O filósofo francês Gilles Lipovetsky, em a sua conhecida obra “O luxo eterno” (com Elyette Roux), afirma que durante 25 séculos “o supérfluo, a aparência, a dissipação das riquezas” jamais deixaram de suscitar querelas e críticas ferozes entre pensadores, moralistas, religiosos e correntes políticas. O próprio discurso midiático de hoje se incumbe de manter viva a condenação moral – velada ou explícita – da prática ostentatória e socialmente injusta do luxo herdada dos círculos da nobreza e da alta burguesia. Recentemente, no Brasil, num período de sete meses, cinco pessoas de estrato social modesto foram atropeladas e mortas por veículos Porsche conduzidos por motoristas ricos acusados de comportamento irresponsável, fútil e desdenhoso. Jogadores de futebol, influenciadores, “celebridades digitais” ou personalidades do showbiz são frequentemente expostos e ridicularizados por seus lifestyles “luxuosos”, muitas vezes qualificados como bregas ou cafonas. Filmes e séries que ficcionalizam a vida dos super ricos também deitam e rolam na representação caricata do luxo. Por isso, foi fundamental o Rio Innovation Week (RIW) programar como um dos seus conteúdos principais deste ano o debate sobre a reinvenção contemporânea do luxo. Para essa tarefa foram chamados dez especialistas – empresários de moda e beleza, jornalistas e comunicadores – de um negócio que movimentou globalmente a bagatela de quase 400 bilhões de dólares em 2023, segundo a revista Forbes.


Após os três painéis que lotaram o Palco 24 do Galpão Kobra [veja abaixo] no último dia do RIW, a audiência saiu com a convicção de que “luxo” é um conceito mutável que para continuar imperando como uma das atividades mais valorizadas e lucrativas do mundo deve se adaptar às rápidas transformações históricas, sociais, econômicas e – agora com a crise climática cobrando o seu preço – ambientais do planeta. Aqui reside o primeiro consenso entre os palestrantes: as inovações propostas pelo mercado de produtos e serviços de luxo não devem se descuidar um só segundo da seleção e da rastreabilidade rigorosas das matérias-primas, insumos e mão-de-obra que empregam, não só pelo viés da sustentabilidade ambiental e da equidade social, mas também pela rígida manutenção dos altos padrões de qualidade e de acabamento exigidos pelo seu público consumidor.

Ainda nesse campo socioambiental, a marca de luxo do presente e do futuro deve atentar para o estudo, para o respeito e para a pesquisa dos saberes e das riquezas culturais do seu DNA de origem. Como exemplo, a jornalista Giuliana Morrone citou a cultura empresarial das marcas italianas de luxo que se tornaram paradigmas mundiais exatamente pelo seu culto ao “made in”, destacando o caso particular de uma fibra desenvolvida pela Salvatore Ferragamo a partir dos resíduos do bagaço de uma espécie de laranja cultivada em fazendas da própria marca na Sicília. Aqui, predicados como origem, ancestralidade, localidade, tradição, simplicidade, sustentabilidade, rastreabilidade, pesquisa, tecnologia e storytelling original e genuíno se uniram para criar esse “novo luxo”.

Outro conceito associado ao luxo contemporâneo e já ajustado às demandas do futuro é este novo mantra do consumo: “menos e melhor”. Essa tendência foi apontada pela empresária Samanta Piacini que advoga um ritmo de aquisição de roupas menos afoito e impulsivo em que o consumidor prefira itens de excelente confecção – evidentemente mais caras – e com características estilísticas mais básicas ou minimalistas, que permaneçam associados ao corpo do usuário durante uma jornada de vida de cinco a seis anos, integrando-se a uma memória de momentos vividos juntos. Na marca fundada por Samanta, uma simples t-shirt, por exemplo, é produzida num “ciclo fechado”, isto é, o mesmo fabricante do tecido planta e processa a fibra, num regime de parceria e fidelidade cultivado desde a fundação da sua empresa. Menos tempo perdido em compras, guarda-roupas mais vazios, qualidade material para uso prolongado, design imune a modismos, origem e rastreabilidade garantidas, vínculo emocional duradouro com a peça que dispensa a descartabilidade consumista – eis mais um combinado de qualidades que se enquadram no espírito do luxo contemporâneo.

Por fim, o grupo de especialistas convocado para essa maratona de debates não fugiu dos aspectos psicológicos e emocionais pelos quais o luxo contemporâneo é atravessado, a ponto de ser encarado como questão de saúde mental. A empresária e cientista cosmetóloga Joyce Rodrigues explicou os avanços extraordinários da cosmetologia na Coréia do Sul como consequência do papel da mulher na sociedade coreana. Nesta, o gênero feminino é construído como modelo de perfeição, como um bibelô irretocável em que a pele deve ter brancura e maciez absolutas e os cabelos dotados de sedosidade extrema, além da exigência de apresentação e modos irrepreensíveis. Os produtos e serviços de luxo em beleza na Coréia estão a serviço dessas cobranças inatingíveis e angustiantes, ao passo que no Brasil, esse mesmo tipo de produto de alta gama submete-se às demandas irrenunciáveis de praticidade e rapidez dos consumidores, assim como à extraordinária variedade de tipos humanos dos brasileiros, às mudanças volúveis de aparência e à diversidade de clima e estilos de vida de um país tão vasto como o nosso.

Talvez por isso o Brasil seja visto não só como um dos países mais cobiçados pelo mercado de luxo, como também um laboratório riquíssimo, original e surpreendente de onde o resto do mundo poderá extrair lições para forjar conceitos mais leves, democráticos e menos excessivos do que é, ou não, luxuoso.
DO BAOBÁ AO PARQUE TECNOLÓGICO, A INOVAÇÃO TEM MUITAS MORADAS:
A Rio Innovation Week adota como princípio abrigar ecossistemas de inovação de qualquer setor da atividade humana, sejam aqueles produzidos pela cultura hightech contemporânea, sejam os ecossistemas originários de saberes ancestrais.





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