* Por Alexandre Schnabl e André Vagon

A Broadway, o cinema, a televisão, a Fórmula 1, o Super Bowl, a Sapucaí, os concursos de misses, a Copa do Mundo, o Cirque de Soleil e até a decoração de Natal dos shoppings, todos devem tributo a Phineas Taylor Barnum (1810-1891), o homem que inventou a noção de espetáculo conforme existe hoje. Cobra criada na miséria, se tornou o primeiro multimilionário do showbizz, criando a noção de circo e enveredando por todas as áreas do entretenimento, dos museus de cera e dos shows de variedades às turnês de divas do belcanto. Agora, a trajetória do primeiro grande empresário da “diversão garantida ou seu dinheiro de volta” ganha versão romanceada nos cinemas com O Rei do Show” (“The Greatest Showman”, de Michael Gracey, 20th Century Fox, 2017), que curiosamente corre o risco de ficar para a história como uma das últimas grandes superproduções da Fox antes de ser abocanhada por um estúdio que aprendeu direitinho a lição de casa de Barnum, a Disney.

“O Rei do Show”: musical que estreou nos cinemas brasileiros neste Natal está sendo celebrado como o “La la land” da vez. As canções não grudam na cabeça como as criadas por Justin Hurwitz para o filme-sensação do verão passado, mas emolduram bem as coreografias simples, mas impactantes quanto um bom número de circo (Foto: Divulgação)

Confira abaixo o trailer oficial legendado (Divulgação): 

Após 146 anos, o Ringling Bros and Barnum & Bailey Circus fechou as portas em 2017. O motivo? O aumento dos impostos e a proibição, desde 2015, dos elefantes em seu picadeiro, após anos de protesto da turma politicamente correta. Seu legado,entretanto, será eterno no mundo do showbizz (Foto: Divulgação)

Sempre disposto a fornecer às massas o escapismo necessário para que pudessem sobreviver às rígidas engrenagens do Novo Regime, amparado pela rotina dos corpos dóceis que Foucault vislumbrou ao procurar entender como se forjou a moderna sociedade fabril mercantilista da Revolução Industrial, Barnum não tardou a perceber que era possível faturar uns bons trocados às custas da boa fé dos incautos prontos para aliviar a tensão da vidinha diária acreditando em fraudes como sereias de Fiji e o General Tom Dedão, o menor homem do mundo. A ele foram creditadas frases como “a cada minuto nasce um otário”, “ninguém nunca perdeu um dólar por subestimar o gosto do público” e outras muito mais úteis que os manuais de autoajuda escritos por espertalhões bem menos talentosos que ele.

Fraudes (ou roaxes, em inglês) foram lugar comum na carreira de P.T.Barnum. A sereia de Fiji, com a cabeça e torso de um macaco costurados na cauda de um peixe, fez um tremendo sucesso dentre as falsificações exibidas no Barnum’s Grand Scientific and Musical Theater (Foto: Reprodução)

Entre todas as máximas desse marqueteiro de calibre – todas mais verdadeiras que as aberrações que costumava apresentar no picadeiro –, a maior de todas é sinceríssima: “A mais nobre das artes é aquela que faz os outros felizes”. Nesse campo, o longa-metragem faz jus à figura do norte-americano, que não apenas sintetiza o sonho americano como representa a essência do espetáculo.

A vida é bela! Rodeado daqueles que seriam considerados, em meados do século 19, aberrações, o Barnum (Hugh Jackman) do musical cinematográfico de  Michael Gracey não é exatamente um empresário inescrupuloso pronto para ganhar rios de dinheiro com a ingenuidade do público, mas um defensor das minorias, bem ao gosto do público que hoje toma de assalto as redes sociais com mensagens bem intencionadas a favor dos desfavorecidos (Foto: Divulgação)

O roteiro de Jenny Bicks e Bill Condom se encarrega de abrilhantar a existência o empresário, impregnando tudo com a bola da vez: o respeito às diferenças, a aceitação daquilo que foge ao que, na gíria millennial atual, se chama “padrãozinho”. Mulheres barbadas, gigantes hipofisários, anões, albinos, portadores de obesidade mórbida, gêmeos siameses, criaturas tatuadas da cabeça aos pés ou de etnias estranhas concorrem com feras africanas no panteão que celebra Barnum como um defensor das minorias, ainda que, na vida real, o moço tenha amealhado uma fortuna exibindo sem pudor algum seres que despertariam a curiosidade cruel da plateia justamente por serem considerados freaks. É sacada genial, perfeitinha para eternecer o público que hoje aplaude Pabllo Vittar e anda tirando o chapéu, desde o alvorecer do Instagram, para senhorinhas rechonchudas com buço & voz privilegiada, como Susan Boyle.

Soprano conhecida como “a rouxinol sueca”, a cantora lírica Jenny Lind (à esquerda interpretada por Rebecca Ferguson) realizou 93 grandes concertos nos Estados Unidos, em 1850, produzida e patrocinada por P.T. Barnum, arrebatando cerca de 350 mil dólares, fortuna incalculável na época (Foto: Reprodução)

Barnum não inventou a exposição das minorias tratadas como aberrações, nem foi o primeiro a arrancar dinheiro de uma plateia ávida por catarse às custas de pobre coitados ou animais selvagens domesticados a ferro e fogo, mas foi pioneiro ao usar a publicidade, inclusive a negativa da crítica especializada dos jornais, para promover seu negócio e enriquecê-lo à base da espetaculosidade.

Mulheres-girafa de Burma foram algumas das curiosidades de quermesse apresentadas por Barnum em seu circo… (Foto: Reprodução)

…, assim como feras selvagens da África e Ásia, devidamente embaladas pelo caráter espetaculoso (Foto: Reprodução)

E isso é um mérito e tanto. Depois dele, artes cênicas de elite como o balé clássico, a ópera e concertos de música erudita  viraram guetos de gente posuda metida a culta, enquanto o divertimento popular acabou pouco a pouco ganhando terreno até chegar ao funqueirão das popozudas. Vai, malandra, até Anitta é Barnum.

Rodeado pelo seu elenco bizarro de excentricidades, o P.T.Barnum do musical “O Rei do Show” ganha roupagem politicamente correta, ao sabor do novo milênio, capaz de eclipsar a caráter voraz do empresário que soube faturar alto com a exibição da desgraça alheia. No final, o resultado da produção é tão fraudulento quanto as tristes criaturas emolduradas por nomenclaturas galantes nos cartazes do circo, mas quem se importa? O novo musical da fábrica de sonhos é tão sedutor quanto um rolezinho num grande circo, ainda que todos saibam que os elefantes, além do picadeiro, possam sofrer com maus tratos… (Foto: Divulgação)

Amparado pelo carisma de Hugh Jackman no papel principal – que já havia mostrado ao grande público que segura um musical na presença cênica, na afinação e até no gogó em Os Miseráveis” (Les Misérables, de Tom Hooper, Universal Pictures e outros, 2012) –, a produção é uma mistura de “O Maior Espetáculo da Terra (1952) com a exuberância visual vídeoclipiana de Baz Luhrmann em realizações como “Moulin Rouge(2001) ou O Grande Gatsby (2013), embalada por baladinhas que, se que não grudam na cabeça como as de La la land“, cumprem a função de contar a história do criador do Ringling Bros. and Barnum & Bailey Circus, emolduradas por coreografias pop simples que resvalam eficientemente na street dance e na nova abertura do Fantástico.

Ao lado de Anne Hathaway em “Os Miseráveis”, Jackaman já havia provado na telona que tem tanta garra quanto Wolverine para segurar a atenção da plateia em um musical. Agora, em “O Rei do Show”, ele brilha sozinho, carregando a narrativa simplista nas costas (Foto: Divulgação)

Criado pela fábrica Disney de musicais teen, como “High School Musical”, o galã Zac Efron contracena com Hugh Jackman em “O Rei do Show” no papel do seu sócio Philip Carlyle e, de quebra, ainda protagoniza com o astro australiano um dos melhores números de dança do longa, em cena em um pub (Foto: Divulgação)

Os números de dança e acrobacia sempre se encarregam terminar alegrando a audiência. São emulações inteligentemente construídas tal qual apresentações circenses prontas a arrancar palmas do respeitável público, que pode ficar extasiado com a competente direção de arte, a cargo de  Laura Ballinger, e os ótimos figurinos, nem sempre historicamente realistas, criados por Ellen Mirojnick.

Efeito Grammy: ao assumir o tom feérico contemporâneo nas canções e coreografias, “O Rei do Show” procura atingir o enorme contingente de genzers que consomem hits de divas pop nas mídias sociais, chamando os grandes sucessos do showbizz atual de “hinões”  (Foto: Divulgação)

No papel da esposa de P.T.Barnum, Charity, que abriu mão da vida burguesa para seguir o empresário antes do sucesso, Michelle Williams garante qualidade interpretativa ao conjunto do elenco, mantendo o mesmo nível de outros papeis que a consagraram, em produções como “Sete dias com Marilyn” ou “Ilha do Medo” (Foto: Divulgação)

Somam-se a isso a sempre boa presença de Michelle Williams e de dois ex-astros juvenis do panteão Disney, o eficiente Zac Efron (geralmente subestimado em função de sua beleza, mas aqui à vontade por estar em sua zona de conforto, o musical) e Zendaya, vinda do Disney Channel. É, vale a pipoca.

Originários de produções da Disney, Zendaya e Zac Efron lutam atualmente, em Hollywood, para não sucumbirem à pecha de “ex-astros infanto-juvenis”, como tantos outros forjados pelo estúdio que não resistiram à maturidade ou se entregaram ao vício, tipo Lindsay Lohan. Trabalhado como novo galã em potencial, Efron, agora aos 30 anos e turbrinado por anabolizantes, é uma das promessas da indústria. Novo Tom Cruise? Só o tempo dirá! (Foto: Divulgação)

* Colaborador do site e crítico de espetáculo, ele iniciou a carreira como bailarino e fez um pouco de tudo: jazz, dança contemporânea, musical de teatro, companhias de balé, festas temáticas, atrações infantis na TV como “TV Colosso”, programa da Xuxa e até especiais tipo “Criança Esperança”. Com o tempo, se tornou coreógrafo e dedica parte do seu tempo a montar performances para eventos corporativos e a lecionar dança, sendo pós-graduado em psicomotricidade, assunto que lhe tira faísca dos olhos. Para ele, a vida é puro movimento.

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