ÁS poderia começar essa matéria falando que chegar à maioridade no Rio, fazendo 18 anos de percurso, é um senhor mérito na gastronomia carioca, repleta de casos de ascensão meteórica seguida de apocalipse comercial que resulta no encerramento das atividades. Fato. Este jornalista também poderia apelar para o caminho fácil (de escrever), apontando que é uma maravilha sobreviver tanto tempo numa mesma rua – a icônica Dias Ferreira, no Leblon –, conhecida não só pelo alto padrão de qualidade mas pelo abre & fecha dos restaurantes provocado pelas oscilações econômicas, alguns com existência quase tão efêmera quanto a vida de uma drosophila melanogaster, a mosquinha da banana que dura cerca de um mês. E seria ainda capaz de digitar umas poucas linhas ressaltando que não é brincadeira manter por tanto tempo o nível da cozinha num estabelecimento que é empresa familiar, algo que só costuma acontecer quando se trata de birosca bacanuda de culinária popular. Nada disso. Embora tudo isso seja verdade, ÁS vai resistir aos apelos dessa retórica tão óbvia quanto a presença do trio cabelão-decotão-pernão na night e cair de boca direto na comida. Vamos lá, que aí vem gente: o italiano tão contemporâneo quanto Armani Quadrucci continua sendo o que há, amor.

Ambiente interno do Quadrucci: linhas contemporâneas acompanham a culinária da casa (Foto: MCA Estúdio / Divulgação)
É como você conhecesse aquela moça desde bebê, visse ela crescer, achasse bonita, dissesse: “Ah, que gata-garota. Vai dar um mulheraço!”, e o prognóstico se confirmasse quando, sem perceber o tempo passando, você visse a beldade na badala e constatasse: “Uau, que tiro!” Pois é, foi assim. Fazia um tempinho que não vinha ao Quadrucci, que já foi algumas vezes a primeira opção na hora de trazer um amigo de fora passando pela cidade. Na noite passada, ÁS foi conferir mais uma edição do “Quadrucci convida“, aquele evento que volta e meia a casa faz, quando um chef convidado divide as panelas numa comunhãozinha de bens gastrô com o chef residente Ronaldo Canha, num menu degustação digno de fazer Vatel desistir de se matar.

Das opções da adega aos drinques com produtos brasileiros e artesanais: o Quadrucci enfatiza tanto a boa harmonização quanto as combinações etílicas plenas de personalidade, como o Pink Fanciulla, com receita inspirada nos cabarés italianos dos anos 1960 (Foto: MCA Estúdio / Divulgação)
É tipo quando o DJ estrelíssima de uma boate chama alguém de fora para dar um molho extra nas picapes, e o profissa convidado faz seu setzinho-lacre tão bem quanto a prata da casa. A bola da vez foi Ignácio Peixoto (leia-se Bagatelle), que ficou com o amuse bouche e o prato principal, enquanto a Ronaldo (que da zootecnia foi para as panelas, tendo passado pelo Bistrô Cassis de NY, Mix Brasserie e Lounge, Zazá Bistrô, Orgânico, e Boox) couberam a entrada e a sobremesa. “O convidado sempre quer fazer o prato principal”, se diverte ele, fingindo que está reclamando, fazendo charme. Tá bom, meu bem. Aham. Senta ali, Claudia!
Ignácio começou dando uma escorregada no quiabo. Explica-se: ÁS não costuma ser chegado ao fruto metido a legume. Surpresa! A tempura de quiabo, lardo Yaguara, aioli (dos deuses) e pimenta japonesa, harmonizada com o Sauvignon Blanc chileno Castelo Mario Geisse 2018, foi iguaria delicinha, e não castigo. Quero mais. Já a entradinha de Ronaldo, de tão boa não deu nem para a saída: um tartare de carne de sol, aoili de abóbora e crocante de arroz que parece o clássico cocô de rato de São Cosme e Damião, ou ainda aquele irresistível torresminho engordativo. Quando ÁS for correr atrás de saquinho dia 27 de setembro, vai pensar no prato. Mr. Canha é como o ratinho cozinheiro do desenho “Ratatouille”: sabe brincar com memórias afetivas via paladar.
Na pièce de resistance, a costela e aligot de mandioca vieram na medida. Para que não sabe, aligot é o típico purê de batata com queijo dos chiques. Como pashimina é o xale das ricas. O salgadinho da carne equilibra-se perfeitamente com a neutralidade da mandioca e o queijo presente no creme é suficiente para quebrar o amargor do agrião, numa boa combinação de sabores. A harmonização do também chileno Carmenère Gran Reserva 2015 deu certíssimo.
Na sobremesa, o minestrone de frutas brasileiras em caldo cítrico, crumble de castanhas e sorvete de iogurte fechou tão bem a noite que deveria ser incorporado ao cardápio fixo. Ronaldo geralmente manda muito bem nos doces que trazem frutas na receita, e a crocância do crumble ganha o plus da semente, não carregando a tal leviandade doce em excesso que costuma impregnar essa farofinha. Ronaldo falou para esse colunista: “Ah, não sou tão bom de dessert, não.” Para, Ronnie boy, não seja modesto. É bom lembrar que ÁS teve esse manjar na companhia das namoradas dele e de Ignácio e que, lá pela terceira harmonização, mais o welcome drinque, todo mundo já estava dando gargalhadas. Vê lá, rapaz que, mesmo de manguaçadinho light, ÁS guarda tudo na memória. Sabe lá o que ele ouviu. Então, chega de modéstia, haha!
Em tempo, anote os pratos imperdíveis do menu fixo: o leitãozinho assado lentamente acompanhado de batata doce, farofa de alho com castanhas e couve crocante; filé de Rib Eye acompanhado alho poró confitado e risoto de queijo artesanal Tulha gratinado e camarões ao curry, coco e coentro acompanhado de risoto de abobora chamam atenção (esse eu amo!); e o Taglioline ao molho de mascarpone e limão siciliano com camarões grelhados, Nhoque funghi gratinado com Grana Padano ao perfume de trufa; e o clássico da casa, a lasanha de cordeiro ao vinho tinto gratinada com caprino Romano.
Serviço
Quadrucci:
Rua Dias Ferreira 233, Leblon.
Tel.: (21) 2512-4551 (Capacidade: 68 lugares).
Diariamente, das 12h à 1h. Cc.: todos.
Manobrista no local.
Instagram: @quadrucci
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