Mostra Frank Capra no CCBB: o cinema como antídoto para o pessimismo em 27 filmes
De 21 de junho a 17 de julho, o Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro promove uma retrospectiva de um dos diretores mais populares e influentes da Hollywood clássica e que combateu o baixo astral da Grande Depressão e da Segunda Grande Guerra com algumas das mais adoráveis comédias de todos os tempos.
Nestes tempos que correm em que pulsa a necessidade de reconstrução e o desejo de voltar a confiar na viabilidade da vida, aqui no Brasil e no mundo inteiro, é mais do que bem-vinda a Mostra Frank Capra na sede carioca do Centro Cultural Banco do Brasil, a mais completa realizada no país da filmografia do diretor de origem siciliana, mas que realizou na América – mais precisamente em Hollywood – a proeza de se tornar um dos mais importantes cineastas da história do cinema mundial, autor de dezenas de obras-primas, até hoje modelos seguidos em gêneros como a comédia romântica, o screwball – comédia sarcástica com ritmo e diálogos ágeis, viradas surpreendentes de situações inusitadas – e o documentário de guerra. Estamos falando de Frank Capra (1897-1991), que recebeu três prêmios Oscar de ‘Melhor Diretor’ quase consecutivamente (1934, 1936 e 1938) e autor de dois filmes laureados com o Oscar de ‘Melhor Filme’ (1934 e 1938), ao longo da conturbada década de 1930, espremida entre duas guerras mundiais, marcada pela maior crise econômica do mundo moderno e assolada pela ascensão de tenebrosos regimes totalitários pelo mundo.
A posição de Frank Capra como o mais importante diretor do cinema americano dos anos 1930 fica patente na capa da revista “Time” de 8 de agosto de 1938, quando a agenda de reformas do Presidente Franklin D. Roosevelt – o New Deal, que livrara os Estados Unidos dos efeitos da Grande Depressão de 1929 – começava a perder fôlego. Roosevelt e Capra, o grande tradutor das esperanças regeneradoras do New Deal, logo se uniriam novamente para enfrentar outra catástrofe: a Segunda Guerra Mundial (Imagem: Reprodução)
Paradoxalmente, é nesse inóspito terreno que o cinema de Frank Capra vicejará e será internacionalmente consagrado a ponto dos seus detratores forjarem a expressão “Capra-corn” que pejorativamente tenta definir um olhar sobre a vida, um tratamento cômico-dramático e uma estética que misturam, com rara habilidade, entretenimento cinematográfico com “mensagens” contagiadas por um otimismo e uma ingenuidade dignos de uma Poliana totalmente confiante na regeneração moral do ser humano e embalada pelo programa de reordenamento econômico-social dos Estados Unidos durante o governo do Presidente Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), genericamente denominado New Deal.
Foi a simpática comédia ligeira “Platinum Blonde” (Loura e sedutora, no Brasil), dirigida por Capra em 1931, que colou em Jean Harlow (1911-1937) o rótulo de “Vênus Platinada” com o qual seria vendida pelos estúdios como o símbolo sexual supremo dos anos 1930. Emprestada para a Columbia pelo magnata Howard Hughes, Harlow – já na Metro – passou vertiginosamente do apogeu a problemas de saúde que a levaram a uma morte prematura e trágica (Imagem: Reprodução)
Ao longo de mais de 40 sessões, o público do Rio de Janeiro terá a oportunidade de conferir no CCBB não só os clássicos absolutos apontados como a expressão mais sublimada das esperanças da Era Roosevelt – como “Dama por um dia” (1933) “Aconteceu naquela noite” (1934), “O galante Mr. Deeds” (1936), “Horizonte Perdido” (1937), “Do mundo nada se leva” (1938), “A mulher faz o homem” (1939), “Adorável vagabundo” (1941), “Esse mundo é um hospício” (1944) – como também preciosidades pouco vistas no Brasil ou que exigem uma urgente reavaliação como “A flor dos meus sonhos” (1930), “Loura e sedutora” (1931), “Loucura americana” (1932) e o soberbo “O último chá do General Yen” (1932), para não falar dos documentários de guerra encomendados a Frank Capra pelo Pentágono com o objetivo de disseminar na população os valores pelos quais a nação americana estava lutando na Segunda Grande Guerra. É claro que não poderia faltar nessa mostra tão extensa a comédia dramática “A felicidade não se compra” (1946), cujo título de campeã das reprises de Natal foi sendo paulatinamente conquistado ao longo de 70 anos para nos encantar até hoje com a mesma irresistível e ingênua magia.
Conheça abaixo um pouco mais sobre o legado de Frank Capra e curiosidades sobre suas obras:
A rara passagem de Frank Capra pelo melodrama legou esta pérola da cinematografia que mistura exotismo com romantismo: “O último chá do General Yen” (1933), estrelada pela grande Barbara Stanwyck, atriz com quem todos os diretores de Hollywood sonhavam trabalhar. Na época, o filme foi proibido nos domínios do agonizante Império Britânico por narrar uma relação interracial de uma mulher branca com um homem oriental, interpretado por um ator… sueco (!), Nils Asther (Imagem: Divulgação CCBB) Muitos clássicos de Hollywood foram criados em clima de crise, caos ou desavenças, como “E o vento levou…” (1939) ou “Casablanca” (1942). A produção de “Aconteceu naquela noite” não ficou atrás. A Columbia só conseguiu os empréstimos dos astros Clark Gable e Claudette Colbert da Metro e da Paramount, respectivamente, porque ambos os estúdios queriam puni-los por “mal comportamento” cedendo-os a uma produtora de 2ª classe, apelidada de “Sibéria” e dirigida pelo despótico “Harry Kong”, alusão debochada ao chefão Harry Cohn e ao gorila protagonista do grande hit de 1933, “King Kong” (Imagem: Divulgação CCBB)Em 1934, Frank Capra já era um diretor consagrado quando a deliciosa comédia “Aconteceu naquela noite” tomou de assalto as telas do mundo inteiro, como nesta noite de estreia no Cine Odeon, na Cinelândia do Rio de Janeiro, em 1935. Essa obra-prima do gênero foi o primeiro filme a arrebatar o Oscar nas cinco categorias principais (filme, direção, atriz, ator e roteiro original), façanha que só seria repetida 41 anos depois com “Um estranho no ninho” (1975), de Milos Forman (Imagem [colorizada artificialmente]: Reprodução)Quando as pesadas nuvens anunciadoras de que uma nova guerra mundial estava próxima, Frank Capra convenceu Harry Cohn a adquirir os direitos do best-seller pacifista “Horizonte Perdido” de autoria de James Hilton. Já para o vaidoso chefão da Columbia, essa superprodução significou uma oportunidade de mostrar para Hollywood o poderio do seu estúdio. O estratosférico orçamento de dois milhões de dólares para os padrões de 1937 quase não foram recuperados nas bilheterias, mas gerou mais um aclamado clássico de Capra que envergonha a ridícula versão musical colorida de 1973 de Charles Jarrott (Imagem: Reprodução) Os efeitos visuais e especiais de “Horizonte Perdido” impressionam até hoje e são um exemplo eloquente dos extraordinários recursos técnicos e artísticos dos grandes estúdios da Hollywood da Era de Ouro. O palácio de Shangri-La, por exemplo, foi construído em diversas escalas, do monumental às maquetes realistas, conferindo ao lendário diretor de arte Stephen Goosson o Oscar de 1937 nesse departamento (Imagem: Reprodução) Muitos historiadores de cinema consideram “O galante Mr. Deeds” (1936) a quinta essência da visão “ingênua” de Frank Capra e do seu roteirista habitual Robert Riskin, em que o “homem simples das ruas” é colocado em confronto com um sistema cínico, predador, corrompido e brutal de onde sai vencedor graças à uma coragem cega guiada pela nobreza dos sentimentos. Gary Cooper e Jean Arthur – a atriz favorita de Capra – encarnaram à perfeição esse conto de fadas moderno que inspira até hoje o cinema americano (Imagem: Reprodução)Na comédia maluca “Do mundo nada se leva” (1938), James Stewart e Jean Arthur foram reunidos pela primeira vez para mais um triunfo de Capra: um segundo Oscar de ‘Melhor Filme’ e o seu terceiro como ‘Melhor Diretor’. Às portas da Segunda Guerra Mundial, Capra ainda achava possível converter os gananciosos, os corruptos, os perversos e os mal-amados para inclui-los num mundo melhor (Imagem: Reprodução)Depois da experiência como documentarista no front da Segunda Guerra Mundial, Capra retorna a Hollywood como diretor “independente” ao fundar com William Wyler e George Stevens a Liberty Films, experiência de curta duração, mas que deixou como legado a mais delirante de suas fantasias – “A felicidade não se compra” (1946), um dos filmes mais amados pelo público e permanentemente incluído nas listas de melhores de todos os tempos (Imagem: Divulgação CCBB
Serviço:
Mostra Frank Capra, no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro.
De 21 de junho a 17 de julho de 2023, de quarta a segunda-feira (fecha terça-feira).
Rua Primeiro de Março, 66, Centro, Sala de Cinema.
Ingressos: R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada), disponibilizados às 9h do dia da sessão na bilheteria física ou em BB.com.br/cultura.
Masterclass com o cineasta Walter Lima Jr. no dia 12 de julho, às 19h. E no dia 6 de julho, às 19h, debate “O cinema de Frank Capra” com especialistas.
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