Ela deve ter nascido em São Paulo por acidente. Afinal, chegou chegando no Rio há algumas décadas e levou pouco tempo para virar garota carioca suingue sangue bom, versão blaster. Lenny Niemeyer é, numa linguagem bem gay (do tipo que celebra aquela turma que tem três obsessões, mamãe, jockstrap e Nova York), soberana absoluta magnânima da moda praia na urbe. Aliás, no Brasil e no mundo. Lenny é embaixadora informal da cidade (todos sabem, papo velho) e, na falta de um termo ainda melhor para definir a moça que virou sinônimo da beachwear das bem-nascidas, é rainha da porra toda. E, antes que algum hater ensandecido diga que ÁS anda rasgando seda que transcende o jornalismo, se aproximando de blogueirices, sim, estou. E não sem propriedade, se é fato que apuramos (coisa que blogueirete não faz) a pertinência de todos esses adjetivos que, mais que a definem, são hoje senso comum.
Agora, Lenny promete fazer o sol dar as caras em dias de Cidade Maravilha chuvosa, ao atravessar a poça rumo ao Caminho Niemeyer (homônimo, mas, tão espetacular quanto a estilista), em Niteroi, pronta para celebrar na domingueira seus 30 anos de estrada no encerramento da 52º edição do São Paulo Fashion Week. Isso, você leu direito: aqui mesmo, na cidade (quem disse que a terra de Arariboia não é Rio, ué! Ficou louca?!?) que a consagrou abrindo porta para que a grife homônima (terceira vez que essa palavra entra no texto, joga no bicho), outrora carro-chefe do Fashion Rio, chegasse também à condição de highlight na (ainda,viu?) maior semana de moda da América Latina.
Em papo com ÁS neste sábado (20/11) no SPFW, o diretor criativo do evento Paulo Borges, deu a deixa: “A gente já pensava comemorar essa data tão emblemática da Lenny, um efeméride significativa se levarmos em conta que, no Brasil, muitas labels boas não sobrevivem ao tempo, por conta de inúmeros fatores. Queria abrir essa edição com super desfile da marca em São Paulo. Então, ela me disse que as histórias dela e da marca foram feitas no Rio, era preciso festar aqui. Faz sentido. Daí, foi natural pegar a ponte aérea para fechar o SPFW”.
Apesar do entusiasmo de Paulo com a celebração da grife, Lenny é mais contida. Modesta, é categórica quanto à rotina árdua para chegar onde quer: “Não acho que não estou no topo, mas se é uma opinião e é global… É tudo um desafio porque amo trabalhar e amo o que faço. No fundo, batalho para não perder o ritmo”. E, muda de assunto para ressaltar a locação do novo desfile, disparando: “O Caminho Niemeyer tem uma vista linda para a Baía de Guanabara. Escolhi revisitar minhas coleções num local icônico, que mistura arte, arquitetura e botânica”.

Lenny é uma das grifes cariocas que soube furar incólume a gigantesca onda tsunâmica que varreu para uma fossa abissal um sem-número de marcas surgidas no Rio, desde a crise causada pela bolha imobiliária em 2008. A última delas a naufragar foi Mara Mac, outro patrimônio da cidade que fez água no casco, no final de 2019. Mais para a um sábio lúcido que orienta o trono que aquela que sentaria nele, Lenny é estratégica: “O mercado de moda, no geral, mudou muito nos últimos anos. Me perguntam sempre como estou de pé com anos altos e baixos na moda. O segredo é só um: atualizar amando o que faz. A gente segue assim, no fluxo, se reinventando para acompanhar as novas demandas, sem abrir mão do nosso DNA”, filosofa Lenny com pé plantadíssimo no chão tipo figueira milenar.
Ela comenta sobre as mudanças administrativas que precisou fazer na empresa: “Tivemos que mudar muita coisa por causa da pandemia. Sabe, é quase impossível realizar o trabalho de moda fora do modo presencial. Acabamos investindo bastante no digital e deu super certo, apesar de as franquias ficarem prejudicadas por não poderem ter um site próprio. Ainda assim, aumentamos mais de 50% no online”, entrega, ressaltando que, apesar de atenção maior ter sido no virtual, continua acreditando na potência da experiência da loja física: “O real não vai acabar assim, como andarem prevendo. Nada disso. Acabo de abrir loja em Goiânia, Curitiba, no BH Shopping. Todas vão bem, obrigado! O consumo continua. Okay, vamos reforçar a marca no digital, mas o foco no vivencial no físico é minha prioridade”.
Agora, ela comemora 30 anos da marca, com a coleção verão 2022, inspirada na África. As fotos, de Pedro Pinho, foram feitas no Lajedo de Pai Mateus, na Paraíba, que, pela primeira vez, serviu de cenário para uma campanha de moda praia. “Escolhemos o Lajedo pela sua geografia única, muito conectada ao tema da coleção. É um dos lugares mais lindos que já visitei”, diz Lenny, conhecida também por ter pronto na cabeça um manual de elegância para a praia. Aqui, alguns exemplos: “Procure um biquíni confortável e com o tamanho que você queira a marca do bronzeado, mas jamais ‘enfiar’ a lycra e tentar fazer um fio-dental; nem pensar em clarear os pelos ao sol, nem numa praia deserta; não tomar sol de perna aberta para bronzear a parte interna da coxa, igual a uma rã; um pouco de discrição nas demonstrações de carinho, digamos assim; apesar de a praia ser pública, som muito alto pode ser deselegante, a partir do momento que incomoda quem está por perto.”

Há dez anos, para marcar território Lenny festou seus 20 anos com um mega fashion show na Lagoa, cartão postal da Zona Sul carioca. O desfile, a poucas dezenas de metros de sua residência, foi seguido de rega-bofe e sacode-o-esqueleto numa tão imponente quanto low-profile tenda montada em frente ao catwalk. Emocionada, a estilista nem precisou se esforçar tanto para acontecer, apesar de toda a trabalheira que deu: nessa proto-era sélfica, uma legião de furiosos fashionistas rumou em matilha para dizer amém à designer-coqueluche e, de quebra, fisgar os holofotes também. “Dá um close que estraçalho”, dizia o quadro de um antigo programa humorístico. Pois é, foi assim: como se sabe, quem vê close não vê corre, e os convidados foram chegando em matilha, pouco se importando com o processo para por aquilo circo de pé, mas focados no resultado, ávidos para conferir a passarela armada em volta de um espelho d’água que habitualmente recebe de ciclistas a capivaras, mas que, dessa vez, concentrava um squad de gatas-garotas envergando biquínis tão selvagens quando chiques. Luxeria define.
“Aquela época [os 20 anos de percurso], era um outro tempo. Todo mundo podia celebrar, dançar, pular. Sou festeira e adorei fazer aquele evento, fiz de coração numa das mais lindas vistas da cidade. Mas, de lá para cá, muita coisa mudou. Fazer festa a gente sempre gosta, só que não me sinto tão à vontade agora, depois de ver o país passar pela pandemia, embora as coisas esteja sendo retomadas. Nesse momento estou mesmo querendo celebrar apenas minha marca, Não é hora de fazer festa para mil pessoas pulando madrugada adentro”, confessa uma inesperada Lenny Niemeyer bem mais monástica. “A piteira está aposentada por enquanto”, brinca, fazendo menção ao famoso adereço que usava e acabou sendo incorporado ao imaginário semiótico acerca da sua persona.
Sim, dessa vez Lenny está mais quieta. Por isso, ÁS pergunta mais uma vez para ver se ela cai na pegadinha: ficar por cima da carne seca ainda a impressiona? Dá trabalho ou virou mecânico? Ela se sai bem da tarefa: “Você precisa trabalhar para a inspiração te flagrar trabalhando. Quando preciso de alguma coisa, mergulho no trabalho, olho um livro, faço qualquer coisa para e inspirar. Tudo se resume a essa dedicação em tempo integral”, despista, enquanto se encarrega dos últimos preparativos para a coleção africana que vai apresentar e deixando claro que a excelência é mero fruto de um ininterrupto exercício criativo. Obviamente, o resto vem normalmente.

Para fechar, a veterana das passarelas lança luz sobre a renovação do line-up no SPFW, celebrada por quem anda oxigenando a cabeça e criticada por aqueles que ainda se agarram ao passado: “Acho o máximo a renovação do setor via pequenas e médias grifes! Minha filha, por exemplo, está começando uma marca. É difícil, sabe? O mercado ficou mais competitivo, mas esse fenômeno [das labels fixadas no cenário digital] jovializa o ambiente fashion, dá opções às clientes que consomem. Os novos criadores têm a vantagem dos canais on-line, que nem eram sonhados na época que comecei. Essa visibilidade no Instagram corta caminho, fato. Quero muito o sucesso dessa gente novata para passar o bastão para quem vai dar nova vida ao Rio”, finaliza, sem se dar conta de que, ao falar de passar o cetro, acabou confessando que é rainha mesmo.
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