Um sopro criativo tomou conta dos quatro dias de desfiles na primeira edição do Rio Moda Rio: entre veteranos como Mara Mac, Lino Villaventura, Osklen, Blue Man e Lenny Niemeyer, os novos estilistas Thomaz Azulay e Patrick Doering (da The Paradise), Guto Carvalhoneto e Marta Macedo, da Martu, apresentaram suas coleções de verão.

Brilhos caudas & franjas à la André Lima: Martu, que contou com a consultoria criativa de André Lima, recria o luxo à sua moda e semelhança na primeira edição do Rio Moda Rio (Foto: Agência Fotosite / Divulgação)
Herdeiro do seu pai, Simon Azulay – o nome por trás da icônica Yes, Brazil –, Thomaz Azulay se desligou da direção criativa que dividia com sua prima Sharon na Blue Man para seguir carreira solo. Bem, quase solo, pois reparte com o namorado Patrick o comando da The Paradise, marca descolada que têm na estamparia seu carro-chefe.
Responsáveis por fechar o evento, a dupla fez bonito com desfile-show rico em ludicidade: música ao vivo da banda Os Camelos, distribuição de doces orientais tipo baklava, tapetes persas e adestradores de animais acompanhados de cobras, falcões, corujas e macacos receberam os convidados numa espécie de tenda das mil e uma noites, do tipo que seduziria de Sheherazade a Aladim. Bem verdade que a música tinha sonoridade mais indiana que árabe, mas… Quem liga? Belezura total. E, óbvio, o povo nem percebeu que se tratava de licença poética.
Com menos de dois anos de existência, a marca aposta em odaliscas, gênios e haréns como pano de fundo para peças que primam pelos estonteantes prints corridos, com efeito lisérgico, tudo bem exotique. Se a finada Yes, Brazil era a grife por excelência das policromias feitas em silk screen, a Paradise dá vazão à sua genealogia fashion para brilhar no estampa digital. Sinal da evolução dos tempos. Com um detalhe: quem disse que a brand se acomoda na ascendência? Nada disso, ela tem luz própria.
Mas não para por aí: Thomaz e Patrick sabem dar continuidade à verve da Yes de trabalhar a camisaria com pompa e circunstância, coordenando tudo com calças, saias e bermudas da hora. E ainda investem na moda praia. Afinal, os anos de Blue Man deixaram sua marca.
O baiano Guto Carvalhoneto quer causar. O moço – que depois de cursar escola de moda no Rio foi estudar no Studio Berçot, voltou à Cidade Maravilha, dá aula de antimoda na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage e criou sua marca há cinco anos – agora estreia no RMR com a coleção “O primeiro grito“.
Na passarela, além do seu apreço pela alfaiataria e pelas experimentações, ele apelou para uma apresentação teatral, performances, vídeo, modelagens conceituais, simulacros de medusa e a presença inquietante de Carô Renno, cantora do coral lírico do Palácio das Artes (BH) que tem alopecia universal, ou seja, não tem um pelo no corpo sequer. Ela interpretou uma alienígena que aterrissou no Sertão, quase numa versão brazuca de Bowie e seu homem que caiu na Terra, prafrentex e diferentona.

Teatro, conceito, alienígena sem cabelos e uma medusa que lembra a Medeia de Pasolini: Guto Carvalhoneto estreia no Rio Moda Rio abusando do operístico (Foto: Agência Fotosite / Divulgação)

A cantora careca: não é Ionesco, mas tem tudo a ver. Carô Renno canta em coral e impressionou na apresentação de Guto Carvalhoneto nesta primeira edição do Rio Moda Rio. As extensões na lateral da peça aludem aos pregadores de roupa nas camisas que a alien interpretada pela artista roubava dos varais após cair no sertão (Foto: Agência Fotosite / Divulgação)
Chegado ao slow fashion, o estilista acerta em várias modelagens, derrapa de leve em outras, abusa da Sinead O’Connor tropical e ainda apresenta alguns looks criados para impactar, mas que nem sempre contribuem para o todo. Apesar disso, vale a pena conferir seu trabalho, ainda que o rapaz erre feio na principal regra que tornou a Broadway e Hollywood a meca do entretenimento: o timing. A noção de que o tempo de um espetáculo – seja moda, balé, ópera, concerto, filme ou teatro – deve ter a duração exata para deixar o gostinho de “quero mais” não foi respeitada pelo designer, que excedeu a duração do desfile e do curta-metragem que o antecedeu. The Flash, meu bem, The Flash. Desfile não é novela de Luiz Fernando Carvalho, não...
Dona da Martu há dez anos, Marta Macedo não é exatamente uma estreante em eventos de moda. Já participou em 1993 daquele que embrionou a Semana Barrashopping de Estilo, que por sua vez desembocou no Fashion Rio: a Semana Leslie de Moda, sediada no Museu de Belas Artes. Lembro perfeitamente de quando ela ainda era minha aluna numa faculdade de moda, há quase 25 anos atrás e seus olhos brilhavam quando pensava em criação. Óbvio que iria vingar.
De lá para cá, Marta só amadureceu e hoje toca sua grife com brilho. Literalmente, inclusive. Seus vestidos de festa brincam com plumas, franjas e materiais brilhantes com uma modernidade glam rock. E esbarra no tipo de festa bafônica que André Lima costumava fazer na marca homônima. Não é à toa que ela contou com consultoria criativa do paraense.
Dentre os looks desfilados, os vestidos com caudas prolongadas foram delicinha. E que caudas! Certo aroma de virada dos anos 1920/30 tomou conta da passarela e um tempero de Josephine Baker fez parte da apresentação. Na trilha, Rodrigo Pena arrebentou, indo de Philip Glass a Hot Gossip.
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