mariah ou Rihanna, as quais, apesar de ícones fashion, estão anos-luz distantes de um corpitcho de Renata Kuerten (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)
No geral, Pabllo é mélange de referências com um ótimo porém: ao contrário da maioria dos seus pares, ele consegue ser ele mesmo, criando algo único a partir de um patchwork de codificações. Do alto de seus 1,87,o moço (ou a bonita, note bem, ÁS insiste que essa discussão não faz sentido em se tratando do artista) impressiona já no backstage, quando já maquiado e com a peruca loura no estilo Donatella, nos recebe todo fofo, trajando apenas o body de Fernando Cosendey e um par de tênis, pronto para um bate-papo.
O collant cavadão no estilo asa delta evidencia a curva do ilíaco e valoriza o quadríceps bem torneado e a parte posterior da coxa igualmente pronunciada. “Eu treino muito”, entrega Pabllo, mostrando novamente como o garotão marombeiro e a diva mulheríssima podem ocupar o mesmo lugar no espaço numa equação que desafia a física. Para ele,a cena drag/trans/agênero anda atualmente bem representadíssima: Temos artistas incríveis em muitas esferas diferentes conquistando espaço”, comenta.

Carão + ombros + saboneteira + pernas = Pabllo Vittar não se contenta apenas com uma boa chicoteada de picumã. O bate-cabelo é apenas um recurso a mais para um performer que sabe brincar com as várias partes do corpo (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)

Obviamente, numa era em que Bey é rainha, é impossível para Pabllo Vittar não emular a estrela do pop (Foto: Rodrigo Simões para Ás na Manga)
Pabllo Vittar considera único o momento atual, quando a bandeira da identidade de gênero, através do debate, começa a render modificando comportamentos estigmatizados. Ele acredita que essa discussão é absolutamente necessária e deve ser levada a rigor, sem necessariamente crer que parte do seu sucesso talvez seja consequência direto desse aspecto: “Usar um debate importante como esse para “alavancar” uma carreira pode ser uma atitude bem babaca de qualquer pessoa. Não vou na onda. Simplesmente mostro o que sou, luto pelo que almejo e por uma sociedade melhor”, dispara, completando: “Espero realmente que esse tema seja levado à banalidade, mas não por ter se esgotado como assunto da moda, mas por termos conseguido mudar essa mentalidade de grande parte da sociedade”.
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