Nas 2 horas e 36 minutos de duração de O Regresso” (The Revenant, New Regency Pictures e outros, 2015), Leonardo DiCaprio come o pão que o diabo amassou. Pior: o cramulhão praticamente sapateia em cima do ator na forma de um gigantesco urso pardo que estraçalha o rapaz numa das cenas de ataque animal mais aterrorizantes que o cinema já produziu. Como se não bastasse, o ator é perseguido por índios inúmeras vezes, leva flechada, cai de penhasco, é arrastado pela correnteza abaixo de um rio gelado repleto de quedas d’água, tenta se proteger nas entranhas de um cavalo morto, devora mais carne crua durante a projeção do que entusiasta contumaz de sashimi, sofre infecções, toma tiro e ainda passa um frio daqueles nu em pelos, em meio à neve. Não dá para ver, inclusive, se o pingulim do moço encolhe a dimensões liliputianas nessa friaca, mas a plateia sofre tanto com as desventuras do caçador de peles Hugh Glass que nem dá tempo para pensar nisso durante a projeção.

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Líder de indicações ao Oscar 2016, 12 no total incluindo ‘Melhor Filme’, ‘Melhor Diretor’ e ‘Melhor Ator’, “O Regresso” (The Revenant) estreia hoje nas salas nacionais e oferece ao público uma interpretação visceral de Leonardo DiCaprio (Foto: Divulgação)

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De tremer na cadeira do cinema: a sequência em que Leonardo DiCaprio é atacado por um urso pardo em “O Regresso” tira o fôlego da plateia (Foto: Divulgação)

Leo vale cada minuto do ingresso comprado e, depois de arrebatar o Globo de Ouro de ‘Melhor Ator em Drama’, se não levar dessa vez o Oscar para casa terá sido tanta maldade quanto jamais conceder uma estatueta a Alfred Hitchcock ou deixar Ennio Morricone de mãos abanando cinco vezes, mesmo concorrendo por scores acima do bem e do mal de filmes como A Missão (The Mission, 1986) e Os Intocáveis” (The Untouchables, 1987). Mas a Academia costuma valorizar atores que deram o máximo de si em produções desgastantes sobre temas de superação ou vingança. E esse western fala tanto de um quanto do outro, fora o fato de que o ator filmou as cenas num contexto climatológico tão inóspito quanto o retratado na parte do livro homônimo de Michael Punke no qual o filme se baseia, a partir dos relatos de um Hugh Glass que realmente existiu.

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Em “O Regresso”, DiCaprio sofre mais que mamma italiana católica de filha devassa: depois da vitória no Globo de Ouro, o astro é páreo firme na disputa pelo Oscar de ‘Melhor Ator” e praticamente barbada certa (Foto: Divulgação)

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“O Regresso” concorre ao Oscar técnico de ‘Melhor Maquiagem’, disputando a estatueta com “Mad Max: Estrada da Fúria” e “O centenário que fugiu pela janela e desapareceu” (Foto: Divulgação)

Independente da econômica, mas eficientíssima atuação do ator – que abusa da contenção típica de um personagem que aprendeu que ficar de boca fechada é melhor do que tagarelar sem parar numa terra sem lei, mesclando com aquele olhar triste e distante de suas duas bilhas azuis, uma marca que ele adora! –, é realização das boas essa nova empreitada fílmica de um Alejandro González Iñárritu pós-oscarizado, depois do sucesso de crítica de Birdman ou a inesperada virtude da ignorância” (Birdman, 2014).

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No set, o diretor Alejandro González Iñárritu posa ao lado do protagonista de “O Regresso”, Leonado DiCaprio: mexicano se mostra generoso dirigindo um longa contundente, mas com a munição voltada sobretudo para fazer o ator brilhar (Foto: Divulgação)

Confira abaixo o trailer oficial (Divulgação):

O longa acompanha essa atual incursão de Hollywood pelo gênero western a partir dos hiperefeitos, como acontece no também em exibição Os Oito Odiados” (The Eight Hateful, de Quentin Tarantino, 2015), ou com o remake de Bravura Indômita” (True Grit, dos Irmãos Cohen, 2010). Essa desglamurizada visão da conquista do Oeste vai ao encontro a obras que procuram desmistificar o desbravamento do território norte-americano, executado por uma escória da pior estirpe, como os clássicos Rastros de Ódio” (The Searchers, de John Ford, 1956) e Consciências Mortas” (The Ox-Bow Incident, de William A. Wellman).

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“Os oito odiados”: na mesma edição do Oscar 2016, o western-homenagem de Quentin Tarantino ficou fora dos prêmios principais, mas pode levar para casa o de ‘Melhor Atriz Coadjuvante’ para Jeniffer Jason Leigh e o de ‘Melhor Trilha Sonora’ para o mestre Ennio Morricone, que já arrebatou o Globo de Ouro por esse trabalho (Foto: Divulgação)

Obviamente, o rigorosíssimo inverno serve de metáfora para a frieza interior de quem aprendeu a sublimar sentimentos para se manter de pé, mas a novidade fica por conta de uma floresta belíssima capturada pela fotografia deslumbrante de Emmanuel Lubezki, mas tão escura quanto aqueles aterrorizantes exemplares encontrados em contos de fada macabros. Afinal, devia mesmo ser assustador se embrenhar por um território desses, correndo perigo de vida a torto e a direito, sem saber de que direção vem o convite para a morte.

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O diretor de fotografia Emmanuel Lubezki filma o ator Forrest Goodluck (Hawk) no cenário devastado pelo frio de “O Regresso”: mistura de hiperrealismo com atmosfera soturna no mais recente longa-metragem do premiado Alejandro González Iñárritu (Foto: Divulgação)

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As sequências de ação de “O Regresso” carregam nas tintas hiperrealistas, estilizando o horror de se estar numa terra desconhecida repleta de perigos mortais (Foto: Divulgação)

No fundo, esse enredo de vingança pontuado pela improvável sobrevivência mediante às adversidades não é nenhuma novidade, ainda que essencial na narrativa clássica. Por isso mesmo, toda essa exuberância visual exacerbada e a subliminar atmosfera de terror persistem como personagens de uma história a qual, no fundo, é veículo para um filme de ator. Retorna-se, portanto, ao início: apesar dos holofotes voltados para o diretor que papou o último Oscar, “O Regresso” existe para essencialmente exultar o talento do protagonista.

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Como o antagonista Fitzgerald de “O Regresso”, o sempre bom Tom Hardy faz o que pode para brilhar num longa que foi feito para Leonardo DiCaprio engolir o público sem concorrência (Foto: Divulgação)

Em tempo: vale menção os primorosos trabalhos de mixagem e edição de som, bastante impactantes ao longo da projeção, mas que curiosamente não estão indicados para nenhuma dessas duas categorias técnicas na premiação que será realizada no próximo dia 28/2.

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