No domingo (6/10), dia de eleições municipais para eleger prefeito e vereadores — precisamente às 19h41, enquanto rolavam as apurações Brasil adentro —, o espetáculo “És tu, Brasil?” iniciava uma maratona de quase 2h no Futuros – Arte e Tecnologia, no Flamengo, após um incidente com a Light; agência de distribuição de energia elétrica do Rio, que afetou alguns pontos da zona sul carioca. Nem as três quedas prévias de energia surtiram o mesmo efeito do blecaute sucedido pelos sons cantados e pisadas fortes, recursos da musicalidade e expressionismo empregados pelo elenco formado por Giovanna Nader, Igor Pedroso, Lucas Sampaio e Luiza Loroza.
Para preencher o espaço que é meio teatro de arena, meio passarela artsy, o 1COMUM Coletivo buscou contemplar a matriz étnica brasileira, oferecendo à cena quatro intérpretes que remontam à pluralidade do Brasil. A indumentária, que surfou no mix de looks tipo “Farm para usar em Mad Max” com elementos monarcas surrados sobre maiôs com aplicações tricotadas, também é destaque cênico ao traçar um paralelo com a moda como agente capitalista do esvaziamento de recursos em prol de tendências efêmeras e falsas necessidades.

O trabalho corporal, espetacular por sinal, mostra que o corpo fala e, nesse caso, também grita/trepida/exaspera para compor com as interpretações viscerais do quarteto. Giovanna Nader, que retorna aos palcos após sete anos distante, nem disfarça a euforia de botar de pé um projeto alinhadíssimo com seu discurso pessoal em relação ao caos climático que caminhamos e que é discutido com compromisso pela artista em suas redes sociais. O olhar expressivo, como duas piscinas azuis a boiar no rosto alvo, é outro condutor de vários momentos em que o público se divide entre o riso e o desespero… ou o famoso rindo de nervoso, sabe como?

Já Luiza Loroza é deleite puro. A atriz e cantora sabe como rotacionar as atenções para si sem dificuldades, a exemplo (e sem spoiler!), na cena do jantar, em que sua personagem decide parir mais uma prole num Brasil recém-adepto à lei do filho único, a agilidade vocal para equilibrar as noções de raiva, tristeza e alegria nos mantêm vidrados nela, mesmo com Lucas Sampaio provocando catarse com sua facilidade de alternar expressões e sotaques. Aliás, a cepa masculina garante uma linguagem nerudiana, densa e nua, plena de uma maturidade teatral deslocada da pouca idade de Lucas Sampaio e Igor Pedroso. Convergência de talentos? Temos!

Bastaria essa mistura de personas para tornar “És tu, Brasil” imperdível. Afinal, não dava para esperar menos de uma peça que estreou em pleno 7 de setembro já anunciando que algumas das enormes e profundas feridas da condição humana seriam expostas. Porém, além da premissa que envolve os efeitos da crise climática no mundo e as preocupações com a estabilidade democrática brasileira, a sucessão de recortes temporais e ambientações forjadas em cima de um tapete escarlate dilapidado e lindo, junto a quatro peças em madeira entalhada com espelhos fixos na base maior, mais o alívio tragicômico das atuações, faz a mensagem ir além da boa ideia e vale cada segundo. Plus: o convite/release da peça, disponibilizado ao público na chegada ao teatro e alinhado à premissa consciente, virava um marca página e livros destacável. Chique no simples.
O espetáculo colhe da rusticidade das ações e da indiferença do homem a luz necessária para iluminar a realidade opaca da pouca perspectiva de futuro. Se o Brasil tem muitas faces e, por isso, não deveria limitar-se a ditames embranquecidos e pautados no dinheiro e poder, a peça com seu texto épico é parte essencial nesse processo de auto-reconhecimento na dúvida: És tu, Brasil? Vale a ida ao teatro para descobrir!


Serviço:
“És tu, Brasil?”
Temporada: de 07 de setembro a 27 de outubro de 2024
Horário: Quinta-feira a domingo – 19h
Local: Futuros – Arte e Tecnologia
Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo – Rio de Janeiro
Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada/ meia-entrada solidária, doando 1 Kg de alimento não-perecível)
Duração: 120 minutos
Classificação Indicativa: 14 anos
*Por Andrey Costa
Foto destaque: João Julio Mello/ Divulgação
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