Diferente da literatura, onde o poeta incompreendido costuma ser lembrado por sua genialidade apenas post mortem, na moda o ofício do estilista pode ser celebrado em vida. Felizmente, no caso de Igor Dadona, seu existencialismo vertido em roupa se destaca através da união entre o poeta, romântico, o rebelde, o parnasiano, o maldito e o gênio no desejo de fazer mais e melhor a cada temporada. Arrojado na alfaiataria masculina, pela primeira vez ele apresenta roupas femininas na coleção intitulada “Hourglass“, apresentada durante o São Paulo Fashion Week (SPFW), neste último sábado (13/4), com a mesma sensatez que ele toca a fio as coleções para eles.
Adorador confesso da roupa bem feita, nessa estação Dadona se debruçou nos tecidos mais nobres que podem existir, nos meandros da modelagem e suas viabilidades e, mesmo com toda a elegância que nos faz remeter automaticamente ao seu nome, ainda foi capaz de seguir modernizando um segmento inteiro. Logo de cara, um look impecável de calça preta de alfaiataria e blusa de ombro só, praticamente embrulhada delicadamente no corpo da modelo, já dava indício de que o compasso entre o racional e o emocional surgiria mais vezes dali em diante.
Apesar da ampulheta batizar a coleção para além dessa silhueta marcada, o sentido que Dadona buscou estava no tempo das coisas e de como as escolhas podem reger os rumos que a vida seguir. Se, há mais de 10 anos, quando ele optou por vestir homens, ele imaginasse o desbunde que seriam suas criações para as mulheres, talvez optar pelo caminho clássico de construir uma marca que atendesse o público feminino teria sido o certo a se fazer. Correto? Nem um pouco, foi justamente a escolha pelo menswear que construiu os sentidos responsáveis por angariar uma clientela feminina entusiasta das formas, texturas e estilos da marca e que agora se vê refletida de maneira natural pelo traço de Igor.
Ultrachique por essência, o designer não rebusca as modelagens sem um motivo praticável, mostrando essa rota ao brincar com as possibilidades de um mesmo tecido. Por exemplo, a camisa sem gola construída em blocos coloridos de seda e o vestido de formas fluídas na mesma matéria-prima se desdobram de modo espontâneo, refletindo o equilíbrio da capacidade que Igor tem de ser firme e sensível na expressão do que é belo. A parceria com a Swarovski rendeu uma dobradinha fashion nos bordados de casacos, saias, bermudas, calças e nos acessórios do styling. Os xadrezes, as riscas e os blocos combinados de cor são representantes clássicos da noção de formas que faz a marca ser uma referência na mistura do minimal desengessado e o moderno por excelência.
Dos tecidos luminosos aos reflexos dos cristais, o brilho que a coleção “Hourglass” destaca está na capacidade do tempo determinar o momento, sem alarmar ou mirar longe demais. É provavelmente essa escolha, um tanto inconsciente, mas bastante segura, que vem elevando a grife ao posto de queridinha do métier e escolha segura do público que busca mais que uma roupa ou conceito, mas uma marca capaz de fazer com que desejos reverberem. Se as flores do mal são frutos de angústias implacáveis, sorry, Baudelaire, no caso de Dadona essas flores, frutos da criatividade do estilista, são extraordinárias em qualquer adversidade.
Confira abaixo a coleção completa de Igor Dadona (Fotos: Fotosite/Divulgação):
*Por Andrey Costa
Foto destaque: @agfotosite/ Divulgação
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