Com o perdão do trocadilho, zumbis são a prova viva de que Hollywood é adepta daquele ditado “Se a vida te der limões, faça uma limonada”. De preferência, até o bagaço não dar mais caldo algum. Afinal, quando filmes ou séries fazem sucesso, o primeiro passo dos produtores é descobrir como faturar ainda mais com eles. Resultado? Um mundo com quatro versões de “CSI”, longas e séries de super-heróis surgindo em cada esquina e reboots anunciados todos os dias. Se fosse um compositor, a cinematografia e videodramaturgia atuais poderiam ser chamados de Paganini, já que o músico ficou conhecido sobretudo do grande público pelas variações sobre um mesmo tema. E, recentemente, a moda dos spin-offs ganhou mais força ainda na TV com o lançamento mundial de “Fear The Walking Dead”, trama derivada de “The Walking Dead”. E qualquer semelhança – nada sutil – nos títulos não é mera coincidência…

Ambos os shows são baseados na série de quadrinhos criada por Robert Kirkman, Tony Moore e Charlie Adlard, que mostra um grupo de humanos tentando sobreviver ao temido (e tão em moda) apocalipse zumbi. Lançado em 2010, TWD se tornou uma das atrações mais lucrativas dos últimos tempos, sendo cultuada por fãs em todo o mundo e rendendo horrores (nada terroríficos) aos bolsos dos realizadores. Prova de que existe mais vida após a morte do que supõe a vã filosofia dos meros mortais.

Dos gibis para a telinha: quadrinhos originais de Robert Kirkman que inspiraram a atração original e sua série derivada (Foto: Reprodução)

Dos gibis para a telinha: quadrinhos originais de Robert Kirkman que inspiraram a atração original e sua série derivada (Foto: Reprodução)

Até agora, a nova aposta dos produtores tem demonstrado ser um acerto, pelo menos nos números. Segundo a Variety, a série bateu recorde de audiência para uma estreia de TV a cabo nos Estados Unidos – mais de 10 milhões de espectadores, atraindo um demográfico de 6,3 milhões de adultos entre 18 e 49 anos.

E, se a série original retrata um futuro desastroso, a nova se volta para o passado do pretérito, nesse futuro apocalíptico, e pretende mostrar como tudo começou. Entretanto, se o espectador está esperando encontrar outra história cheia de pessoas atirando em cabeças de mortos-vivos, é melhor pensar duas vezes antes de dar o play.

Gente como a gente para reforçar realidade: família protagonista de "Fear The Walking Dead" é a cara daqueles vizinhos sem graça que todo espectador tem (Foto: Divulgação)

Gente como a gente para reforçar realidade: família protagonista de “Fear The Walking Dead” é a cara daqueles vizinhos sem graça que todo espectador tem (Foto: Divulgação)

“Fear The Walking Dead” é um prequel, ou seja, conta o início da epidemia apresentada na série-mãe. Tudo isso a partir do ponto de vista de uma família disfuncional. E põe disfuncional nisso. Série de TV pretensamente pop-moderninha hoje em dia precisa – necessariamente! – abusar de dramas pessoais dignos de personagens da vida real. Mesmo que, no frigir do enredo, a história seja para lá de fantasiosa.

E, na vida dessa família, zumbis ainda não são exatamente realidade consciente. Por exemplo, o grande dilema de Madison, a mocinha vivida por Kim Dickens (“Garota Exemplar”), é ajudar seu filho viciado em drogas, interpretado por Frank Dillane – que compõe o personagem mais complexo da trama até agora, com boa entrega física.

Gente como a gente para reforçar realidade: família protagonista de "Fear The Walking Dead" é a cara daqueles vizinhos sem graça que todo espectador tem (Foto: Divulgação)

Gente como a gente para reforçar realidade: família protagonista de “Fear The Walking Dead” é a cara daqueles vizinhos sem graça que todo espectador tem (Foto: Divulgação)

A base da história é composta por outros clichês de um típico drama familiar, que pode ser visto até nas novelas de horário nobre: uma filha adolescente (Alycia Debnam-Carey) que não vê a hora de pular fora de casa, nem aceita o relacionamento da mãe com outro homem, a cargo de Cliff Curtis, com cara de mix de latino com paquistanês e ar de abobado, o clímax do anti-herói. Ele até parece ser um cara legal, mas também anda às voltas com sua própria família: a ex-mulher e o filho – também adolescente e também rebelde (Elizabeth Rodriguez e Lorenzo James Henrie, respectivamente). E ainda entra no circuito uma outra família latina no meio da história. Salada como deve ser a vida numa cidade multicultural como Los Angeles, onde se passa a história.

Os primeiros três episódios (ou seja, metade da temporada) têm cenas de ação e momentos bem assustadores, com mortos-vivos surgindo do nada e atacando os protagonistas, além paisagens macabras reforçadas pela boa fotografia. Porém, a trama não é calcada no mesmo suspense da trama da qual derivou. Se o público já sabe o qual é o resultado desse estranho vírus que ataca a população, os personagens ainda desconhecem do que se trata. E essa parece ser a grande sacada até agora. Essa estratégia dos roteiristas só colabora com o clima de tensão e imprime o toque de originalidade da história, já que produções cinematográficas que emplacaram a febre dos zumbis como um rentável empreendimento audiovisual – como “Madrugada dos Mortos” (Dawn of the Dead, de Zack Snyder, 2004) e “Extermínio” (28 Days Later..”, de Danny Boyle, 2002), se detêm no máximo uns 20 minutos iniciais antes de o mundo ir para o beleléu.

Madrugada dos Mortos: filme que ressuscitou os zumbis no cinema aposta no caos logo no início (Foto: Divulgação)

Madrugada dos Mortos: filme que ressuscitou os zumbis no cinema aposta no caos logo no início (Foto: Divulgação)

Inocentemente, os personagens entram em becos escuros, tentam dialogar com as “pessoas doentes” ou decidem jogar Monopólio enquanto, bem ali do lado, a vizinhança é atacada (isso realmente aconteceu!). E, tolinhos, ainda tentam matar zumbis com facas! Facas Tramontina, meu bem? Amadorismo manda beijos. Por outro lado, cada vez que alguém aparece de costas, os fãs já esperam que se trate de um morto-vivo, cheio de sangue na boca, andando de forma torta por aí. A narrativa é cheia dessas falsas dicas, para brincar com as expectativas do espectador, e ainda conta com uma trilha sonora provocadora. Sim, a direção da atração anda mesmo fazendo direitinho o dever de casa…

Naturalidade em meio ao caos crescente: para causar susto, série se vale da ignorância dos personagens sobre o que está acontecendo ao redor (Foto: Dibulgação)

Naturalidade em meio ao caos crescente: para causar susto, série se vale da ignorância dos personagens sobre o que está acontecendo ao redor (Foto: Dibulgação)

E, se a série original é cheia de personagens heróis e duros de matar, aqui eles são frágeis, repletos de dramas existenciais dignos de série dramática do canal Sony, nada sanguinários, como se esperaria da atração da AMC exibida no Brasil pela Fox. Eles acreditam que tudo vai voltar ao normal e não sabem bem o que fazer diante do paulatino esfacelamento da sociedade que conhecem. Esse talvez seja o maior valor da série, para não repetir a atmosfera daquilo que se vê em “Walking Dead” nem na profusão de histórias de zumbi que permeiam o cinema atual.

Morta viva bonitinha: como o caosainda está no início, os zumbis da nova série ainda não tem cara completa de bife de mal passado (Foto: Divulgação)

Morta viva bonitinha: como o caosainda está no início, os zumbis da nova série ainda não tem cara completa de bife de mal passado (Foto: Divulgação)

Por esse mesmo motivo, os espectadores mais ávidos por ação, afoitos dentadas nas jugulares, cérebros sendo mastigados como suculentos brownies e todo o tipo de derramamento de sangue podem até sair decepcionados. Mas isso pode mudar, já que o caos cresce na velocidade de um raio e, pelo andar da carruagem, a situação não deve demorar muito para provocar violentas transformações nos protagonistas. O vírus está se espalhando em progressão geométrica e os zumbis estão se multiplicando. Trata-se de um efeito dominó de consequências trágicas, que só serão menos devastadoras se o programa não mantiver o nível de tensão daquele que lhe deu origem e a audiência despencar. Bom, basta se manter vivinho da silva para descobrir nas próximas semanas…

TWD: série que originou o spin-off é bem mais violenta - até agora - que as cenas que a nova atração mostrando até agora (Foto: Divulgação)

TWD: série que originou o spin-off é bem mais violenta – até agora – que as cenas que a nova atração vem mostrando até agora. A aposta agora é por outro tipo de tensão (Foto: Divulgação)

Em tempo: Caso mantenha esta linha narrativa, Fear The Walking Dead” tem a chance de ser diferente em um gênero tão cheio de clichês. Por falar nisso, a epidemia de mortos-vivos também está mais presente na TV norte-americana que reality show. Enquanto TWD vai para sua sexta temporada, o canal SyFy já criou sua série do gênero – “Z Nation”. Já a emissora teen CW conseguiu que “iZombie” – atração onde a heroína é uma zumbi adolescente – tivesse boa aceitação resultado com seu público. E outra promessa para este ano fica por conta de “Ash vs Evil Dead”, sequência da cinessérie “A Morte do Demônio”, que tem pegada mais trash e sangrenta, com estreia marcada para uma data bem conveniente: o próximo Halloween.

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