Afirmação da diversidade, resposta aos desvarios de Trump. Mais importante que os premiados foi a significação das premiações na edição que celebrou os 90 anos do festão mais badalado do cinema neste domingo (4/3). O Oscar 2018 concedeu ‘Melhor Filme’ à “A forma da água“, delirante fantasia da Fox Searchlight dirigida pelo mexicano Guillermo Del Toro, que também abocanhou ‘Melhor Direção’, na produção que traz o improvável romance entre uma faxineira latina muda e um homem-peixe e que ainda oferece ao público, no roll de desfavorecidos, personagens como um gay da terceira idade apaixonado pelo cinemão dos anos 1940, um cientista russo que sofre xenofobia e uma negra explorada pelo marido. Na terra do Pato Donald, a classe artística quer porque quer fazer Donald pagar o pato. Merecidamente.

Os quatro atores vencedores do Oscar 2018: da esquerda para a direita, Sam Rockwell, Frances Mc Dormand, Alison Janney e Gary Oldman (Foto: Divulgação)
Foi a consagração da fantasia, gênero que carrega nas costas o faturamento de Hollywood, mas que até então era desprezado nas categorias principais, numa noite que premiou a feiosa Frances McDormand (de “Três anúncios para um crime“ como ‘Melhor Atriz’, fez justiça ao sempre esnobado Gary Oldman por “O Destino de uma nação“, agraciado como ‘Melhor Ator’ por sua surpreendente composição do premier britânico Winston Churchill, e ainda concedeu a estatueta de ‘Melhor Ator Coadjuvante’ ao inspiradíssimo Sam Rockwell pelo seu execrável vilão – um policial linha dura racista, homofóbico e misógino de “Três anúncios para um crime” – e a de ‘Melhor Atriz Coadjuvante’ a Alyson Janney pela cruel mãe da patinadora-problema Tonya Harding em “Eu, Tonya“.

Oscar 2018: velada distribuição de estatuetas por cotas ajudou a reforçar a postura anti-Trump da academia (Foto: Divulgação)
As decisões dos votantes souberam conciliar a consagração de talentos (as apostas sobre Oldman, McDormand e Janney, por exemplo, eram barbadas e repetições do Globo de Ouro) com as posições políticas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável pelo Oscar. Enquanto Trump permanece em sua cruzada para construir um muro na fronteira com o México, investindo contra as minorias, procurando retirar direitos sociais dos menos privilegiados, humilhando nações estrangeiras em declarações desastrosas e fazendo tudo para manter o penteado bizarro, a classe artística reage dando pela quarta vez nessa década ‘Melhor Direção’ a um mexicano, concedendo o prêmio máximo à produção realizada por este (que também arrebatou ‘Melhor Direção de Arte’ e ‘Melhor Trilha Sonora’), e conferindo os de ‘Melhor Canção’ e ‘Melhor Animação’ ao desenho “Viva – a vida é uma festa“, que tem como pano de fundo a comemoração do Dia de Los Muertos, uma instituição daquele país. Trump, coitado, se depender de Hollywood, vira chapolim de bochechas coloradas.

A vitória do mexicano Guillermo Del Toro no Oscar 2018 foi a resposta da Academia aos desatinos xenofóbicos de Donald Trump. Mexicanos que fizeram a indústria se firmar, como Cantinflas, Dolores Del Rio, Lupe Vélez e Pedro Armendariz, agradecem! (Foto: Divulgação)
O México ainda esteve presente no palco do Oscar através de sua atriz de maior projeção internacional hoje, Salma Hayek, que, ao lado de outras duas vítimas de assédio do ex-mega blaster produtor Harvey Weinstein – Ashley Judd e Annabella Sciorra – anunciou uma categoria. Por falar nisso, a noite não fez por menos: o banido Weinstein foi mote das típicas piadinhas, logo no início da cerimônia, apresentada Jimmy Kimmel. Se depender da Academia, o moço não ressuscita nem se for invocado no carnaval de finados mexicano, nem mesmo se resolver produzir uma biografia não autorizada depreciativa do atual homem da Casa Branca. Oye, cabrón!

Trio parada dura: da esquerda para a direita, Ashely Judd, Annabella Sciorra e Salma Hayek mostra que a Time’s Up, movimento que combate o assédio sexual na classe artística é que nem a organização Hidra dos filmes da Marvel – está enfronhado em todos os lugares! (Foto: Divulgação)
No âmbito feminista, não faltaram intervenções: do discurso da dessa vez sóbria Frances McDormand, que convocou todas as mulheres indicadas na noite a ficarem de pé, à presença de destaque da Mulher-Maravilha Gal Gadot na cerimônia, os apresentadores foram em sua grande maioria elas.

Boca nervosa: no badalo pós-premiação da Vanity Fair, a Mulher-Maravilha Gal Gadot deu uma super escorregada e revelou um novo super poder digno da Ilha Paraíso – o “selinho acerta-racha” na vencedora Frances Mc Dormand. A protagonista de “Três anúncios para um crime” pode até ter cara de sapatona mal-humorada, mas não é… (Foto: Divulgação)
Num sistema informal de cotas, nada obrigatório ou oficioso, mas perfeitinho para ganhar o público e a mídia, os negros não ganharam nenhum Oscar politicamente correto do primeiro escalão (candidatos, Denzel Washington e Octavia Spencer saíram de mão abanando), mas subiram ao palco para receber ‘Melhor Roteiro Original’ (Jordan Peele pelo ótimo humor negro – sem trocadilho – “Corra!“) e ‘Melhor Curta-metragem de animação’ (o jogador de basquete Kobe Bryant por “Dear Baskeball“, no qual é roteirista e narrador).
Ainda no segmento black power, o recém-estreado “Pantera Negra“ foi mencionado várias vezes ao lado de outro filme de super-herói de destaque, o feminista “Mulher-Maravilha“. Sim, os super poderosos continuam em baixa na Academia, apesar da alta lucratividade, mas, já que é preciso falar deles, que seja dos exemplares nos quais se exaltam as minorias.

Quase inteiramente interpretado por atores negros, “Pantera Negra”, apesar de pertencer à safra de produções de 2018, foi um dos filmes mais comentados no palco do Oscar 2018 (Foto: Divulgação)
O drama gay “Me chame pelo seu nome“ perdeu nas categorias principais, mas levou ‘Melhor Roteiro Adaptado’ (o veteraníssimo James Ivory) numa premiação que esse ano incensou a diversidade sexual premiando o longa chileno “Uma mulher fantástica“ como ‘Melhor Filme Estrangeiro’, que tem como protagonista uma mulher trans, assim os compositores da melhor canção “Remember me“, a lésbica Kristen Anderson-Lopez e o gay latino Robert Lopez.

Sem Oscar, nem black tie: indicados ao Oscar 2018, o garoto-colírio do momento Timothee Chalamet (“Me chame pelo seu nome”) e o diretor Paul Thomas Anderson (“Trama Fantasma”) chegam à paisana pós-smoking na festa do Beverly Hilon Hotel na madrugada dessa segunda (Foto: Divulgação)
Para todo mundo sair feliz. Não é de hoje que Hollywood sopra a favor das massas para se manter bem na fita das bilheterias. Nem a Rainha Elizabeth II, que soube refazer a imagem da monarquia britânica após quase perder a cabeça vinte anos atrás por ocasião da morte da queridinha Lady Di, foi tão habilidosa quanto os executivos publicistas do Oscar 2018.
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