Era a virada dos anos 1990. A Dijon já não era mais o jeans da Luiza Brunet fazia uns anos. A top exclusiva era agora a bela Vanessa de Oliveira que, quando não estava sendo fotografada, dava expediente no oitavo andar do quartel-general da Farme de Amoedo ao lado da secretária (e pau para toda obra) Dona Ruth, na antessala do escritório de Humberto Saade, o todo-poderoso presidente da grife morto nesta terça-feira (11/7) no Rio em função de um infarto, aos 78 anos. Nessa época, a plaquinha dourada rebitada e esmaltada no bolso traseiro das calças não se configurava mais no objeto do desejo que fora nos oitenta, mas, por outro lado, um ousado projeto de licenciamento tomava conta da grife, que credenciava fornecedores do Oiapoque ao Chuí para produzir o que quer que fosse com o logotipo do leão. Este, por sinal, tinha passado por um redesign há pouco e tinia de novo numa gestão pós-Madeleine Saade, da qual participavam, além de Humberto, o irmão Miguel e os primos Carlinhos e Maurício Saade o qual, depois em voo solo traria para o Brasil a Náutica, Guess, a Diesel.

Betty Faria foi a primeira top model da Dijon, ainda no final dos setenta. Era a virada dos 1970/80 e a atriz emplacava um sucesso atrás do outro, de “Pecado Capital” a “Água Viva”, passando por “Duas Vidas”, além do musical “Brasil Pandeiro”. Saade soube catapultar a imagem da Dijon, no início, às custas do carisma da estrela numa época em que pouco se usava celebridades para alavancar grifes de moda. Possivelmente, a presença de Brooke Shields na Calvin Klein talvez tenha sido uma fonte inspiradora, pois, certa vez o empresário contou ao ÁS o quanto considerava uma jogada de mestre a associação da atriz-ninfeta de Hollywood com a marca norte-americana (Foto: Reprodução)

“Você sabe o que exise entre a minha Calvin Klein e eu? Nada!”. Com essa frase, uma Brooke Shields com 13 anos que acabara de estourar em “Pretty Babe” e ainda viria a filmar “A Lagoa Azul” pôs a marca de jeans norte-americana no mapa da moda. Da noite para o dia, todo mundo queria uma CK! (Foto: Reprodução)

Na primeira metade dos oitenta, só deu Dijon e Luiza Brunet. Jeanswear era sinônimo da marca, que, a partir da loja na Raimundo Correa em Copacabana, abriu outra no mesmo bairro e logo depois uma filial em Ipanema. O mundo ainda não era politicamente correto e as campanhas sexistas da grife fizeram história, num misto de erotismo e misoginia no qual a origem libanesa de Humberto transbordava numa leitura publicitária do macho alfa (Fotos: Reprodução)

Quando Brunet e Saade romperam, em meados dos oitenta, o empresário deu outra cartada de mestre: escalou Monique Evans para ocupar o buraco deixado por Luiza e soube manter o appeal. Mandou bem: das três grandes tops populares, Xuxa já havia abandonado a moda para virar Rainha dos Baixinhos e La Evans era quem causava furou tanto na Sapucaí quanto nas passarelas. E beldades como Silvia Pfeiffer e Carla Barros ainda eram conhecidas somente pelos fashionistas… (Foto: Reprodução)

Vindo do departamento de criação da Mesbla, que hoje seria chamada de fast fashion, ÁS engrossava o caldo da equipe de gestores de desenvolvimento de produto ao lado da hoje it lady Patricia Brandão e de Carol Caldas, que fora head buyer da Dimpus e atualmente comanda os bistrôs Santa Satisfação. Por lá havia passado também o Paulinho D’Escragnolle, que nos últimos tempos vem se dedicando a ensinar moda em instituições como o Senai Cetiqt.

Entre Madeleine Saade e Regina Martelli, Patricia Brandão posa com seu sorrisão cativante. Cria de Humberto Saade, ela transitava entre o departamento de estilo e o comercial com a mesma desenvoltura, sendo figura-chave em eventos como a Fenit, no qual a Dijon comparecia com estandes fechados que despertavam a  curiosidade do público. Hoje promoter badalada especializada em luxo, Patricia é herdeira da verve do empresário, que soube transformar o próprio business em espetáculo pessoal. E vice-versa. Como Patty… (Foto: Reprodução)

Era a fase de muitos produtos com a marca Dijon: além das linhas de camisaria e calças índigo femininas, masculinas e infantis, então a cargo das empresas da família Kouri, de Londrina, havia a malharia produzida na Master, que sabia como ninguém fazer pólos com fio tinto; beachwear confeccionado pelo maiô das misses Catalina; lingerie para elas e, para eles, underwear que tinha como inspiração a Calvin Klein, muito antes de a Lupo produzir cueca com elástico decorado de marcas como Cavalera e Forum; modinha infantil pelas mãos de uma confecção sediada em Aricanduva, Zona Leste de São Paulo, cujos donos eram alfaiates egípcios que vestiam o Rei Faruk e fugiram de lá em 1952, quando Nasser comandou a revolução que depôs o último soberano da terra dos faraós. Pois é, que diria, Greta Garbo não parou no Irajá, mas foi perto…

Virada dos noventa: Humberto Saade expande seus tentáculos além do jeans, licenciando o que encontrasse pela frente. O champanhe,a a água mineral e os colchões foram os mais famosos, mas rolou até clichetes, charutos e cigarrilhas… (Foto: Reprodução)

Depois de Luzia Brunet e após a breve presença de Monique Evans na Dijon, Vanessa de Oliveira foi a próxima invenção de Humberto Saade. Linda e doce, a moça dava expediente no escritório central da marca, fotografava ao lado de todo tipo de produto, como a linha de perfumaria, e estava sempre à disposição das invencionices de Humberto para promover a empresa. Quem trabalhou na Dijon no período dizia que o empresário tinha um ciúme paternal da modelo, mas que embarcou na ideia de alavancar as bodas da gaúcha quando ela resolveu casar com George Fauci. O resultado? Novo espetáculo! (Foto: Reprodução)

Além da roupa, rolava a linha de papelaria escolar confeccionada no Paraná pela Labra; balinhas azedinhas produzidas pela Galo Doce, que todo mundo conhece sem saber das bombonières dos cinemas Brasil afora; vinho, champanhe & colchão; salame, milho verde e aspargos pelas mãos de um fornecedor da Bahia; trufas e after eighties;  chinelos de dedo; linha de perfumes e colônias; bonés infanto-juvenis pelo time de confecções de Apucarana, no Oeste do Paraná. E até um fornecedor de roupas em couro e chamois, também daquela região, cujo curtume tinha um cheiro danado. Ah, bom, havia também os preservativos Dijon, camisinhas produzidas pela Olla. O suprassumo do sexo com grife.

Humberto Saade sabia de tudo e queria tudo, seu sonho ser tycoon da moda no Brasil. Era gênio e tinha tacadas geniais, como inventar o conceito de top model no Brasil. Até Luiza Brunet, modelo era somente manequim; nunca celebridade por aqui, exceto Elke Maravilha. Uma vez, ele me falou: “Sabe qual a minha quilometragem em estúdio fotográfico? Tenho milhares de horas de voo, sempre a muitíssimos pés de altura…”.

Made in Brasil: vinte anos antes de Gisele, Humberto Saade trouxe para o território nacional o conceito de top model, transformando a matogrossense Luiza Brunet em objeto do desejo de toda uma geração. Com suas curvas muito mais generosas do que aquilo que se vê hoje nas passarelas globais, Luiza se tornou criatura acima do bem e do mal, preenchendo um jeans da Dijon como ninguém! (Foto: Reprodução)

ÁS aprendeu muito com ele, como quando pediu, com 1993 chegando, que se criasse uma linha de embalagens de cuecas tropicalistas que combinasse com a mesma programação visual das camisinhas, de olho tanto no verão quanto no rala-bucho do carnaval. Sim, o Menino do Rio ama uma libertinagem…

Sim, o homem cujo nome era tão grife quanto a Dijon sabia fazer o dever de casa e levava ao pé da letra a tarefa de fazer o espetáculo acontecer numa era em que o espetáculo ainda engatinhava para os moldes atuais. No carnaval carioca, seu Baile do Champanhe era acontecimento do tipo que o jet set celebrava: entre socialites, famosos e putas, com direito a Monique e Vanessa trazidas em liteira por uma turma de eunucos saradões. O festão naturalmente emendava pela manhã seguinte, e ninguém ainda nem desconfiava do que era ir para o badalo e seguir para um after.

Dijon borbulhante: com Vanessa de Oliveira a tiracolo, Humberto Saade posa ao lado do champanhe da grife, cuja melhor propaganda era o fabuloso rega-bofe carnavalesco que a brand promovia – o Baile do Champanhe, acontecimento do carnaval carioca numa época em que o Baile do Copa estava de recesso! (Foto: Reprodução)

Apesar do volume de trabalho – e do expediente que precisava ser encerrado religiosamente às 17h para não se precisar pagar hora-extra –, a Dijon foi um dos lugares mais divertidos em que ÁS já trabalhou. Entre o quarto e o quinto andar, próximo à escada, havia o andar “quatro & meio” que funcionava como estoque, muito antes de surgir uma coisa parecida no filme Quero ser John Malkovich. Ainda solteira, Vanessa de Oliveira frequentava a piscina da cobertura em pleno expediente. Ìcone do Grupo Moda Rio, a estilista Beth Brício deu consultoria por lá um certo tempo e, como ela costumava chegar turbinada, nas internas a turma do estilo, gaiata, apelidou a moça de Beth Brahma. O mesmo pessoal, em meados dos anos noventa, às vezes aproveitava a hora do almoço para uma partidinha de vôlei na praia de Ipanema, a uma quadra e meia. E, no dia do aniversário de Dona Zu, a babá da filha de Humberto e Madeleine Tamima, a empresa inteira parava para comer brigadeiro no showroom do sexto andar.

Com ser ar de figurão, Humberto Saade posa no showroom da Dijon ao lado de uma Luiza Brunet na flor da idade. Até os cabelos curtos da modelo, bem new wave, eram capitalizados para dar destaque à grife (Foto: Reprodução)

Todo lorde e de extremo good taste, Miguel costumava ser flagrado de manhã ouvindo Sarah Vaughan na sua sala do quinto andar, enquanto passava Minoxidil nos cabelos. O movimento capilar só encontrava similar no vai-vem dos caças Mig-29, famosos na época por conta da Guerra do Golfo. Ele era fascinado por Tommy Hilfiger, que começava a fazer sucesso, mas Humberto curtia mais Ralph Lauren. E, curiosamente, algumas criaturas que por lá trabalharam (ÁS não cita o nome nem se Luzia Brunet dançar rumba pintada de ouro trajando apenas uma semibag Dijon) tinham o hábito de ouvir a conversa da sala ao lado com um copo encostado na parede. Funny.

Talvez a grande inspiração de Humberto fossem os vilões de filme de 007, tipo Goldfinger, Blofeld ou Scaramanga. Bom, Gert Fröbe, Donald Pleasence e Christopher Lee que perdoem, mas Humberto era muito mais charmoso. Ele sempre se cercava de belas mulheres em qualquer que fosse o departamento, mesmos sem se chamarem Vesper Lynd ou Pussy Galore: Luiza, Monique Evans, Vanessa, Patricia, as Monicas, Fausta, Verena, Ana Rosa e Angela foram somente algumas das bond girls que passaram por lá e que eram convocadas para conversas na sala do topo, toda em laca vinho com detalhes dourados, com a compoteira de jujubas coroando o mesão. Algumas histórias se tornaram anedotário, como quando uma moça que tinha relações com a familia Gracie quebrou o queixo de outra num golpe de caratê. Ciúme de Humberto!

Águas vão rolar: já nos noventa, Humberto Saade celebrava o Rei Momo em badalos como o Baile do Scala ao lado de representantes do jet set carioca como Anna Sillos (à esq.), Hildegard Angel (ao centro) e a cria Vanessa de Oliveira (à dir.). O que ele mal sabia é que, com a mudança dos tempos, em poucos anos o império de moda acabaria escorrendo pelos dedos como água mineral Dijon… (Foto: Reprodução)

No final, Humberto acabou se tornando refém do mesmo sistema de licenciamento que o libertara de se dedicar à confecção fabril para se concentrar na gestão de marca e desenvolvimento de produto. Os contratos com os fornecedores deixavam a comercialização nas mãos deles e o controle dessa questão era delicado, assim como evitar que a grife, agora numa escala de produção maior, viesse a ser pulverizada em pontos de venda que nem sempre estavam no seu padrão, como a rede de supermercados Paes Mendonça.

Por sua vez, os royaties pagos costumavam ser nababescos chegando a 13%, o que causava um desespero nos fabricantes autorizados para conseguir bater as cotas de venda e alcançar metas. O resultado era sair por aí vendendo onde quer que fosse o caixa-prego. O valor agregado despencou, claro. Essa depreciação de marca acabou matando a Dijon e trazendo desgosto a Humberto. Mas, ficou a história, o glam e, sobretudo o visionário empreendedorismo de Humberto Saade! Menos de uma semana após a morte de outro bamba da moda carioca, Marco Ricca, ele leva consigo parte de um Rio cuja ousadia anda adormecida.

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