O mundo ainda se encontra atônito com a morte de David Bowie neste domingo (10/1) em Londres, após dezoito meses de luta contra o câncer, aos 69 anos e dois dias após comemorar o lançamento de Blackstar“, seu 25º álbum. As notícias do falecimento do astro pipocavam na internet ao mesmo tempo em que se anunciava a vitória de Lady Gaga como ‘Melhor Atriz em Minissérie ou Filme para TV” por “American Horror Story: Hotel na 73ª edição do Globo de Ouro, em Los Angeles. Ao contrário da agora dublê de pop star e atriz (assim como ele), o britânico e a família preferiram a discrição, sem alardear sua condição clínica e se recusando a transformar seu estado terminal em um circo de variedades.

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David Bowie: supremo ícone do pop, o astro sai de cena sem alarde, mas mantendo o brilho de quem veio para ficar (Foto: Reprodução)

Nem precisava. Para quê? Bowie faz parte daquele panteão de criaturas acima do bem e do mal, as quais, quando se vão, deixam todos desamparados. Afinal, quem continuaria o legado de alguém tão único? Ou pior: quem se atreveria a tentar? Ao contrário dele, Gaga – que até merecia o prêmio, sua participação na série é valiosa (leia) – virou motivo de memes nas mídias digitais por beijar a estatueta, por se vestir na cerimônia como um pastiche de Marilyn Monroe, pela suposta reação irônica de Leonardo DiCaprio ao vê-la ser anunciada como vencedora e até nas entrelinhas por parecer desdenhar de concorrentes de peso como Kirsten Dunst, Queen Latifah e Felicity Huffman, afirmando que sempre quis ser primeiro atriz. Não adiantou todo o empenho. No fundo, ela acabou eclipsada pela morte do inglês.

American premium story: com essa ela não contava. Animada com a perspectiva de ser considerada uma atriz respeitada, Gaga fez o que pode para se destacar na premiação da 73ª edição dos Golden Globes. Não adiantou. Pegou mal o beijo na estatueta e sua possível ridicularização como agraciada pelo astro Leonardo DiCaprio acabou chamando mais atenção do que a vitória em si. Pior: ainda foi ofuscada pelo desaparecimento de um artista que pertence ao topo da cadeia alimentar da música, David Bowie.

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Sereia blondie ambition do novo milênio: Lady Gaga aposta no decote proeminente, na cinturinha de vespa e as ancas de parideira – ao estilo das estrelas dos anos 1950 e como uma cópia de Marilyn Monroe – para brilhar em visual que, no fundo, é mais do mesmo (Foto: Divulgação)

Assim como na música, David Bowie é astro de primeríssima grandeza no estilo, do tipo que lança moda e marca um tempo. Bom, ele marcou vários tempos. E nunca precisou imitar ninguém a não ser ele próprio. Sua trajetória de quase cinco décadas é única e foi sua capacidade de mergulhar de cabeça num mundo em constante transformação que o fez ficar conhecido como o “Camaleão do Rock”.

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New Wave: o Bowie de meados dos anos oitenta se rendia ao charme da década perdida através dos videoclipes, cabelos platinados ou ruivos e os terninhos retrô em colorido forte. Como contraponto masculino à feminilidade de Annie Lennox nos dois lados andróginos da mesma moeda, ganhava as pistas de dança – e uma nova geração de fãs – com hits como “Modern Love”, “Let’s Dance” e “Absolute Beginners” (Foto: Reprodução)

Assista abaixo ao clipe de “Absolute Begginers” (Reprodução):


Ele nunca perdeu a mão enquanto, à sua volta, via os companheiros de estrada e os conterrâneos de vários períodos de sua trajetória desaparecerem do star system como poeira cósmica, voltando possivelmente para o mesmo espaço sideral de onde veio o alienígena que se decepciona com a avareza humana de O homem que caiu do céu” (The Man Who Fell To Earth, de Nicolas Roeg, 1976), seu primeiro filme como protagonista e segundo da carreira nas telas.

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Bowie by Kate Moss: duas capas da Vogue homenageiam o astro encarnado pela top model (Fotos: Reprodução)

Mais do que ícone do pop e da moda, Bowie representa o estrelato em sua essência, sem camadas do pancake fornecido pelas mídias sociais, sem photoshopagem, sem um pingo do BB Cream dessa busca desenfreada pelo espetáculo pelo simples fato de que ele sempre foi o espetáculo. O brilho brotava pela sua pele, cabelos e unhas, sem que precisasse de artifícios além do seu talento para se afirmar.

Ele continuou em cena – mesmo após ter baixado a bola depois de uma cirurgia cardíaca em 2004 –, e foi original até o fim, viajando por vários estilos de música e de personagem sem anacronismo, mas sabendo coexistir nos últimos tempos com a falta de personalidade de uma sociedade banal, pasteurizada por comportamentos estanque, pela falta de criatividade, a assimilação da imitação barata como recurso para exalar um “estilo próprio” e a mesmice do fast fashion. É curioso e sintomático, portanto, que o artista se vá no mesmo dia em que Lady Gaga, antítese de sua postura, arremata seu Globo de Ouro.

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Make up emblemático: ainda na vibe do glam rock que lhe deu notoriedade, David Bowie posa para a capa de “Aladdin Sane” (1973) com o raio que virou uma de suas múltiplas marcas (Foto: Reprodução)

Confira abaixo o vídeo original de lançamento de “Space Oddity” em 1969. Ligadíssimo em cinema e influenciado por “2001 – Uma odisseia no espaço”, de Stanley Kubrick, Bowie já se preocupava com os registros visuais de seu hit muito antes do surgimento do videoclipe:   

Uma hora, quando a humanidade refém de um mundo globalizado perceber que se render de carteirinha à tecnologia da informação não implica em abdicar do próprio self, mas que viver somente de selfies significa existir por menos da metade, vai acabar se enfastiando da supressão das rugas e da falta de uma história de verdade no currículo, daquelas que não podem simplesmente ser transformadas em imagem no Instagram ou filminho no Snapchat. Felizmente Bowie jamais abriu mão de nenhuma delas: nem rugas, nem história. Preferiu o botox no espírito.

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Foto do astro com sua mulher Iman: essência naturalmente superstar do casal Bowie inspirou desde páginas de revista até a vida real (Foto: Reprodução)

Abaixo, ÁS homenageia o músico, ator e compositor através de seus diferentes estilos ao longo dos anos:

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Ouça abaixo “Pallas Athena”, do álbum “Black Tie White Noise” (1995), clássico do minimalismo e do período em que Bowie começou a dividir experiências musicais com Brian Eno e Philip Glass:

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