Algum desavisado poderia associar o novo filme de Woody Allen Café Society” (idem, FilmNation Entertainment e outros, 2016), já em cartaz –  à atual onda nostálgica de Hollywood de se autoevocar em produções como “O Aviador“, Sete dias com Marilyn“, “Hitchcock“, “Grace de Mônaco“, “A invenção de Hugo Cabret ou Walt nos bastidores de Mary Poppins“. Nada disso. O diretor sempre flertou com as produções da Era de Ouro e tem obsessão pelo período que vai dos twenties aos forties. Dessa vez, numa comédia romântica que se passa nos anos 1930/1940, ele traça o percurso do jovem Bobby (Jesse Eisenberg), que sai de Nova York para trabalhar na ensolarada Los Angeles sob a tutela do tio todo-poderoso Phil Stern (Steve Carell, genial), um badalado produtor de elenco da Meca do Cinema.

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Terra das oportunidades: o charme do dolce far niente dos que fizeram Hollywood em plena Grande Depressão é evocado com rigor visual nesta nova produção de Woody Allen, “Café Society” (Foto: Divulgação)

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O sol por testemunha: a eterna atmosfera de verão da Califórnia é praticamente um personagem em “Café Society” (Foto: Divulgação)

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“Café Society” (Divulgação)

Na narrativa, entre a descoberta da paixão e um triângulo amoroso composto pelo moço, o parentão big boss e sua secretária-amante (Kristen Stewart), seguido pelo desencanto com o amor na fútil Califórnia, o desiludido rapaz retorna ao seio da família judaica na Big Apple, em meio à qual amadurece descobrindo que os sonhos são apenas sonhos e, como nas duas horas de uma projeção qualquer, só são verdade enquanto se acredita neles.

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O rapaz ingênuo que descobre o amor numa garota que não se encaixa no perfil das criaturas descartáveis de Los Angeles é o condutor da trama que lida com desilusão e amadurecimento em “Café Society” (Foto: Divulgação)

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“Café Society”: Steve Carrell engole o filme com uma de suas melhores interpretações, mostrando o quanto o ator aos poucos se distancia das comédias ligeiras que o consagraram no percurso da TV ao cinema (Foto: Divulgação)

De original absolutamente nada, a não ser que, pela ótica e humor do diretor, tudo fique muito mais interessante. Não é o enredo-chavão que importa aqui, mas a forma como o cineasta conta a história, abusando das referências ou inserindo deliciosas piadas aqui e acolá. Se “Café Society” não é um grande filme como os mais recentes Meia-Noite em Paris“, “Blue Jasmine ou Magia ao luar“, está longe de ser uma produção mediana como o descartável Celebridades“.

Confira abaixo o trailer legendado (Divulgação):

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Núcleo judaico: constante na produção cinematográfica de Woody Allen, dessa vez ele sintetiza a essência novaiorquina em contraponto ao lifestyle californiano (Foto: Divulgação)

Das homenagens à Sétima Arte inseridas no roteiro – como a sequência estrelada por Barbara Stanwick nas telas de um cinema déco e a passagem defronte ao Chinese Theatre com direito às mãos de Gloria Swanson imortalizadas no calçadão da fama – à deliciosa citação aos pombinhos de um amor não sublimado de Um lugar ao sol, o longa é prova cabal da reverência Allen à Velha Hollywood.

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Metalinguagem: entre diálogos cheios de menções aos antigos astros das telas e sequências que evocam a atmosfera da Velha Hollywood, “Café Society” embarca na onda que atualmente traz o cinema como pano de fundo dramático, ainda que no currrículo de Woody Allen esse aspecto seja uma constante (Foto: Divulgação)

Não é mera coincidência portanto que, quando o mocinho finalmente deixa de ser frangote e vira homão, acabe emulando o Rick Blaine de Humphrey Bogart em Casablanca“, com direito a envergar um summer e fazer cara de cínico ao receber os mais diferentes exemplares da fauna novaiorquina num nightclub muito parecido com o do clássico de Michael Curtiz. Este, aliás, paixão confessa do autor desde Sonhos de um sedutor

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“Casablanca” ou “Cafe Society”? Homenagem ao clássico de 1943 é visível nesta nova produção de Woody Allen (Foto: Divulgação)

É notório o uso de filtro somente nos closes de Kristen Stewart como forma de aproximar sua presença à representação fílmaca das estrelas dos early forties, evocando o auge das morenas nessa fase. É como se a luz âmbar, que por si só já faz menção ao retrô, trouxesse para os tempos atuais o preto & branco corriqueiro desta época.

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Belezura das antigas: o semblante clássico de Kristen Stewart é exacerbado à moda das antigas estrelas do sistema de estúdios (Foto: Divulgação)

Desnecessário dizem que são primorosos a direção de arte de Santo Loquasto (um dos mais constantes colaboradores de Allen), os figurinos de Suzy Benzinger e a fotografia do mestre Vittorio Storaro.

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Assim como “Meia-Noite em Paris” e “Tiros na Broadway”, a caracterização de época é esmeradíssima em “Café Society” (Foto: Divulgação)

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Como em produções como “Meia-Noite em Paris” ou “Tiros na Broadway”, a caracterização de época é esmeradíssima em “Café Society” (Foto: Divulgação) (Foto: Divulgação)

E, como sempre, o olhar arguto de outra habituê das fichas técnicas do diretor – a produtora de casting Juliet Taylor – continua afiadíssimo, com atores escolhidos a dedo. As presenças de Blake Lively e Parker Posey não poderiam ser mais oportunas, assim como o núcleo judeu da história, com destaque para Corey Stoll e Jeannie Berlin num papel que anos atrás seria concedido a Julie Kavner.

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Visual à moda antiga: longe dos papeis habituais, a estonteante Blake Lively ganha contornos de estrela da Paramount nesta obra de Woody Allen (Foto: Divulgação)

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Como sempre, a Máfia e os gangsters num roteiro de Woody Allen: à esquerda, Corey Stoll é destaque em “Café Society” (Foto: Divulgação)

Como sempre, a direção de elenco é ponto alto e Jesse Eisenberg impressiona num protagonista típico do universo de Allen que caberia a este quarenta anos atrás. Já Kristen Stewart se afasta cada vez mais da açucarada Bella Swan que a consagrou na saga Crepúsculo“, se revelando ótima opção para os realizadores que buscam uma boa atriz da sua geração, conforme já havia mostrado em dramas como Para Sempre Alice” (2014).

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Première: “Café Society” foi o filme escolhido para abrir o Festical de Cannes deste ano. Entre o elenco, o segundo à esquerda é o celebrado diretor de fotografia italiano Vittorio Storaro, responsável pelas belas imagens do longa-metragem (Foto: Divulgação)

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De volta à Manhattan: Woody Allen dirige Jesse Eisenberg e Kristen Stewart em pleno Central Park, locação que costuma ser praticamente um personagem em muitos filmes do diretor (Foto: Divulgação)

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