Nada é por acaso. Espécie de versão “primeiro mundo” de badalos tipo Baile da Vogue, Baile da Amfar ou Camarote Nº 1, o MET Gala, Baile do MET ou simplesmente Costume Institute Gala, dentro do Metropolitan Museum de NovaYork, extrapolou: o teatro da moda cedeu à ópera-bufa, com o aval do catolicismo. Ponta de lança que movimenta a indústria da alta moda, ele vai seguindo ano após ano como o mais famoso rega-bofe em benefício de uma instituição cultural, se valendo do apelo fashion e abrindo a exposição anual do templo da moda instalado em Manhattan com pompa e circunstância. Equivale ao red carpet do Oscar, com um aditivo: mistura em grandes proporções o star system com o povo da moda e celebrities de todos os ramos, numa era pós-jet-set. Aliás, talvez ele seja o prenúncio de que o jet-set ficou mesmo por lá pelos anos 1970, no máximo no inicinho dos 1980. E não volta mais. Nessa época, as pessoas enfiavam o pé na jaca e mandavam ver, mas poucas vezes escorregavam no quiabo para valer. Se escorregavam, era porque a essência delas era o quiabo, e dane-se o diabo! Ao contrário do que se viu nessa noite de segunda-feira (7/5).

Anjo caidíssimo: a bússola de Katy Perry bugou! Ela mirou a flecha no Met Gala e acertou no alvo na Sapucaí! (Foto: Reprodução / Instagram)

Sex and the camp! Ícone fashion desde sua Carrie Bradshaw em “Sex and the City”, Sarah Jessica Parker chutou o balde com água benta! Ou vaporizou colônia da Jequiti no incensário. A moça pareceu ter comparecido ao MET Gala achando que era a finalíssima do RuPaul’s Frag Race. Bom, quando é para lacrar pelo deboche, as drags sabem fazer a coisa, ao contrário da ex-mulher de Matthew Broderick… (Foto: Reprodução / Instagram)

Senão vejamos: se levar a sério demais nunca descambou em coisa boa, e o carnaval de Veneza, digamos, era bem mais divertido quando havia gente como o libertino Giacomo Casanova (1725-1798), disposto não se render a religião qualquer, não fosse o culto do seu próprio prazer. No íntimo, tipinhos como o nobre italiano podiam ser eles mesmos, mesmo que mentissem sobre quem eram. No Baile do Met, exceto poucos como Madonna, Jean Paul Gaultier, Gisele e a anfitriã Anna Wintour, quase ninguém foi autêntico: no máximo factoides clônicos de si próprios em figurinos criados para exaltar suas pseudo personas, sob o aval de assessores, empresários e stylists ávidos para justificar seus fees. Não que essa turma não esteja ali para fazer seu trabalho em parceria com estilistas talentosos e grifes de ponta. Estão, devem e fazem. Mas, quando a ludicidade aspiracional se converte no finado Concurso de Fantasias do Hotel Glória, prefiro o passado e fico com Clóvis Bornay, amorzinho.   

Tom Brady e Gisele: casal dourado do mundinho da moda estava chique de Versace (Foto: Reprodução / Instagram)

Cada badalo tem a Monica Bellucci que merece! E não é que Kim Kardashian estava empoderadíssima no meio de todas? E, comparando com as demais, até que bem discretinha. Quem diria! (Foto: Reprodução / Instagram)

Adequadíssimos ao que representam no imaginário da moda, bem na vibe da expô, Jean Paul Gaultier e Madonna assumiram ares eclesiásticos no Baile do Met (Foto: Reprodução / Instagram)

Enquanto Madonna, de JPG, entrou na onda com tudo aquilo que prometia, Cara Delevigne adentrou o Met Gala fantasiada de bobo de corte medieval. O look é Dior!!! (Foto: Reprodução / Instagram)

Like a prayer! Além de responsável pelo show da noite, Madonna incorporou a Cersey Lannister no Met Gala (Foto: Reprodução / Instagram)

A edição 2018 do Met Gala comprova isso: entre algumas criaturas realmente podres de chique, a presença predominante de figuras que pareciam saídas de um Madame Tussaud kitsch, capitaneadas por uma Rihanna vestida de Papa e uma Katy Perry emulando a pata Gertrudes de Viagem ao centro da Terra  – num evento cujo tema dessa vez era a expô Heavenly bodies:fashion and catholic imagination” (corpos celestiais: moda e imaginação católica”), que inaugura nesta quinta 10/5 e prossegue até 8/10 – poder ser lida como a síntese de que levar a liturgia da moda às últimas consequências, numa época em que ela dá sinais de esgotamento tanto na passarela quanto nas vitrines, pode significar pecado capital. Algo meio nervoso, tipo o Baile da Ilha Fiscal, último do Império do Brasil e à véspera da proclamação da República, quando a excesso de camisinhas encontradas no bochicho revelaram que os convidados estavam doidos para aproveitar o que desse, antes de alguém chutar o balde e apagar a luz da monarquia.

Spiritu sanctus! Nunca a expressão papisa da moda foi tão literal… e demoníaca! Acostumada a usar a moda para autopromoção como ninguém no showbizz, a geralmente capotante Rihanna baixou o Pio XII em pleno Baile do Met Gala! Não dá, né, filha. Ficou parecendo o Juiz Frollo na versão Disney de “O Corcunda de Notre Dame”! (Foto: Reprodução / Instagram)

Até que funcionou! Jennifer Lopez nunca soube direito a diferença entre roupa de palco e da vida. Mas, olha, até que seu visual bizantino decotado deu certo! (Foto: Reprodução / Instagram)

Quem que as celebs não carregam sua própria cruz? Só não pode papar hóstia com essa fenda, amor! (Foto: Reprodução / Instagram)

Atá! Alicia Quarles veio fantasiada de bem-casado de casamento no religioso… (Foto: Reprodução / Instagram)

Alô, Guel Arraes! Enquanto não dá a cara nas telona como a super-heroína Mera em “Aquaman”, a ex-Johnny Depp Amber Heard viaja na macarronada e surge no Met Gala achando que estava no palco de “O auto da compadecida”, Então tá! (Foto: Reprodução / Instagram)

Essa carnavalização do high people vista no badalo do MET não deve ser encarada como a liberdade identitária que a moda apregoa desde a modernidade, nem como a ponta de um iceberg lúdico-anárquico interior dos convidados, num  processo que, numa leitura apressada, poderia ser encarado como a apropriação dos bem-nascidos ou be­m-vividos daquele nas festas populares estudadas pelo filósofo e pesquisador de semiótica russo Mikail Bakhtin (1895-1975), para quem o grotesco significa reação à ordem, como drags caricatas na folia carioca, tipo as que frequentam o Baile do Copa. Nada disso.

Ópera queen burlesca! Acostumada a envergar looks estranhíssimos nas premiações de cinema – e até subir bêbada no palco para receber a estatueta no Globo de Ouro em janeiro -, a oscarizada Frances McDormand mostrou ao mundo inteiro o que acontece quando se toma umas doses a mais de vinho de missa: escrotizou a porra toda! O modelito é Valentino, por Pier Paolo Piccioli (Foto: Reprodução / Instagram)

Bonequinha de luxo virou Hellraiser! A bonitinha Lily Collins foi de Givenchy. E essa cabeça, hein, amor? (Foto: Reprodução / Instagram)

Nada como aproveitar o clima sacro para tentar fisgar marido no religioso. Kate Bosworth, que não costuma mesmo acertar, foi ao MET Gala de noiva! (Foto: Reprodução / Instagram)

Aliás, também vale um outro artigo questionar o sentido da associação entre moda e a religiosidade cristã numa exposição desse calibre. No fundo, a criatividade da moda vai de encontro aos valores hierárquicos católicos, e a própria instituição da cristandade que balizou o Antigo Regime é diametralmente oposta ao sentido libertador da moda que ecoou a partir da modernidade, enquanto artifício na construção da identidade.  Qualquer apropriação semiótica de códigos dos cristianismo pelos designers, no fundo, não passa de mero fetiche, do tipo que alimenta a moda. E muito poucas labels ou celebs souberam de fato usar esse tipo de recurso como análise crítica inserida em coleção ou estilo pessoal, exceto gatos pingados como Jean Paul Gaultier e sua musa oitentista Madonna, para os quais a união do sacro com o profano foi postura libertária.

Karolina Kurkova esnobou o tema da festa e preferiu ir linda mesmo… (Foto: Reprodução / Instagram)

…Assim como Gigi Hadid, de Versace! (Foto: Reprodução / Instagram)

Outra que lacrou, mesmo apelando para o teatral, em look armadura Versace, foi a Joana D’Arc Zendaya, ex-estrela teen da Disney! (Foto: Reprodução / Instagram)

Sim, o MET Gala é agito bacanudo para quem deve ser visto e precisa ser visto, comme il faut. Okay. Mas, a cada ano ele perde mais a mão. Assim como o fashion show da Victoria’s Secret é tudo menos desfile, podendo ser até escola de samba, o rega-bofe capitaneado por Anna Wintour desde 1995 não é mais a essência do alto mundinho fashion. Virou outra coisa, bateu no poste, da mesma forma que o Vogue Fashion Night Out já era! Há tempos. Tudo bem, é feira de vaidades num patamar que a Vanity Fair, em seus primórdios, sequer imaginaria que o espetáculo da vida mundana poderia chegar. E ponto.

A argentina Sofia Sanchez de Betak, de Chufy, foi outra que soube acontecer na atmosfera do badalo! (Foto: Reprodução / Instagram)

Mas sempre rola que acerta, mesmo apostando no over: operística, Blake Lively estava linda! (Foto: Reprodução / Instagram)

Blake sabe mesmo acontecer, como nessa outra premiação, quando pode ter investido na primeira missa no Brasil. Seu look com clima de ararinha azul podia mesmo fazer parte do famoso quadro de Victor Meirelles. Mas não é que estava linda? A gente ama a ex-“Gossip Girl” (Foto: Reprodução / Instagram)

Entre bem-vestidos e pessimamente trajados, entre os chiques e os carnavalescos, a palavra de ordem é lacrar. Nem sempre conseguem. E pouco importa se o resultado final pode tangenciar Björk de cisne no Oscar 1996, os bigodes em riste de Dalí, Luma e Monique na Sapucaí de priscas eras, um Elvis gordo fim de linha abrindo o gogó em Las Vegas ou ainda o pianista camp Liberace numa época em que ele era o único que não precisava de fantasia para viver vilão do seriado Batman“, com Adam West. Bom, ao contrário da “papisa” Rihanna, da sabe-se-lá-o-quê Sarah Jessica Parker e da alada Katy, esses foram originais.

Convento do babado! Outra que pirou foi a atriz, cantora, modelo e compositora (ufa, chega!) mexicana Eiza Gonzalez. De péssimo gosto, seu visu “hot freirinha pervertida de peitos fartos” pode ter deixado os travesseiros molhados na ala masculina dos claustros mundo afora. Afinal, noviço sapeca não falta nas abadias da vida… (Foto: Reprodução / Instagram)

É sintomático que tantas celebridades tenham perdido o rumo num ano em que o tema da exibição no Costume Institute é a ligação entre a moda e a religião católica, numa era em que a plenitude da exaltação da individualidade na vida pode ser expressada pelo estilo de vida. A moda virou religião, fato. E o seu caráter litúrgico permanece, podendo ser conferido em sacações repletas de humor, mas seríssimas, como na brincadeira de Federico Fellini (1920-1993) em Roma (1973): o desfile de roupas eclesiásticas no Vaticano desse clássico demonstra exatamente essa importância e continua sendo, 35 anos depois, um exemplo contundente dessa percepção.

Confira abaixo a famosa sequência do desfile de moda papal que Fellini inseriu em “Roma” (Reprodução):  

E veja aqui no link o genial desfile de abertura do Minas Trend, apresentado em outubro de 2017, com direção de Paulo Martinez. Muito mais interessante que muitos looks vistos no MET Gala, aliás…

Na exposição do MET, obras-primas das agulhas de criadores geniais, como Dolce & Gabbana, Jean Paul Gaultier, Christian Lacroix, Schiaparelli, Dior ou Valentino podem até ficar para a história da moda e seu triunfo estilístico merece o palco. Exatamente ao contrário do espetáculo burlesco de uma boa parcela dos convidados da festa que deu a sua arrancada.

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