Muito se tem falado ultimamente que o bem mais precioso hoje é o tempo. Personalidades de diversas áreas questionam a forma como empregam o tempo e afirmam que ele é o que mais lhes falta para que possam exercer com dignidade suas múltiplas personas neste espetáculo ininterrupto no qual a vida se tornou. E, numa edição em que a São Paulo Fashion Week questiona o tempo através da própria sazonalidade, abolindo a distinção das estações para se concentrar na sequência numérica, é curioso ver o quanto duas marcas antagônicas na forma de enxergar a moda se apresentam: o desfile de Isabela Capeto neste terceiro dia (27/4) de evento foi na contramão daquilo que havia sido visto na noite anterior no lançamento da linha de Karl Lagerfeld para a fast fashion Riachuelo.

Capeto no País das Maravilhas: Viviane Orth puxa a fila final do desfile de Isabela Capeto inspirado em “Alice através do espelho”, no qual o vilão é o Tempo (Foto: Marcelo Soubhoia / FOTOSITE / Divulgação)
Tendo como tema o longa-metragem da Disney “Alice através do espelho” (Alice Through the Looking Glass) – que estreia nos cinemas mundiais daqui a um mês exato e é a continuação do sucesso dirigido por Tim Burton em 2010, trazendo Sacha Baron Cohen como o vilão Tempo (leia mais aqui) –, a grife mostrou uma inspiradíssima coleção de peças artesanais lindas de morrer, na qual esmerados bordados, rendas, flores e aplicações feitas à mão implicam num processo no qual uma peça pode acabar levando uma eternidade para ser acabada.

Nunca uma metáfora fez tanto sentido: em “Alice através dos espelho”, Sacha Baron Cohen interpreta o vilão Tempo, capaz de deixar o mundo das maravilhas de pernas para o ar. Espertamente, Isabela Capeto soube captar as entrelinhas do novo filme da Disney e trouxe para a passarela uma reflexão sobre o mal uso do tempo no frenético processo de elaboração e consumo de uma coleção (Foto: Divulgação)
No atual e fugaz mundo da moda, a estilista – que luta arduamente para manter sua boa moda de pé – quer mostrar que a slow fashion pode acabar se tornando realmente a única maneira de manter a pose sem precisar embarcar no frenesi neurótico de um tornado tão rápido quanto perecível: as engrenagens da sucessão de tendências que se sobrepõem amplificadas pela ultra exposição midiática e pelos delírios de consumo de uma Becky Bloom de lojas de departamento.

Isabela Capeto na SPFW N41: sua moda altamente elaborada garantiu ao público um dos melhores desfiles desta temporada e ainda afirmou a importância de lidar com o tempo de forma diferente daquela que o fast fashion impõe (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)

Isabela Capeto na SPFW N41: sua moda altamente elaborada garantiu ao público um dos melhores desfiles desta temporada e ainda afirmou a importância de lidar com o tempo de forma diferente daquela que o fast fashion impõe (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)

Isabela Capeto na SPFW N41: sua moda altamente elaborada garantiu ao público um dos melhores desfiles desta temporada e ainda afirmou a importância de lidar com o tempo de forma diferente daquela que o fast fashion impõe (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)

Isabela Capeto na SPFW N41: sua moda altamente elaborada garantiu ao público um dos melhores desfiles desta temporada e ainda afirmou a importância de lidar com o tempo de outra forma diferente daquela que o fast fashion impõe (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)

Isabela Capeto na SPFW N41: sua moda altamente elaborada garantiu ao público um dos melhores desfiles desta temporada e ainda afirmou a importância de lidar com o tempo de outra forma diferente daquela que o fast fashion impõe (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)

Isabela Capeto na SPFW N41: sua moda altamente elaborada garantiu ao público um dos melhores desfiles desta temporada e ainda afirmou a importância de lidar com o tempo de outra forma diferente daquela que o fast fashion impõe (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)

Isabela Capeto na SPFW N41: sua moda altamente elaborada garantiu ao público um dos melhores desfiles desta temporada e ainda afirmou a importância de lidar com o tempo de outra forma diferente daquela que o fast fashion impõe (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)

Isabela Capeto na SPFW N41: sua moda altamente elaborada garantiu ao público um dos melhores desfiles desta temporada e ainda afirmou a importância de lidar com o tempo de outra forma diferente daquela que o fast fashion impõe (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)

Isabela Capeto na SPFW N41: sua moda altamente elaborada garantiu ao público um dos melhores desfiles desta temporada e ainda afirmou a importância de lidar com o tempo de outra forma diferente daquela que o fast fashion impõe (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Seus vestidos apresentados no desfile são daqueles que podem durar anos no guardarroupa, dificilmente saindo de moda. Um investimento que deve valer a pena, pois, se é mais caro, não vai se desfazer após a terceira enxaguada na máquina de lavar. Roupa de Isabela não tem gola que faz beiço…

Isabela Capeto na SPFW N41: sua moda altamente elaborada garantiu ao público um dos melhores desfiles desta temporada e ainda afirmou a importância de lidar com o tempo de outra forma diferente daquela que o fast fashion impõe (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Na outra ponta está a Riachuelo, cuja presença na SPFW não é novidade. Ela já havia lançado há três temporadas a coleção criada para a rede por Donatella Versace e se encarregou de fazer nesta edição quase o mesmo estardalhaço com a linha desenhada pelo kaiser da moda, Karl Lagerfeld. Mas, agora os tempos são outros. Sai de cena o desfile apoplético e a festinha nababesca com marujos no pole dance para entrar no circuito um show mais enxuto (em produção) do que aquele, com um pré e pós lounge regado somente a cerveja e pipoca. Até mesmo a presença do astro da noite – o estilista – não aconteceu em carne e osso, mas através da exaltação de sua personalidade como o próprio tema do desfile.

Donatella Versace e seus marinheiros no desfile-show da sua coleção para a Riachuelo na 38ª edição da SPFW (Foto: Fotosite / Divulgação)
Explica-se: o público brazuca dessa vez não pode comparar ao vivo o exotismo do alemão com a inesperada postura gracinha da loura, que na época distribuiu sorrisos em larga escala e atendeu com paciência de monge budista à intempestiva multidão de fãs que queriam selfies com a irmã de Gianni.
Mas, por outro lado, as características imortalizadas pela arquetípica figura de Karl nunca estiveram tão vívidas como nesta lançamento da Rchlo: já de cara, os convidados encontravam nos assentos como brinde uma gola avulsa branca, daquelas que o designer costuma usar por debaixo dos seus paletós e jaquetas de couro. Prova de que hoje o estilista pode se tornar tão celebridade quanto Gisele ou uma estrela de Hollywood.

Tipo Liberace: mais do que os tweeds, couros, brilhos, preto & branco, tachas e luvinhas criados por Karl Lagerfeld para a Riachuelo, a inspiração maior é ele mesmo (Foto: Reprodução)
E foi justamente nisso que a fast fashion focou, assim como no conceito do see now, buy now. Mal acabou o desfile, um exército de funcionários adentrou a passarela com araras e displays com as mesmas peças vistas nos corpitchos de modelos com Isabeli Fontana momentos antes. Naturalmente, o público se levantou com som e fúria para transformar o desfile num mercado persa, e em segundos ninguém mais se lembrava que o recém-formado souk havia sido antes o percurso do catwalk. Loucura.

Isabeli Fontana no desfile de Karl Lagerfeld for Riachuelo: presença da top reforça em cena o estilo pessoal do estilista vertido em atrativo para o consumo (Foto: Gabriel Barrera/StudioRGB)

Vendinha do Tio Salim: após o desfile de Karl Lagerfeld para Riachuelo, passarela da SPFW se transforma em uma pop up store na qual o público pode comprar boa parte das peças apresentadas pelas modelos (Foto: Gabriel Barrera/StudioRGB)

Vendinha do Tio Salim: após o desfile de Karl Lagerfeld para Riachuelo, passarela da SPFW se transforma em uma pop up store na qual o público pode comprar boa parte das peças apresentadas pelas modelos (Foto: Gabriel Barrera/StudioRGB)

Vendinha do Tio Salim: após o desfile de Karl Lagerfeld para Riachuelo, passarela da SPFW se transforma em uma pop up store na qual o público pode comprar boa parte das peças apresentadas pelas modelos (Foto: Gabriel Barrera/StudioRGB)

Vendinha do Tio Salim: após o desfile de Karl Lagerfeld para Riachuelo, passarela da SPFW se transforma em uma pop up store na qual o público pode comprar boa parte das peças apresentadas pelas modelos (Foto: Gabriel Barrera/StudioRGB)
Obviamente, compras foram feitas e filas dignas da inauguração de uma Forever 21 se formaram. Nas mãos, saias, vestidinhos e skinnys em preto, camisetas bacaninhas com dizeres como “Karl” e clutches com patches de Choupette, a gatinha de estimação do kaiser que virou celebridade bichana de deixar os gatos Félix e Mandachuva com inveja.

O gato-garoto e a gata de vison: Lagerfeld beija sua pet de estimação Choupette, que virou celebridade e tem até suas próprias mídias sociais. Na coleção da Riachuelo, a bichana estampa várias peças (Foto: Reprodução)
Tudo indica que as camisas, t-shirts, mochilas, bolsas e carteiras a partir de R$ 50 podem, com o tempo, se tornar curiosos itens de colecionador, daqueles que passam a valer fortuna. Mas, no âmbito geral, a maioria das peças da coleção não sobrevive com essa aura lagerfeldiana sem os elementos de styling vistos no desfile, estes sim, definidores do estilo pessoal de Karl e do culto à sua personalidade: bijus de corrente, luvinhas em couro com aplicações de tachas, polainas de lantejoulas, capacetes de motocicleta em pied-de-poule e ankle boots lindinhas. Sem eles, uma white shirt é apenas mais uma camisa branca e uma perfecto de couro não o distingue nem de Marlon Brando, nem do moderninho transgressor da esquina.

Correntes, luvinhas, capacetes e ankle boots envenenados: estilo rocker que Lagerfeld imprimiu na moda, tanto na Chanel quanto na sua marca própria e até em sua persona emoldura os looks apresentados no desfile da linha criada para a brazuca Riachuelo (Foto: Gabriel Barrera/StudioRGB)

Correntes, luvinhas, capacetes e ankle boots envenenados: estilo rocker que Lagerfeld imprimiu na moda, tanto na Chanel quanto na sua marca própria e até em sua persona emoldura os looks apresentados no desfile da linha criada para a brazuca Riachuelo (Foto: Gabriel Barrera/StudioRGB)

Correntes, luvinhas, capacetes e ankle boots envenenados: estilo rocker que Lagerfeld imprimiu na moda, tanto na Chanel quanto na sua marca própria e até em sua persona emoldura os looks apresentados no desfile da linha criada para a brazuca Riachuelo (Foto: Gabriel Barrera/StudioRGB)

Correntes, luvinhas, capacetes e ankle boots envenenados: estilo rocker que Lagerfeld imprimiu na moda, tanto na Chanel quanto na sua marca própria e até em sua persona emoldura os looks apresentados no desfile da linha criada para a brazuca Riachuelo (Foto: Gabriel Barrera/StudioRGB)

Natália Moreira enverga a montagem com a calça com suspensório que é a cara de Lagerfeld e que faz parte da coleção da Riachuelo, mas que não foi vendida na pop up store após o desfile (Foto: Gabriel Barrera/StudioRGB)
Confira abaixo as fotos do desfile:
ÁS torce para estes itens complementares comparecerem de fato nas araras da Riachuelo, assim como a calça com suspensório, já que aqueles vendidos na pop up store não são muito diferentes daquelas antigas peças populares criadas por Azzedine Aläia para o magazin popular francês Tati na primavera de 1991.

Moda imita moda, varejo imita varejo: croqui de Azzedine Aläia para a coleção assinada para loja de departamentos francesa Tati entre duas fotos da campanha estrelada pela top Christy Turlington, uma das queridinhas do estilista tunusiano, então no auge (Fotos: Reprodução)
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Nessa âmbito, a coleção náutica da Versace para Riachuelo oferecida como acepipe na 38ª edição da SPFW foi muito mais moda e o básico repaginado vendido após o fashion show desta terça (26/7) no salão da Bienal supre o desejo de consumo mais pela forma de alçar Lagerfeld ao patamar de celebrity e a maneira de ludibriar o tempo (no processo de apresentação da coleção e chegada do produto às lojas) que pelos itens em si. Ainda assim, driblar o tempo apresentando a fornada de peças e tê-las em mãos ara consumo imediato é uma estratégia valiosa numa era em que a volatilidade cronológica determina o valor das coisas.
Em tempo: não são somente os designers que sofrem com os desígnios do Senhor Tempo. Em uma temporada marcada por cerca de nove desfiles por dia, da manhã à noite, os editores de moda também precisam lidar com o imediatismo da notícia factual e a imperiosa necessidade de haver horas suficientes para refletir com qualidade maior…
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