O público finalmente pode conferir, na noite desta sexta-feira (25/9), o desenlace de “Verdades Secretas” e, conforme ÁS já havia noticiado aqui, a história realmente terminou em casamento de conto de fadas como suposto final feliz para a mocinha Angel (Camila Queiroz) e o suicídio de Carolina (Drica Moraes, em interpretação cheia de nuances que vai ficar na memória). Durante quatro meses, os telespectadores puderam acompanhar uma história bem contada (e muito bem produzida!) que – teoricamente – desvendava os meandros de vício e prostituição no universo da moda. Ousadia nas cenas de nu, a presença de uma top model de primeira grandeza (Alessandra Ambrósio, essa sim, uma angel da Victoria’s Secret) em passagens apimentadas para conferir veracidade ao enredo, abordagem marcante no que se refere às drogas e prostituição de luxo, tudo dentro da estilização que a mídia estabelece, sem que necessariamente a ficção espelhe a vida real.
Esses elementos misturados, amplificados pelo tom ficcional – que acaba levando a massa comum que não faz parte do meio fashion a generalizar acreditando que todos os envolvidos com o mercado de modelos são drogados e vendem o corpitcho malhado por altas cifras ou ainda por dois gatorades e uma mariola, nem que seja para arrumar uns trocados e enfiar o pé na jaca na cracolândia – irritou muita gente do métier e foi constante, pelo menos nas primeiras semanas de exibição, encontrar bookers e modelos nas mídias sociais protestando contra o teor da obra, demonizando a presença de Alessandra Ambrósio e se esquecendo de que uma novela é produto dramatúrgico que precisa gerar audiência e que, por isso mesmo, apela para a imaginação do autor.
Escritor habilidoso, Walcyr Carrasco soube mais uma vez tirar proveito da sua bagagem novelístico-cinematográfica para causar. Okay. Entretanto, uma questão quase passou batida: desde quando empresário de confecção no Brasil de hoje, sucateado por impostos dignos da Inglaterra medieval de Robin Hood, consegue se manter no altíssimo padrão de tycoon bilionário? Ainda podem donos de fábrica ou redes de lojas de varejo de moda conseguir flanar no oscilante mercado nacional, a ponto de se parecerem, nem que um tiquinho, com o super poderoso Alex (Rodrigo Lombardi)? Escritório com cara de quartel-general de vilão de 007? Apartamentos nababescos? Aparato de funcionários no office e em sua casa com pique de staff de corporação, com até a presença de uma chef-copeira com a postura do Carson de Downton Abbey? E, sobretudo, dinheiro brotando pelos poros? Para por uma pá de cal, ÁS investigou o assunto nesses últimos dias e fez uma enquete com empresários e profissionais da área, em várias instâncias, para saber se é possível no Brasil de Dilma desperdiçar tanto quanto Alex. Confira!
A cabeça de Ronaldo Fraga sempre está em ebulição. Para ele,”talvez os empreendedores de grupos como Menegotti (que tem a Colcci) e Riachuelo podem estar por cima da carne seca, citando o poder dos grupos empresariais e as redes de fast fashion”. E ele vai mais fundo na questão, olhando para o passado; “Será que Renato Kherlakian (Zoomp) e Tufi Duek (Forum) tiveram esse padrão do Alex nos anos 1980?”, pergunta.

Ronaldo Fraga: intuição de que o estilo de vida nababesco se resuma somente aos empresários de moda dos anos 1980 (Foto: Arquivo pessoal)
A consultora de estilo Mey Leng tem entre seus clientes marcas comerciais de portes variados, inclusive tradicionais fabricantes do polo paulista situado no Brás. Para ela, quem tem cacife para valer é quem é dono de dinheiro antigo, que fez fortuna a partir da virada dos 1970/80: “Existem fortunas enormes sim, de gente que se criou a partir dos anos oitenta em Minas, São Paulo ou no Sul. Sobrenomes conhecidos como Grendene e Birman, por exemplo, dispõe de qualidade de vida superior ao do Alex da narrativa. E também gente que não aparece, mas que dispõe de impérios de confecção no Brás e Bom Retiro”.

Mey Leng em um shopping de Seul, na viagem de pesquisa da qual acaba de retornar: “Quem ainda é power no mundo da moda nacional é quem tem dinheiro antigo, de mais de 25 anos” (Foto: Arquivo pessoal)
Robert Guimarães, diretor executivo da Babilônia Feria Hype, que há quase 20 anos ajuda a fomentar os negócios de marcas embrionárias – algumas em plena atividade como Soulier e Farm, outras desaparecidas, como Constança Basto e Santa Ephigenia e, algumas que cresceram mas estão em dificuldades, tipo Espaço Fashion e outras mais recentes, começando a jornada empresarial como a Capi, com duas lojas próprias –, tem uma visão cênica da questão: “Trata-se de uma alegoria, toda aquela pompa e poder, independente de ser no Brasil ou em qualquer outro lugar. É teledramaturgia. Mas acho o Rodrigo (Lombardi) muito bem nesse papel de vilão sexy e curti a quebra de tabus e a ousadia da novela”.

Robert Guimarães: “É preciso separar o joio do trigo, ou seja, a dramaturgia da vida real” (Foto: Arquivo pessoal)
Por falar em Farm, a criadora da grife, a fashion designer e empresária Kátia Barros tem opinião contundente: “Não é possível ser alguém como Alex no Brasil de hoje. Nossa carga tributária é imensa, nossa indústria perdeu muito terreno para a Ásia e o cenário é ruim, com muitos falindo e poucos sobrevivendo. Milionário? Talvez alguns políticos”. E, falando especificamente sobre a persona de Alex, ela vai mais longe, comentando a atração das mulheres por esse tipo de homem: “Não acompanhei a novela, mas sei que fez sucesso e que ele era lindo, se vestia muito bem e tinha uma casa linda. Meio empresário de filme de 007. Amo esses homens-desejo. Mas, no fundo, penso que as mulheres preferem os machos alfa, que erram na hora de se arrumar e precisam das dicas delas. Meio masculino isso, rs”, ela ri.

Katia Barros: “Milionários no Brasil, só alguns políticos, É duro ser empresário de moda por aqui” (Foto: Arquivo pessoal)
Estilista talentoso e badalado, Carlos Tufvesson teve a coragem de fechar o próprio negócio e se reinventar, partindo para a carreira política. Hoje, está à frente, no Rio, da Coordenadoria Especial de Diversidade Sexual e é presidente do Conselho Municipal da Moda, que procura reestruturar a o segmento na cidade. Segundo ele, “o setor é bem amplo e por isso pode haver algum empresário de moda milionário”. Ele se lembra dos velhos tempos: “Antigamente se ganhava dinheiro com moda sim. Ainda mais que quem trabalhava bem. Mas hoje, com tantos impostos e os bancos de fomento, como o BNDES, só destinando verbas a giga operações – tipo Friboi e Porto de Mariel – as pequenas e médias empresas sofrem com a ausência de investimento”, acentua lembrando que para aumentar suas vendas, as corporações precisam de mais capital e giro para produzir. “Aqui não acontece isso, mas em países onde a moda é de fato vital como atividade econômica, se ganha muito dinheiro”.

Para Carlos Tufvesson, “bancos de fomento só financiam projetos gigantescos e as empresas de moda, que precisam de capital para aumentar as vendas e girar a produção, ficam de fora” (Foto: Arquivo pessoal)
Outro que também encerrou sua empresa – em momento em que seu próprio potencial de criação encontrava-se nas alturas, com coleções no Fashion Rio que causavam comoção – Walter Rodrigues hoje se dedica a projetos especiais onde fomenta o universo da criação, como o Fórum de Inspirações, que recentemente trouxe visões acerca daquilo que poderá ser o verão 2017. Ele considera o Alex de Walcyr Carrasco “pura ficção” e explica: “Sempre tivemos milionários no mundo da moda até um passado recente, mas a mentalidade vigente é sempre ‘papai e mamãe’, sem espaço para uma ‘filhinha’. Não que não haja ousadia, mas a ‘família’ é bem forte no setor da moda”. Como assim? Ele esclarece: “Faltou coragem para sermos menos burgueses e mais ‘delinquentes’, digamos. Protecionismos e coisas escusas existem não só no nosso meio, é claro. Pero que los hay, hay“. No mais, especificamente sobre os meandros supostamente expostos pela novela, ele finaliza: “Certas coisas acontecem também na moda. Na TV fica eletrizante. Na vida real, é pesado e gera culpa. Afinal, sempre houve dinheiro, poder e manipulação”.

Walter Rodrigues segura o folder do Fórum de Inspirações, um dos múltiplos projetos nos quais se envolve desde quando encerrou a atividade como empresário do setor têxtil. “Deveríamos ser menos burgueses e mais delinquentes”, expõe (Foto: Arquivo pessoal)
Quando se pensa em moda autoral no Brasil, Lino Villaventura é um dos primeiros nomes que vêm à cabeça. Tanto que, nos seus desfiles da SPFW, ele não se rende a tendências de moda internacionais, preferindo se concentrar em si mesmo, sobre seu processo criativo e lampejos de elaboração. O paraense que conquistou o Brasil pelos emocionantes fashion shows tem visão clara do que acontece por aqui: “Não temos nenhum incentivo ou apoio dos órgãos governamentais para nos mantermos de pé. Para piorar, o custo Brasil é inviável. Estamos na ativa porque somos corajosos”. Mas completa: “Não quero dizer que é preciso haver paternalismo do governo, não é isso. Falo de incentivo, inclusive incentivo fiscal. Se a indústria automotiva tem, porque a moda, que é importante gerador de empregos no país, não tem? Já tive muito apoio do governo para, inclusive, ampliar a visibilidade do meu estado (Ceará) através do meu trabalho, mas isso já não acontece faz tempo”.
Thatiana Amorim é empresária nascida e criada em Niterói, à frente de sua Dress To – 72 duas lojas, sendo 33 próprias e as demais franquias. Ela toca o business com o marido Rodrigo Braga e, na sua opinião, “a ficção está completamente fora da realidade”. Ela afirma: “È preciso pensar estrategicamente o tempo todo, pois, com o agravamento da crise no Brasil, o empresário que não domina cada etapa de produção do seu negócio, sem por a mão na massa, está fadado ao fracasso”. Ela se refere ao fato de Alex ser um CEO à frente do planejamento no seu negócio, mas não acompanhar diretamente cada processo: “Isso na prática não existe, não dá para ser assim, mesmo com um a boa equipe. É necessário menos glamour e mais trabalho árduo, mais presença”. É, segundo ela deve ser impossível se ausentar do batente diário toda tarde para dar aquela escapulida…

Thatiana Amorim ao lado do sócio e marido Rodrigo Braga, em momento de relax: “No dia a dia, se o empresário não cai de cabeça, não há possibilidade de sobrevivência” (Foto: Arquivo Pessoal)
Um dos talentos da Casa de Criadores – evento que fomenta a solidificação de novos designers, alguns nem tão novos assim, mas dependentes da visibilidade que essa estrutura possibilita para seus trabalhos –, o estilista Jadson Raniere é categórico: “Não conheço nenhum magnata na moda brasileira, nem acredito que exista alguma personalidade que possamos comparar com Alex. Não existe espaço nem condições econômicas para criar um personagem de tal relevância na vida real. Ou talvez gente com esse poder até exista, mas essas criaturas não ficam circulando à vista de todos, marcando presença em desfiles de moda”. Para ele, quem tem mesmo essa influência e capacidade aquisitiva não se revela: “Na novela é outra coisa. O público se alimenta dessa glamurização. Mas em outros segmentos existem essas personas à vista. Eike Batista seria um ex-tycoon? Mas esse dava pinta…”, levanta a lebre, dando a entender que a excentricidade de Alex está mais para o ex-maridão de Luma.

Para Jadson Raniere, “empresários todo-poderosos mesmo estão em Brasília e à frente de empreiteiras, nunca marcando território em front rows” (Foto; Arquivo pessoal)
Para o capixaba Ivan Aguilar, mago da alfaiataria que se divide entre a produção têxtil e o ambiente das confecções, “Alex não se encaixaria em nenhum desses dois lugares; a vida em si é bem diferente”. Ele acredita que a ficção carrega na tinta e ostenta uma caracterização irreal. Ninguém é tão elegante o tempo todo, no dia a dia o empresário de moda até se descabela”, ri, completando: “Claro que para criar esse arquétipo na novela, os figurinistas também acentuam sua importância na trama através do fato de ele precisar estar sempre muitíssimo bem arrumado. Até ouvi falar que ele vestia peças do Alexander Wong“, revela.

Ivan Aguilar: “A única possibilidade de ganhar é pondo a mão na massa e conhecendo todos as etapas da produção, nunca apenas sentado à mesa de jacarandá do office” (Foto: Divulgação)
A empresária Célia Bicalho – da UH Premium, tradicional confeccionista do salão de negócios do Minas Trend – “é importante não rotular, nem generalizar empreendedores de moda através do personagem de Alex “. E vai fundo: “Estou há mais de 20 anos nesse negócio e conheci muitos profissionais e executivos seríssimos, comprometidos em alavancar a moda brasileira a patamares internacionais. Ainda assim, lidamos com dificuldades”. A mineira considera significativo “não rotular todo proprietário de confecção como Alex, nem toda modelo como Angel. É novela, entretenimento, não é regra geral”, ressalta.
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