*Com Lucas Montedonio
Puro lirismo. Dizer que Ronaldo Fraga é poesia equivale a chover no molhado. Foi um alento sua presença nesta tarde de quarta-feira (26/10) em apresentação no palco e plateia do belo Theatro São Pedro, no coração de São Paulo, numa edição da SPFW em que ficou de fora outro poeta dos tecidos (chegado a outra forma de libelo, que fique bem claro), Lino Villaventura – “preferi dar uma acalmada, fiz três desfiles seguidos na edição de abril do Minas Trend, na última SPFW, no Rio Moda Rio. Preciso dar um tempo para renovar o olhar”, contou o paraense ao ÁS.
Com uma coleção chamada “El dia que me quieras“, 28 modelos trans desfilaram a nova fornada de peças ao som de “Bandolins“, de Oswaldo Montenegro, com destaque para Carol Marra e Valentina Sampaio, que terminaram o fashion show num dueto, dançando o quê? Exato! “El dia que me quieras”, numa inesquecível performance acompanhadas por outros 13 casais trans.
A top trans Valentina Sampaio desfila para Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Morena de mão cheia, a trans Carol Marra dá o ar de sua graça no show de Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Parece redundante falar em emoção, se tratando de Ronaldo. Os dois últimos desfiles – o dos refugiados que mostrou uma coleção africana e aquele anterior que falava do amor -, serviram para ressaltar que, não importa a passagem do tempo: sem perder a veia autoral, o mineiro não perde a boa forma, mesmo depois de ter homenageado temas contundentes como o carnaval carioca, o futebol, Noel Rosa. Melhor: depois de anos injustamente criticado por não se render ao viés comercial, ele deu um tapa de pelica na cara da sociedade e continua firme e forte no line up, enquanto outras marcas simplesmente foram a nocaute. Com mais um mérito ainda por cima: num evento de moda onde os oclões escuros costumam ser subterfúgio para ocultar emoções, dessa vez foi difícil segurar o choro.
No conjunto da obra, foram exibidos vestidos em sua maioria, com maxi estampas digitais com trompe l’oeils que remetem à questão dos gêneros – prints localizados de corselets, de lapelas de terno com camisa e gravata -, ora com mangas bufantes em tule, ora repletas de detalhes e sobreposições em renda ou arrematadas com postiços em adamascado.
O mais impressionante? Bom, uma significativa estampa de um celuloide (filme de cinema) cortado por uma tesourinha numa narrativa óbvia: a história da vida dessas mulheres, que tem seus órgãos extirpados para poderem exercer sua identidade de gênero. Coisa que essa turma pérfida de Marcelo Crivella e Edir Macedo, com pretensões de dominar o mundo definindo o direito a amar, não conseguirá jamais entender….
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Marcelo Soubhia / FOTOSITE / Divulgação)
Ronaldo Fraga na SPFW – N42 (Foto: Sérgio Caddah/ / FOTOSITE / Divulgação)
Em tempo: após exibição do desfile teatral, ÁS deu aquela passada no backstage para conversar com tod(x) modelxs, a equipe de beauty comandada por Marcos Costa e trocar figurinha com o bamba Ronaldo Fraga. Confira o bate-bola abaixo:
ÁS: Você costuma trazer à tona uma reflexão. Pode ser uma coleção sobre refugiados dos movimentos migratórios africanos, o questionamento do tempo numa apresentação só com modelos idosos ou apenas manequins de madeira na passarela. Hoje, fez a plateia inteira desabar no choro. Como podemos combater os preconceitos trans e misturar arte com discurso social?
RF: Primeiramente, vamos pensar em como a moda entra nessa história. Um grande vício de quem cria roupa é tentar adivinhar o futuro, para poder ‘fazer e vender’ e sair na frente; ou olhar para o passado e copiar algo que alguém já fez. E veja bem; o mais é difícil é olhar o presente! O agora. Entender o seu tempo. Justamente nos dias de hoje, fiz questão conversar sobre este tema com o mundo. O diálogo sobre este e outros assuntos deve ser algo rotineiro junto à mesa da família. Esta história, antes de tudo, serve para fazer sentir-se vivo. E no mínimo útil. E procurar caminhos por este buraco… e não é na moda. Não é meu, não é seu, é do nosso mundo e do tempo em que vivemos.
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