Gente que faz. Esse foi o recado: profissionais responsáveis por fazer a Indústria girar foram os vencedores do Oscar 2023. Há mais de três décadas no mercado, Brendan Fraser, 54, ganhou a estatueta de ‘Melhor Ator’ por “A baleia”, que também levou ‘Melhor Maquiagem e Penteados’, enquanto a malaia de origem chinesa Michelle Yeoh, 60, prestes a completar 40 anos de carreira internacional e há 24 na Meca do Cinema, quando estreou em “007 – O amanhã nunca morre” (1997), papou o de ‘Melhor Atriz’ por “Tudo em todo lugar o tempo todo”. São veteranos que estão na ativa há muito tempo, famosos, mas até então sem o prestígio que deveria lhes caber.

Casos extremos, na mesma premiação, são Sarah Polley, 44, que começou como atriz-mirim e, hoje diretora, levou para casa ‘Melhor Roteiro Adaptado’ por “Entre Mulheres”, o igualmente ex-ator infantil de blockbusters dos anos 1980 Ke Huy Quan, 51, e sobretudo a veteraníssima Jamie Lee Curtis – filha de dois ídolos da Era de Ouro, Janet Leigh e Tony Curtis –, 64 anos de idade, 45 de carreira, contemplados respectivamente como ‘Melhor Ator Coadjuvante’ e ‘Melhor Atriz Coadjuvante’ pela mesma produção estrelada por Yeoh.

Do mesmo longa-metragem saiu vitoriosa a dupla Daniel Kwan e Daniel Scheinert – conhecida como The Daniels –, que conseguiu uma rara façanha: levou para casa os Oscars de ‘Melhor Roteiro Original’, ‘Melhor Direção’ e ‘Melhor Filme’ por uma realização que, apesar de flertar com o cinemão nerd, que sustenta atualmente Hollywood, se mostrou um sopro de inventividade.

Associadas há décadas ao cinema comercial, de menor (ou quase nenhuma) repercussão nas premiações, Curtis, que estreou, na telona, no terror slasher “Halloween” (1978) e costuma ser figurinha fácil no cinema de gênero, e Michelle – primeira oriental a ganhar na categoria ‘Melhor Atriz”, levando à forra o fato de a maior estrela sino-americana dos anos 1930, Anna May Wong, ter sido desprezada pela Academia – são a carteirada que a Academia precisava para dizer que, em um mundo cada vez mais norteado pelo engajamento politicamente correto das redes sociais, vale a pena prestigiar as salas de exibição porque, se Oscar é justo e o mundo tem jeito, melhor assistir o que se passa diante dos olhos no escurinho de uma boa sala de exibição.
De quebra, os quatro vencedores empoderam a maturidade em tempos de etarismo comendo solto. Depois da mulheres, pretos, LGBTQIA+ e latinos, foi a vez de o Oscar focar em outra parcela de excluídos, já que não é possível dizer que o vasto contingente de profissionais maduros em uma população global que envelhece a passos largos seja minoria.

Mas, se a mensagem foi passada direitinho pela escolha das vencedoras mulheres, é com Quan e Fraser que a semiótica atinge seu ápice: a vitória dos dois significa aquela volta por cima que o cinema americano tanto gosta, por questões semânticas: enquanto o vietnamita, que fez sucesso em produções dirigidas ou produzidas por Steven Spielberg nos anos oitenta – “Indiana Jones e o Templo da Perdição” (1984) e “Os Goonies” (1985) – teve participações bissextas no cinema e praticamente abandonou a atuação, o segundo, depois de alguns anos atuando como galã de filmes de aventura ou dublador de desenhos animados, saiu do ostracismo com o meloso “A baleia” em papel do tipo de Hollywood venera, em dramalhão, com direito a pesada maquiagem de caracterização e body modification, sem medo de revelar ao público que não bate mais um bolão como sex symbol. Tá valendo.

Ao lado de Yeoh e Quan, o sino-americano Daniel Kwan é responsável pela onda amarela que levou três dos sete orientais indicados ao palco para agradecer, mas vale lembrar que “Naatu Naatu“, do musical “RRR (Revolta, Rebelião, Revolução)”, contemplada como ‘Melhor Canção’, é de autoria do compositor e ator indiano M.M. Keeravaani, que atingiu o impensável: derrotou de uma só vez duas das mais expressivas estrelas da pop music atual – Lady Gaga e Rihanna, que saíram de mãos abanando.
Confira abaixo o trecho de RRR que concedeu a “Naatu Naatu a vitória no Oscar (Reprodução):
Ainda no quesito inclusão, Ruth E. Carter, primeira preta a levar um Oscar de ‘Melhor Figurino’ por “Pantera Negra” (2018), repetiu a façanha pela sua continuação “Pantera Negra: Wakanda para sempre”. Esse prêmio tem dupla função: reforçar a presença preta no pódio em um ano em que houve poucos candidatos negros nas principais categorias e sublinhar a importância comercial dos filmes de super-heroi para o atual sustento da bilheteria.

Nesse âmbito, os demais prêmios foram divididos por produções que andaram fazendo o público voltar as salas de cinema, na contramão do concorrente streaming: um Oscar para “Top Gun: Maverick” (‘Melhor Som’) e um para “Avatar: o caminho da água” (‘Melhores Efeitos Visuais’). Entretanto, ainda que longe das principais categorias, o streaming não ficou de fora: o alemão “Nada de novo no front” arrebatou quatro Oscars (‘Melhor Fotografia’, ‘Melhor Trilha Sonora Original’, ‘Melhor Design de Produção’ e ‘Melhor Filme Internacional’) e o stop motion “Pinóquio” deu a estatueta de ‘Melhor Animação de Longa-Metragem’ a Guillermo Del Toro e Mark Gustafson, os dois proporcionando, junto com RRR, oito vitórias à Netflix.
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