Diretor de cinema italiano mais popular dos anos 1960/70, Franco Zeffirelli (1923-2019) penou junto à inteligentsia pelo mesmo motivo que lhe rendeu fama, fortuna e público nas salas de exibição mundo afora: o excesso de conservadorismo e a clássica tradição narrativa numa era em que brilhavam as elucubrações de cineastas malditos, como Pier Paolo Pasolini, ou geniais, tipo Federico Fellini. E também pela posição política de direita, numa época em que era cool ser “de esquerda”, a ponto de ter sido eleito senador, por dois mandatos nos anos 1990, pelo partido de Silvio Berlusconi. Morreu aos 96 anos na manhã deste sábado (15/6).

Nascido Gianfranco Corsi, Franco Zeffirelli se tornou o que quis: um incensado diretor alinhado com o cinemão comercial, amparado no requinte de acabamento estético que aprendeu com seu mestre e amante, Luchino Visconti. Voltadas para o grande público, suas produções visavam sobretudo o diálogo com a plateia jovem (Foto: Reprodução)
Ganhador de um Globo de Ouro por “A megera domada” (1967), além de muitos outros prêmios, e candidato ao Oscar três vezes, Zeffirelli – pioneiro, um dos poucos diretores a assumir sua homossexualidade nos anos 1960/70, quando esse fato quase era velado entre as celebridades e nunca revelado ao grande público –, vivia nos últimos anos numa casa em Roma por conta de sua frágil saúde. No local montou um home care, depois de viver anos no sofisticado balneário Positano, e ainda recebeu por um tempo o lendário costume designer Piero Tosi (agraciado com um Oscar honorário em 2014) que, por sua igualmente frágil condição física, não podia mais descer as escadarias da residência onde morava, a de Dino Trapetti, amigo de ambos à frente do famoso ateliê de figurinos Casa Tirelli. Coisas de mariconas da bota, de uma Itália tão animada quanto as noitadas vividas pelo repórter de Marcello Mastroianni e “A doce vida” (1960)….

Figurinha fácil no jet-set, no qual ingressou através de Visconti, o quarentão Zeffirelli rapidamente virou grande amigo de Elizabeth Taylor, principal nome de Hollywood na época, que acabou estrelando seu segundo filme, aquele que pode ser considerado de fato sua produção inaugural na indústria, “A megera domada” (1967). A estrela morava na Europa nesta fase, atuava em realizações locais e, famosa por colecionar afetos gays, se aproximou do italiano (Foto: Reprodução)
Nascido em Florença e fruto de uma relação extraconjugal de uma costureira badalada com um vendedor de tecidos, talvez por isso sua trajetória deu pano para manga: não recebeu nem o nome do pai nem o do marido da mãe, mas conviveu na flor da idade com aquelas senhoras inglesas lésbicas que abandonavam a carolíssima e anglicana Grã-Bretanha para se refugiar na ensolarada Itália, longe da repressão luterana. Foi introduzido no grand monde pelo aristocrático diretor Luchino Visconti (1906-1976), de cujos filmes foi assistente, diretor de arte e de quem foi amante. Em sua divertida “Autobiografia” (2006), revela sobre este: “Com Visconti vivi um amor atormentado, esgarçado, mas nunca apagado. Ele era o modelo de tudo aquilo que é importante”. Sem papas na língua, inclusive, afirmou sobre sua condição sexual: “Sou homossexual, gay nunca, palavra que considero obscena e ofensiva”.

Nos últimos tempos, Zeffirelli havia abandonado a direção de cinema e vinha se dedicando,desde meados dos anos 2000, mais à sua outra paixão, a ópera, antes de parar de vez por conta da saúde deteriorada (Foto: Reprodução)
Confira abaixo oito deliciosas passagens na trajetória de Franco Zeffirelli:

Deu match! Zeffirelli aterrissou em carreira solo no cinemão em ótima companhia, com “A megera domada”, ao lado do casal-celebrity da Sétima Arte nos anos 1960: Liz Taylor e Richard Burton, espécie de Angelina Jolie/Brad Pitt da década. Foi a atriz, aliás, quem forjou a condição de celebridade da qual hoje o showbizz é refém. Íntima do diretor, ela era sua confidente nos casos amorosos e o ajudava a se aproximar dos rapazes por quem nutria atração, aquilo que hoje a Geração Z chama de crush (Foto: Reprodução)

No ano seguinte seria a vez de seu maior sucesso, “Romeu e Julieta” (1968), considerada a versão definitiva para a telona da tragédia mais famosa de William Shakespeare. Apesar da ótima repercussão, Zeffirelli foi duramente criticado por confiar os papeis a dois novatos adolescentes, Olivia Husey e Leonard Whiting. Ele respondeu à altura, lembrando que, no Renascimento, os jovens casavam mesmo recém-saídos da infância. Ficou o dito pelo não dito: a produção logo se tornou um clássico, alinhadíssima com o espírito de amor abnegado então apregoado pelo flower power (Foto: Reprodução)

Padrão para a TV Record: Em 1977, Zeffirelli dirigiu para a televisão, numa produção em parceria de Sir Lew Grade com a emissora RAI Uno, a minissérie Jesus de Nazaré, que narrava o percurso do messias cristão, com cerca de seis horas de duração. Exibida ao redor do mundo nos cinemas, inclusive no Brasil, era uma realização ambiciosa que minuciosamente reproduzia a Jerusalém da época estrelada por um all-star cast que incluía medalhões da Era de Ouro, como Sir Laurence Olivier, Sir Ralph Richardson, James Mason, Ernest Borgnine e Anthony Quinn, ao lado de estrelas europeias ou contemporâneas como Claudia Cardinale e Anne Bancroft. A realização, com abordagem política do período retratado, praticamente sublinhou o fim do papado de Paulo VI, logo depois substituído por João Paulo I e, num curtíssimo espaço de tempo, por João Paulo II (Foto: Reprodução)

A virada da década de 1980 reforçou a preocupação de Zeffirelli em atingir o público jovem. O diretor se empenhou em levar às telas um novo clássico de amor, mas não conseguiu: “Amor sem fim” (1981), protagonizado pela ninfeta-ícone de então, Brooke Shields. O longa fez sucesso, mas era uma baba tão piegas que rendeu ao italiano a Framboesa de Ouro de ‘Pior Filme’. E, como não há limite para a queda, ainda foi a derradeira vez que Shields, vindo de “Pretty Babe” (1978) e “A lagoa azul” (1980), hitou. Sua carreira despencou depois disso… (Foto: Reprodução)

Curiosamente, este mesmo 1981 que marca o final da fase de sucesso de Brooke Shields é o ano em que a carreira de Faye Dunaway, uma das mais importantes atrizes do final dos anos 1960 e dos 1970 começa a naufragar, após participar de duas produções de sucesso neste ano: “Mamãezinha querida” e “Evita”. Em 1979, ela havia protagonizado o dramalhão de Zefirelli “O campeão”, refilmagem de um clássico dos forties que levou plateias do mundo afora às lágrimas. Será que o diretor italiano é pé-frio? A mesma coisa aconteceu aos poucos nos seventies com Olivia Hussey, lançada por ele em “Romeu e Julieta” (Foto: Reprodução)

A outra virada de década foi mais amena. Em 1990, já sem o mesmo brilho de antes e após levar ao cinema versões de óperas, Zeffirelli lançou uma excelente adaptação de “Hamlet”, com o astro de ação mais importante desse período (ao lado de Harrison Ford) no papel-título: Mel Gibson. A produção, que ainda trazia os respeitados Alan Bates, Ian Holm e Helena Bonham-Carter no elenco, era de primeiríssima. Para arrematar, Glenn Close pôs todos no bolso com sua Rainha Gertrude (Foto: Reprodução)r(Foto: Reprodução)

Quase 10 anos depois, Franco Zeffirelli realizou sua produção mais autobiográfica: “Chá com Mussolini”(1999), na qual o jovem ator Baird Wallace (à esq.) e o garoto Charlie Lucas (nas sequências iniciais) vivem espécie de alterego do diretor numa narrativa ambientada durante a 2ª Guerra, na Florença da Itália fascista, tendo como coadjuvantes atrizes inglesas em sua maioria, tal qual aquele grupo de senhoras que fazem parte da tenra idade do cineasta. Cher interpreta uma amerciana rica (Foto: Reprodução)

Amigo do peito da diva da ópera Maria Callas, Zeffirelli encerrou sua produção cinematográfica com “Callas Forever” (2002), drama que relata a decadência da cantora lírica, pouco antes da sua morte. Apesar da qualidade, o longa não foi tão bem-recebido, apesar das boas atuações de Fanny Ardant e Jeremy Irons. Em parte, por causa dos fãs da estrela, que não gostaram nem um pouco de ver no cinema esse retrato da fase depressiva final da estrela do bel-canto (Foto: Reprodução)
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