Que Lady Gaga nada! Embora a diva pop faça frente à Glenn Close na disputa pelo Oscar, principalmente pelo apelo midiático que a moça confere à premiação, quem realmente pode arrancar a coroa de ‘Melhor Atriz’ da loura mais injustiçada da história da Academia é outra soberana: a Rainha Anne vivida pela inglesa Olivia Colman, que rouba a cena em “A favorita” (The Favourite, Fox Searchlight Pictures, 2018), que acaba de entrar em cartaz no Brasil. A britânica interpreta uma versão ao mesmo tempo titubeante, solitária e tragicômica da monarca absolutista, e é dirigida por Yorgos Lanthimos, por quem já havia sido dirigida em “O Lagosta” (The Lobster, Film 4 e outros, 2015).

Em “A favorita”, Rachel Weisz (esq.) e Olivia Colman interpretam a dama de companhia e a rainha que ela influencia numa relação abusiva que extrapola as questões palacianas para atingir a dependência em nível sexual a (Foto: Divulgação)
Confira abaixo o trailer oficial de “A favorita” (Divulgação)
Colman fez carreira majoritariamente na televisão em produções como “The Crown“, onde vive outra rainha da vida real, Elizabeth II, mas quando surge na telona costuma fazer bonito, mesmo em papeis pequenos como a Hildegarde de “Assassinato no Expresso do Oriente” (Murder in the Orient Express, de Kenneh Brannagh 2017, leia mais aqui). Agora pela primeira vez como protagonista, ela vale cada frame do longa-metragem que narra a disputa de duas cortesãs (Rachel Weisz e Emma Stone, ambas concorrendo à estatueta de ‘Melhor Atriz Coadjuvante’) pela primazia na influência da soberana, a última da dinastia Stuart que, no limiar do século 18, foi responsável por unir Inglaterra e Escócia na Grã-Bretanha.

Segundo Olivia Colman, é “mais difícil atuar como Elizabeth II” em “The Crown” – a aclamada série na qual ingressou na terceira temporada, em 2018 – “que viver a Rainha Anne Stuart” (Foto: Divulgação)
A despeito dos jogos de poder dessas três mulheres na corte, o roteiro romanceia de suas existências reais, na perspectiva do argumento escrito por Deborah Davis e Tony MacNamara, ainda que na época houvesse de fato fofocas acerca do “duelo” travado entre a Duquesa de Marlborough [Weisz] e Lady Masham [Stone] pela atenção da rainha de saúde frágil. Contudo, não existem provas de que Anne fosse homossexual, nem que tivesse existido um triângulo amoroso entre as três, embora houvesse comentários acerca da sexualidade da soberana, segundo Sebastian Edwards, curador da fundação Historic Royal Palaces, em entrevista à BBC: “Embora haja rumores de Anne ser gay, não há provas contundentes disso.”

Soberana subestimada: apesar de ser tida pelos historiadores como uma governante que “arrumou a casa”, constantemente a Rainha Anne é retratada como uma monarca insegura. Em parte, contribuem para essa visão as doenças que lhe acometeram, como a gota, e o fato de ter perdido todos os seus 17 filhos ainda no útero (Foto: Reprodução)
Apesar das concessões dadas ao roteiro, a consultora histórica do filme, Hannah Greig, em entrevista à revista BBC History, afirma: “A produção capta a essência política da época com os partidos liberal (os whigs) e conservador (os tories) disputando poder. Muitos de nós crescemos comprometidos com uma narrativa na qual as mulheres foram excluídas do poder até a longa e difícil luta pelo sufrágio do século 20. Por alguns anos, durante o reinado da rainha Anne, as mulheres dominaram a arena política”, alega.

Secundários na trama tratada de forma pretensiosa pelo diretor Yorgos Lathimos, os personagens homens de “A favorita” quase sempre se resignam às suas perucas. Aliás, a caracterização é um dos pontos altos da produção. Apesar disso, no longa n’ao concorre a `Melhor Figurino`
no Oscar. Um quase irreconhecível Nicholas Hoult (ao centro) interpreta o afetado líder da oposição, os Whigs (Foto: Divulgação)
Fica claro que, apesar de todas as licenças poéticas em prol da narrativa, “A favorita” se alinha com o momento atual de Hollywood de empoderar as mulheres, ainda que em várias passagens da projeção o tom cínico com que Lanthimos impregna o longa deboche disso, ao criticar a salada feita por elas ao misturar negócios de estado com ardores pessoais.

Na ilustração de época, a poderosa Duquesa de Marlborough, que cuidava das finanças da corte inglesa e até de quem tinha acesso à Rainha Anne, é retratada dando ordens na soberana e na dama de companhia Lady Masham (Foto: Reprodução)
Se o empoderamento foi a intenção, o diretor compromete tudo quando reduz a alma feminina, em batalha sob os luxuosos vestidos, a um mimimi de mulherzinha e, sobretudo, quando trata Anne como uma caricatura, a de boçal insegura capaz de desmaiar no parlamento quando diante de uma saia mais justa que um tubinho de Bruna Marquezine. Cenas como essa podem render riso fácil na plateia, mas certamente há forma melhor de contrapor os desígnios da política com os percalços do coração no universo feminino. Esse talvez seja o calcanhar de Aquiles do filme, independente de os registros históricos mostrarem o contrário, e apesar da divulgação dos relatos com que Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough, se dedicou na vida real para denegrir a reputação da rainha após o exílio.

A oscarizada Sandy Powell concorre mais uma vez ao Oscar na categoria ‘Melhor Figurino’ por “A favorita” (Foto: Divulgação)

Dama vertida em criada em decorrência da falência familiar, Lady Masham (Emma Sone) não mede esforços para seduzir a Rainha Anne a fim de recuperar sua antiga posição aristocrática, Apesar de concorrer a ‘Melhor Atriz Coadjuvante’ a vencedora do Oscar por “La La Land” não está em sua melhor forma (Foto: Divulgação)
Trata-se, por um lado do costume picture da temporada – aqueles de época que valorizam os aspectos visuais da produção, figurino, cenografia, visagismo, iluminação; a Academia ama e todo ano pelo menos um deles precisa fazer parte da corrida ao pódio –, mas, sobretudo, de um woman picture, daqueles que servem de veículo para as atrizes brilharem e se tornaram um gênero a partir dos anos que antecederam os wartimes, quando elas finalmente conquistaram seu lugar ao sol o mercado de trabalho.

Na concepção caricatural de Lathimos para “A favorita”, a Duquesa Sarah Churchill abusa de figurinos masculinos para acentuar seu empoderamento. Apesar da concessão histórica, o resultado é visualmente belo, contribuindo para a ótima atuação da atriz, que já ganhou o Oscar por “O jardineiro fiel” (Foto: Divulgação)
Entretanto, na corrida do Oscar, quem realmente leva as maiores chances de levar o prêmio de ‘Melhor Atriz’ para casa é Glenn Close, apesar de o enxuto “A esposa” não concorrer a ‘Melhor Filme’ (uma injustiça!), estando limitado a uma única indicação, ao contrário de “A favorita” com a fartura de suas dez.

Numa atuação digna de um filme da arte europeu, Glenn Close arrebata o público em “A esposa” através das minuciosas nuances com que constrói sua personagem (Foto: Divulgação)
Confira abaixo o trailer oficial de “A esposa” (Divulgação)
Se por um lado a loura de 71 anos se beneficia do “efeito Gary Oldman” (leia mais aqui) – o mesmo que ano passado fez Hollywood de arrepender do descaso com o ator, ao premiá-lo diante da memorável atuação em “O destino de uma nação” (2017) e poucos anos antes conferiu ao mestre das trilhas sonoras Ennio Morricone (leia mais aqui) seu primeiro Oscar não honorífico –, por outro lado é contundente sua presença como a cônjuge que abriu mão do talento para viver à sobra do marido escritor de sucesso (Jonathan Pryce arrebatador!).

Em “A esposa”, Joan Castleman (Glenn Close) se divide entre a função de cônjuge que apoia o marido escritor contemplado pelo Prêio Nobel e a indignação com que ele lhe submete a uma relação egoísta e abusiva (Foto: Divulgação)
Econômica na interpretação num papel desprovido de glamour que não o cerebral e passando longe das megeras que fizeram sua marca nas telas, Glenn Close faz a festa nesse woman picture à altura dos melhores clássicos do tipo. A veterana pinta e borda num veículo feito para ela aparecer. Com a idade, ela ainda tira agora o seu melhor de si: quem mais consegue dizer tanto com o domínio minucioso de sua musculatura facial sem palavras, passando de expressões que vão da frustração contida ao repúdio absoluto com uma simples mudança de olhar? Está estupenda!
Deixe seu comentário