Há algumas temporadas estamos observando as marcas do prêt-à-porter à Haute Couture investindo em estilos oníricos, impregnados de referências lúdicas, românticas e ultrafemininas; reflexo de um mundo cada vez menos vertido em beleza e otimismo. Na Semana de Moda de Londres, que terminou na última segunda (24), esses códigos foram reforçados na esteira dos desfiles europeus, assim como aconteceu em Nova York (leia aqui!). Costumamente ancorada numa moda de vanguarda, onde as ideias e pensamentos sobrepõe o comercialidade e usabilidade das coleções apresentadas, na semana de moda londrina esse perfil se refez através de roupas que, mesmo sob o viés político, pretendem emplacar por meio do resgate de elementos clássicos em peças vintage repensadas (tendência da vez).
A maneira encontrada foi apelar à memória afetiva, afinal, quem não cresceu sonhando com aquele casaco de lã do pai ou o vestido de seda pura todo trabalhado da mãe? Esse resgate de elementos de teor sentimental, respinga em coleções que mostram a dicotomia entre a vida adulta e a infância em vários momentos. Não à toa já apontamos que o mood fashion atual é brincar, um exemplo são as peças amadurecidas dos vestidos de laço de fita feitos por Simone Rocha, assim como a facilitação de uso de roupas de festa no dia a dia, como propôs Richard Quinn. Se a utopia atual é sair na rua como se tivéssemos acabado de garimpar itens do guarda-roupas dos nossos pais ou resgatar elementos xodó que usávamos e amávamos na infância/adolescência, a LFW é prato cheio. Confira os destaques do ÁS!

Pauline Dujancourt
Mestre na criação de roupas oníricas, a estilista francesa Pauline Dujancourt mostra que há poesia na trivialidade. Apostando em temas e estéticas banais, mas não menos sofisticados, ela incrementa vestidos, saias, jaquetas de um romantismo absoluto com caráter artesanal e artsy. Aficionada por crochê e tricô, ela dá uma abordagem moderna às técnicas, outro ponto alto da temporada de outono/inverno 2025, já que o handmade voltou a ganhar força pela exclusividade e apelo sustentável das tradições.

Numa passarela levemente iluminada, as ideias da designer baseada em Londres flanam entre árvores secas e projeções de pássaros nas paredes. As sobreposições constroem camadas lindas, através de drapeados, tecidos soltos, e desfiamento dos tricôs, que dessa vez surgem também nas bolsas. A cartela de cor deu o tom à uma coleção de teor leve e delicado, pois empodera as mulheres com as possibilidades do vestir oferecidas pela marca homônima.
Burberry
Mestre do traço, Daniel Lee está reescrevendo a Burberry como a conhecemos. Pautado na cor como elemento formativo desse jogo intelectual de fazer moda, o estilista inglês não se prende ao rigor estético da etiqueta e faz disso seu maior aliado na hora da criação. Com uma coleção bem dividida para eles e elas, modelagens, estampas, texturas e sobreposições inteligentes não faltaram nessa temporada.

A alfaiataria impecável agora vai de encontro às inspirações campestres, o look estilo montaria que abre a apresentação já aponta a bússola para esse encontro da urbe com a tradição. O emprego de lenços, cachecóis e guarda-chuvas no xadrez da casa mostram que o alarde sobre um código tão famoso é mero detalhe, e destaca novas proporções, emprego de tecidos como gabardine, veludos variados, lã, couro e bordados sóbrios, indicando que a atemporalidade é mais sobre qualidade de uma boa ideia do que um elemento de fácil identificação.
Dilara Findikoglu
Sim, Dilara Fndikoglu continua debulhada num fascínio existencial delicioso de acompanhar. Fiel à ideia da roupa com fervor revolucionário, a estilista turca radicada em Londres é a atual amável anarquista da moda. Sua nova coleção para a marca que carrega seu nome, assim como as anteriores, também provoca o olhar e nos leva a um beco sem saída… ou seria a uma nova liberdade?

Os elementos punk, as modelagens que ressignificam roupas da realeza, como corsets e casacas, a enfezada estilista mostra que aprendeu a botar um show de pé com seu ex-chef na Maison Margiela Artisanal, John Galliano. Toda sua passarela é posta de forma firme, mas muito sexy e feminina, mostrando a pluralidade do sexo quando o assunto é discuti-lo. As blusas inspiradas pela moda do século XVI dão match cool com as calças de cós baixíssimo e funcionam quando misturadas a elementos contemporâneos, como os headphones e tênis Converse All Star.
Richard Quinn
No começo foi o escândalo, no final também. A moda de Richard Quinn é ato dramático, pautada na onipresença da tradição com uma pegada audaciosa que surge vez ou outra. No seu exercício constante de levar a moda festa para o dia a dia, ele faz do drama o seu trunfo maior e parece que ele está no momento ideal para seguir com esse apelo. Dono de uma moda que brinca com estéticas datadas e as descaracteriza (ou as satiriza) em prol da desconstrução, para o Fall/Winter 25 ele nos convidou para uma festa.

Com laços e laçadas regendo a ópera maximalista do estilista, a teatralidade do fashion show seduziu. São bonecas de luxo recém-saídas de suas caixas para mostrar o mundo que um bom vestido nunca será substituído pelas efemeridades ditadas nas redes sociais. A série de florais é infalível e os bordados ultrachiques abrilhantam alguns vestidos de noiva e outros que poderiam servir às madrinhas e demais convidadas desse casamento da moda vintage com a mulher que ele veste.
Simone Rocha
O idealismo romântico de Simone Rocha é um retrato fiel da sociedade, pois investiga nossos comportamentos e desdobramentos das nossas ações. Após assinar a penúltima coleção de Alta Costura de Jean Paul Gaultier (veja aqui!), a estilista irlandesa laços em fitas alguns vestidos longos e acinturou outros — característica que ela não costuma explorar — representando a dualidade do feminino e do seu papel como mulher na moda. Se para o designer francês ela recriou os famosos sutiãs cônicos, na sua própria marca ela dispensa a demarcação dos bustos, que conhecidamente já são definidos na própria etapa da modelagem padrão aqui e lá fora. Para ela, jogar com a liberdade requer fugir de lugares comuns e arriscar sem medo, portanto, foi isso que vimos em cena.

O uso desenfreado de peles falsas também respinga na nova coleção da marca, mas vem com uma história melhor amarrada, usadas em golas, tops, shorts, lapelas e não apenas nos maçantes casacos de pele que prometem seguir bombando. A lebre e a tartaruga a tiracolo dos modelos contam a história da sua relação com a maternidade e esse universo infantil, mas são equilibrados aos aviamentos pesados, recursos fortes de styling e de forte apelo comercial, dialogando facilmente com millenials de genzers.
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