Os 15 minutos de ovação em pé que “Os Banshees de Inisherin” (The Banshees of Inisherin, 2022, Irlanda-UK-EUA) recebeu em setembro passado na sua première mundial em Veneza – um recorde no festival de cinema mais antigo do mundo – escancararam a carreira triunfante que o filme do diretor londrino Martin McDonagh trilharia desde então nos festivais de Toronto e Filadélfia, até a sua estréia nas salas de cinema em outubro, quando a obra passou a ser incluída na maioria das listas de “Melhores do Ano” da crítica especializada da Europa e dos Estados Unidos. Depois disso, sobreveio uma saraivada de indicações e premiações mundo afora em que se destacam as oito indicações para o Globo de Ouro, vencendo em três delas, e – coroando a temporada de honrarias cinematográficas – as nove indicações para o Oscar da Academia de Hollywood. No próximo dia 12 de março, no Teatro Dolby em Los Angeles, provavelmente testemunharemos uma nova chuva de estatuetas despencando sobre a produção. Mas o que faz dessa inusitada e misteriosa fábula tragicômica uma experiência cinematográfica tão estimada?

"Os banshees de Inisherin dispara como favorito ao Oscar 23.
Enquanto espera um punhado de estatuetas na cerimônia da Academia de Hollywood, “Os Banshees de Inisherin” já acumulou prêmios importantes como o de ‘Melhor Ator’ (Colin Farrell) e ‘Melhor Roteiro Original'(Martin McDonagh) no Festival de Veneza; e os Globos de Ouro de ‘Melhor Filme de Musical ou Comédia’, ‘Melhor Ator de Musical ou Comédia’ e ‘Melhor Roteiro’. (Imagem: Reprodução)

É desnecessário repisar aqui sobre a excelência da direção, das atuações de todo o elenco, da fotografia, do desenho de produção, dos cenários e figurinos, do som e da trilha musical, pois os prêmios, o apreço da crítica e a reação de encantamento das plateias vêm atestando abundantemente os predicados do filme desde a estreia. Portanto, não é o casamento harmônico entre os trabalhos de artistas e técnicos excepcionais – os quais, aliás, abundam no cinema britânico – que explica o impacto de “Os Banshees de Inisherin” sobre as nossas emoções. A potência do filme brota fundamentalmente das premissas do roteiro original de autoria do próprio McDonagh, cujas habilidades e imaginação como autor de “dark comedies” em peças teatrais e argumentos cinematográficos vinham se aprimorando desde os anos 1990.

Confira abaixo o trailer oficial de “Os Banshees de Inisherin” (Divulgação):

A simplicidade do seu enredo é enganadora: em 1923, enquanto a guerra civil entre nacionalistas e republicanos estava acabando no continente, a petrificada rotina na fictícia e isolada ilha de Inisherin é subitamente rompida quando o músico Colm Doherty (Brendan Gleeson) decide dispensar a amizade do seu amigo de bebericações no pub Pádraic Súilleabháin (Colin Farrell), pequeno proprietário rural um tanto tolo e aborrecido. A razão é que Colm, angustiado com o escoar modorrento do tempo, quer entregar-se exclusivamente à composição de música folk a fim de transcender o fim inevitável de todos os seres vivos, supondo assim deixar um legado artístico depois da sua morte.

Tanto a música incidental de autoria de Carter Burwell – integrante habitual da equipe de McDonagh – como aquela executada em cena são fundamentais para criar um espaço em que se mesclam um clima de conto infantil com o misticismo das sonoridades celtas. (Imagem: Reprodução)
"Os Banshees de inisherin dispara na corrida do Oscar.
A labiríntica geografia de Inisherin, recortada por uma profusão de muros de pedra, caminhos e encruzilhas, traduz metaforicamente as distâncias físicas e emocionais sentidas entre os personagens, prisioneiros da rotina e da estagnação. (Imagem: Reprodução)

Pádraic não compreende e não aceita essa resolução do ex-amigo. Profundamente ferido pela rejeição e diminuído perante a pequena comunidade de aldeões maliciosos e intrigantes, inicia uma escalada de desacatos e vinganças que abstemos de detalhar a fim de evitar spoilers. A degradação fatídica da relação entre Pádraic e Colm é então assistida com indisfarçado gozo perverso pelos habitantes de Inisherin, os quais no seu conjunto representam um microcosmo da sociedade humana na plenitude dos seus habituais impulsos mesquinhos e grotescos, embora três solitários personagens escapem desse padrão: Siobhán, a lúcida e afetuosa irmã de Pádraic (a maravilhosa atriz Kerry Condom, a Otávia da série “Roma” da HBO); Dominic (Barry Kheogan), uma versão juvenil de “louco de aldeia”, e principalmente a Sra. McCormick (Sheila Flitton), a agourenta representação da banshee local (leia mais abaixo).

"Os banshees de Inisherin dispara como favorito ao Oscar 23.
A atmosfera entre mágica e irônica dessa fábula com tons de perversidade – aliás, como todas as fábulas – é acentuada pelo papel essencial dos animais domésticos na progressão da história e na vida afetiva dos personagens, como a relação patética de Pádraic (Colin Farrell) com a asna Jenny e a do seu desafeto Colm (Brendan Gleeson) com o respectivo cão. (Imagem: reprodução)

A mais admirável qualidade da obra de Martin McDonagh reside na forma como ele se arrisca ao se conservar fiel a uma delicadíssima linha narrativa perfeitamente equilibrada entre o pândego, o trágico e o absurdo enquanto a plateia se mantém apreensiva diante da macabra e ridícula progressão desse confronto de pretensões, vaidades e frustrações. Mas ao final de “Os Banshees de Inisherin“, percebemos que as trajetórias de Pádraic e Colm não são na verdade impulsionadas ou delimitadas por esse duelo, mas sim pelo terror que experimentam diante da inutilidade, da solidão e da fugacidade que marcam suas existências.

Para fechar, confira abaixo o deslumbrante cenário de “Os Banshees de Inisherin:

"Os banshees de Inisherin dispara como favorito ao Oscar 23.
A fictícia ilha de Inisherin é um composto de locais selecionados em duas diferentes ilhas situadas na costa oeste da Irlanda: Achill e principalmente Inishmore que preserva uma arraigada cultura céltica, importantes vestígios arqueológicos como os fortes pré-históricos de Dún Aonghasa construídos sobre falésias com 100 metros de altura (foto), visíveis no filme (Reprodução)

* Por Flávio Di Cola

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