Em cartaz no Brasil, “Sem fôlego” (Wonderstruck, 2017) é a mais recente produção de Todd Haynes, responsável por caprichadíssimos filmes de época, com visual elegante, como o romance lésbico “Carol“ (2015) e o curiosíssimo drama queer “Velvet Goldmine“ (1998). Dessa vez, ele adaptou a obra de Brian Selznick, autor e ilustrador infanto-juvenil que já havia rendido uma bela obra-prima a Martin Scorsese, o delicado “A invenção de Hugo Cabret“ (2011). Como neste, as crianças – a menina Rose (Millicent Simmonds), em 1927, e o garoto Ben (Oakes Fegley), em 1977 – são personagens em busca de algo perdido, ou jamais alcançado, que lhes causa um profundo vazio tão sincero quanto as lágrimas dessa tenra idade.

Protagonista de “Sem fôlego” (Wonderstruck), a atriz-mirim Millicent Simmonds foi escalada por Todd Haynes, em parte, por ser surdo-muda como sua personagem Rose (Foto: Divulgação)

Já Oakes Fegley vive Ben, menino que vai sozinho para Nova York em busca do pai desconhecido. A interpretação do ator se assemelha a de outros de sua faixa etária no cinema inglês dos anos 1960/70, como Mark Lester (Foto: Divulgação)
Em comum, além de desejar aquilo que lhes falta, a surdez que permite ao diretor trabalhar longas sequências sem diálogos, com a câmera cumprindo a função de trazer ao público o ponto de vista psicológico de protagonistas que carecem do som para compreender o que se passa à volta. Para parte do público, esse recurso poderá ser encarado como chatíssimo; para outra, será a exata definição da poesia na trama, que traça um paralelo entre as duas crianças tanto na sua fuga para Nova York quanto na descoberta desta como uma pulsante metrópole (mesmo sem a barulheira), tão repleta de perigos quanto de atrativos, além de ser a razão pela qual suas vidas acabam se entrelaçando com o hiato de 50 anos.

A atração do público pelas bizarrrices expostas nos antigos gabinetes de curiosidades, cuja expansão acabou sendo a razão do surgimento dos museus – e dos dioramas, as vitrines cenográficas exibidas nestes – é o fio que conduz a história de Rose (Millicent Simmonds, à direita) à de Ben (Oakes Fegley) separados por 50 anos de trajetória (Foto: Divulgação)

Na adaptação cinematográfica de “Sem fôlego”, o diretor Todd Haynes teve a árdua missão de verter para a ação as belas ilustrações a lápis criadas pelo autor do livro Brian Selznick, que narra somente através de imagens o périplo de Rose, da fuga da casa do rigoroso pai em Nova Jérsei para Nova York, reservando as palavras apenas para a parte que diz respeito ao menino Ben (Foto: Divulgação)
Confira o trailer legendado (Divulgação):
Esses pequenos detalhes de ligação que fazem com que pontos de fuga distintos venham a convergir mais adiante são pérolas recorrentes na literatura de Selznick. Em “Hugo Cabret”, é o autômato herdado do pai que permitirá ao órfão amaciar o coração do rabugento vendedor de quinquilharias de uma banca na estação de trem por onde perambula, numa ligação inesperada que possibilita a amarga memória do vetusto senhor se dissipar resgatando reminescências de um passado feliz como ilusionista e pioneiro da Sétima Arte.

Chloe Grace Moretz e Asa Butterfield foram os atores-mirins escalados então para viver os protagonistas de “A invenção de Hugo Cabret“, também escrito por Brian Selznick, que dividiu os principais prêmios do Oscar 2012 com “O artista” (Foto: Divulgação)
Em “Wonderstruck”, que concorreu à Palma de Ouro no último Festival de Cannes (leia mais aqui), o fascínio causado pela magia do cinema é substituído pelos dioramas: vitrines cenografadas com ambientação pseudo-realista que inclui bonecos de cera e animais empalhados, como aqueles que fazem a alegria dos visitantes do Museu de História Natural de Nova York, capazes de causar o tal deslumbramento do título do livro, deixando todos sem fôlego, e que viraram argumento para a série de filmes “Uma noite no museu“.

Em 1927, a menina fugitiva Rose (Millicent Simmonds) adentra um gabinete de curiosidades no Museu de História Natural de Nova York em “Wonderstruck” (Foto: Divulgação)

Por sua vez, em 1977 é a vez de Ben (Oakes Fegley) se maravilhar com os dioramas do mesmo museu novaiorquino, uma marca da cidade no Upper West Side (Foto: Divulgação)
Assista abaixo a interessante featurette sobre a presença dos diora e “Wonderstruck” (Divulgação):
Na produção, uma eficiente direção de arte se encarrega de contrastar as cenas passadas em 1927 com preto & branco que emula o cinema mudo, repletas de jump cuts (aquelas tremidinhas provenientes da ausência de alguns fotogramas na edição), com o colorido lisérgico do verão numa Big Apple setentista à beira do caos, da época do Grande Blecaute.

Detalhadíssima, chama atenção a requintada direção de arte que apresenta Nova York em dois momentos históricos ao público em “Sem fôlego” (Foto: Divulgação)
A reconstituição histórica dos dois momentos é primorosa, com destaque para a produção de objetos, os carros e o figurino, assim como a trilha sonora, que traz para a parte encenada em 1977 duas faixas de impacto: “Space Oddity“, de David Bowie, em versão com coral infantil do The Langley Schools Music Project que é um arraso, e ” “, hit que inseriu “Also sprach Zarathustra“, poema sinfônico de Richard Strauss que havia voltado à moda por conta da trilha sonora de “2001 – uma odisseia no espaço“, em roupagem motown.
Confira abaixo a versão de “Space Oddity” usada na trilha sonora de “Wonderstruck” (Reprodução):
No elenco, os atores-mirins capitaneiam a atenção em casting que traz Julianne Moore em papel duplo, competente porém sem o brilho costumeiro, e Michelle Williams no pequeno, mas marcante papel da mãe do menino que morre no início da narrativa.

Envelhecida por efeitos de maquiagem, a oscarizada Julianne Moore (à dir.) comparece somente correta em “Wonderstruck”, contracenando com o bom Oakes Fegley (à esq.) (Foto: Divulgação)
“Wonderstuck” apresenta um impressionante trecho em animação com técnicas experimentais que combinam vários tipos de arte. Confira abaixo o documentário que relata o seu processo de elaboração (Divulgação):
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