À frente de uma série de talks sobre moda, beleza e tecnologia oferecidos como cardápio fashion da Rio Innovation Week (RIW), que tomou conta do Píer Mauá nesta última semana, a CEO da IARA – empresa de gestão de projetos de tecnologia que idealizou o Brazil Immersive Fashion Week (BRIFW), primeiro evento de tecnologias imersivas da América Latina – Olivia Merquior foi categórica durante o painel “O novo sistema da moda e beleza”, apresentado nesta sexta-feira (16/8): “Não é preciso ter medo da tecnologia. Usá-la não é substituir processos manuais, mas a gente teme aquilo que não conhece”.

A palestrante considera a tecnologia ferramenta para criação na moda e não vê a inteligência artificial como substituta do manancial humano no campo criativo, até porque, para formar seu menu de ofertas criativas, seria preciso reunir uma enormidade de informação proveniente inúmeras experiências humanas. Ela é visceral em suas opiniões. Para ela, o Metaverso é uma espécie de “bobagem que não pegou e vai ser engolida pela inteligência artificial”, citando como exemplo da sua visão arguta o trabalho da estilista francesa Clara Daguin, que estudou Engenharia da Computação nos Estados Unidos e sabe introduzir tecnologia de ponta em sua alta costura, que chama de computacional couture. É a ciência digital em sua melhor forma na sinergia com o handmade.

Confira abaixo esse vídeo sobre a sofisticada moda-atelier de Clara Daguin (Reprodução):
Olivia menciona como aspecto fundamental do que ela destaca como parte do sistema da moda os sentidos que imprimem orientações sobre identidade e expressam visões de desejos. “Todo dia acordamos e fazemos escolhas sobre o que queremos ser, expressas através daquilo que acreditamos e externadas naquilo que vestimos”. Para ela, esse movimento não muda, mas sim as tecnologias que permitem mergulharmos cada vez mis fundo nesse processo, com novas ferramentas surgindo à toda prova para potencializarem o trabalho criativo e expandindo o imaginário.

“A gente cria desejo e é essencial olhar a moda pelo o que ela é”, afirma, enfatizando a obra “The W/African Railway Strike 19”, do fotógrafo senegalês radicado em Paris Omar Victor Diop. O percurso analítico de Olivia Merquior é visivelmente marcado pela compreensão da moda como fenômeno da formação de identidade, cunhado, sobretudo, a partir da Modernidade. Apesar disso, a pesquisadora retrocede no tempo. Menciona o uso da moda como veículo para a formação de um sentido nacional da França durante o reinado de Luiz XIV no século 17: “Ele se utilizou amplamente dos artesãos para solidificar a veridificação como nação de um território formado por diversas culturas. A tapeçaria de Gobelin, por exemplo, se tornou a tapeçaria da França”. Talvez esse background histórico seja a engrenagem que permite a Olivia olhar esse momento atual, de tantas novas tecnologias digitais batendo à porta, não como ameaça ao emprego, mas como oportunidade. Para tanto, ela encara como naturais os ajustes atuais no sistema da moda, com o surgimento de market places no lugar dos shoppings e os meios virtuais se somando à mídia tradicional na divulgação de produtos e coleções: “O sistema da moda passa por constante evolução, desde quando ela virou mola propulsora do consumo não apenas através do vestuário, mas da beleza, música, audiovisual, comportamento, consumo. Entretanto, o artificialismo permanece como estratégia de comunicação, continua existindo a produção de sentidos na ponte entre mídia e mercado”, decreta.

No seu olhar, os saberes ancestrais, conhecimentos históricos e manualidades são peça vital no novo sistema de moda, o que ela chama de política da memória e, em parte, atribui à ideia de que as novas tecnologias não substituirão o componente humano. “Tecnologia não é marketing, é infraestrutura. Inteligência artificial não é tendência, aliás é cópia daquilo que existe na nossa cabeça. E a cópia, convenhamos, nunca é melhor que o original!”.
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