A 8ª edição da ArtRio terminou na noite deste domingo (30/9) com saldo positivo, apesar da crise. Segundo a organização do evento, 48 mil pessoas frequentaram a feira de arte montada na Marina da Glória, desde a abertura privê para convidados vips na quarta (26/9).
Espaços como o da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), Rio, venderam todo o estoque, inclusive as pequenas obras de Beatriz Milhazes que causaram burburinho entre o público. Claudio Cadeco Pinto, da Galeria Inox, afirmou que várias peças exibidas no estande foram arrematadas rápido: “Além disso, vendemos itens que não trouxemos, mas estão no nosso catálogo. Os clientes compraram por ipad. E ainda tem o pós-venda, na própria galeria, que é forte”, afirma. Já a artista plástica Viviane Teixeira, representada pela Galeria Movimento, é outra que saiu satisfeita: “O quadro que eu trouxe para cá foi vendido na sexta”.
Na onda desse otimismo, e aproveitando a proximidade do badalo artsy com as a eleições, ÁS circulou pelos pavilhões do evento para investigar, entre os amantes das artes plásticas – artistas, galeristas, marchands ou simplesmente curiosos – qual obra exposta na ArtRio elegeriam para dialogar com os eleitores do próximo domingo. Afinal, vale a conferida nesse momento ímpar da história do Brasil, quando reinam a polarização de extremos, a intolerância (na vida real e nas redes sociais), a censura a mostras como “Queer Museu“, a violência sem controle e o desrespeito individual e grupal ao direito democrático. Confira!

Hilda Araujo é galerista do escritório de arte que leva o seu nome. Paulista sensível ao que acontece do Oiapoque ao Chuí, ela escolheu o relicário de Os Gêmeos exposto no seu próprio espaço: “Eles usaram como base uma peça que pertenceu ao avô. Seu colorido, as formas, as aplicações divertidas e carnavalescas em paetês, o pavão que dá o título ao trabalho, tudo isso me faz acreditar que esse oratório tem tudo a ver com o momento. A intolerância religiosa, a ascensão de grupos fundamentalistas no mundo e aqui, a maneira radical com que as pessoas andam interagindo nas redes sociais, quase religiões fanáticas, precisamos dessa leveza, do colorido e irreverência dos rapazes, da poesia…” (Foto: Virginia Nuñez para Ás na Manga)

Claudio Cadeco Pinto, da Galeria Inox, e Marcia Zoé Ramos, curadora e pesquisadora de arte, não vão votar no mesmo candidato no dia 7. Mas dão show de democracia quando respeitam a escolha do outro. Além da convergência quando o assunto é desejar uma virada para o Brasil, os amigos também dividem a opinião sobre o cubano radicado na Espanha Jorge Mayet, cuja instalação com delicadas árvores flutuando sobre escombros encantou quem visitou a ArtRio. Para Marcia, a obra dele “tem tudo a ver com a agenda da sustentabilidade, questão que não é pauta só no Brasil, as no mundo inteiro. Ninguém hoje consegue governar sem pensar nessa questão. “Essa obra é sobre a Havana decadente, sobre a reconstrução a partir daquilo que ficou deteriorado. Como nós precisamos fazer”, completa o galerista (Foto: Virginia Nuñez para Ás na Manga)

Carina Bokel fez transição, mas permaneceu na arte. De top model nos anos 1980/90 a artista plástica, enveredou pela marcheteria e hoje abriu o leque. “Acho desesperador o labirinto a que chegamos. Topo da crise política e social e, mesmo assim, boa parte da população não quer renovação. Pior: temos uma polarização medíocre, impulsionada pela internet, onde tudo é preto & branco. É preciso abrir o diálogo. A obra do Vik Muniz, com essa pluralidade de cores e tons, reflete como deveríamos pensar, sem acreditar que só existem extremos” (Foto: Virginia Nuñez para Ás na Manga)

Produtora de moda e figurinista, Jaqueline Sperandio é poética na hora de analisar as eleições: “Os tempos estão obscuros, mas o centro dessa obra do Ricardo Becker diz tudo. A névoa se dissipa se nos mantivermos conectados com nosso interior iluminado” (Foto: Virginia Nuñez para Ás na Manga)

Para o galerista Wagner Ferrer é preciso ter certa gana na alma para poder votar bem. Ele posa entre as esculturas do Andrey Zignnatto, “De todas uma mesma terra”, feitas com barro. E esclarece: “É a união de terras de lugares que testemunharam revoltas populares arcantes na história do Brasil. Registros metonímia da busca da difícil unidade política, social e racial de um país em eterna formação” (Foto: Virginia Nuñez para Ás na Manga)

Panmela Castro é do bem. Muito do bem. A artista urbana e grafiteira comanda uma ONG que introduz a arte a mulheres negras de periferia. “Sou uma negra de pele clara; sou privilegiada por não sofrer tanto o preconceito que vem do colorismo, do fenótipo”. Ela escolhe o quadro do Tinho, exposto pela Galeria Movimento. “Os brinquedos que tapam sua visão são reflexo de quem faz uma arte muito política que fala da exclusão social, que veda as pessoas, que deixa as crianças à parte. Essa crise cíclica do capitalismo, que volta e meia traz à tona essa onda conservadora, prova que nossa estrutura social é falha e que nós, intelectuais, temos que pensar novas possibilidades e exigir mudanças reais”, dispara (Foto: Virginia Nuñez para Ás na Manga)

A carioca Viviane Teixeira é artista com trajetórias pela Escola de Belas Artes da UFRJ (EBA) e a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV). Ela exalta o empoderamento: pinta figuras femininas soberanas de corte, personagens de cenas teatrais, nas quais a sua realeza se dá na semiótica, na significação das roupas, dos adereços, das coroas. A ruiva elege o trabalho de Arthur Arnold para representar esse momento de eleição: “Ele fala da dissolução da individualidade das massas humanas, que ele faz através das tintas. Perfeito quando todo mundo vai na onda do que se fala nas mídias sociais. É o Flamengo ali no quadro!” (Foto: Virginia Nuñez para Ás na Manga)

A marchand Silvia Cintra é categórica: vai de Nelson Leirner. “Esses dois quadros – “Assim é se lhe parece” (2003) -, vendidos separadamente, que mostram esse diálogo América do Norte x América do Sul, cujos discursos são representados pelo Mickey e por caveiras numa via de mão dupla, é atualíssimo”. Obviamente, ela faz alusão à questão do radicalismo que elegeu Trump e que pode levar Bolsonaro ao Palácio da Alvorada (Foto: Virginia Nuñez para Ás na Manga)

Mas Silvia não para por ai. Ela ainda faz questão de revelar a obra “Missamóvel”, do mesmo Nelson, no qual a procissão de frágeis figuras de porcelana sobre um longo skate que pode derrapar a qualquer momento revela o perigoso percurso daqueles que, nas urnas, perigam seguir no embalo das massas para depois se esburacar em uma curva mais adiante. A arte imita a vida? (Foto: Virginia Nuñez para Ás na Manga)

O psicanalista Antonio Pedro selecionou os dois quadros de Camila Rocha para destacar um tema crucial para se pensar nessa eleição: “O saque do Brasil se dá inclusive na forma como nossas riquezas naturais estão sendo sistematicamente pilhadas, destruídas. Essa pauta está na ordem do dia e é gravíssima!” (Foto: Virginia Nuñez para Ás na Manga)
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