“Em arte, nada deve parecer obra do acaso, nem sequer o movimento.“, declarou Edgar Degas, mestre do Impressionismo conhecido, sobretudo, pela sua visão única de registrar o mundo do balé e seu lado obscuro. Com a devida licença poética para adaptar a declaração do artista francês, em moda, até o acaso vira movimento pujante, mesmo em tempos nebulosos. Se na temporada de alta costura vimos uma enxurrada de coleções embonecadas e provavelmente inspiradas pelo show-catarse de John Galliano para a Maison Margiela Artisanal, na Semana de Moda de Nova York essa narrativa está embebida de um saudosismo que dialoga com o futuro, rendendo versões repaginadas de estilos e itens do vestuário clássico.
Enquanto o pintor antes citado pincelava imagens que captavam certa realidade — prática incomum dentre os demais nomes do movimento impressionista, que se empenhavam para criar registros ágeis do tempo através da pintura mais embaçada —, a temporada nova-iorquina, comercial às últimas consequências, mostra que a agilidade para se destacar a qualquer custo não é a tônica da vez. E, ao final, foi tão impressionante quanto Degas e suas bailarinas misteriosas e inalcançáveis. Duvida? Confira o Top 5 do Ás na Manga para os destaques da NYFW!

Thom Browne
Herdeiro tardio do barroco, a apresentação de Thom Browne durante a NYFW 2025 é um assalto à tradição. Na alfaiataria ele busca a construção, no streetwear encontra formatos e caimentos variados e através do Corp Core enviesa seu styling absurdo numa coleção que segue como parte do exercício de explorar as possibilidades de roupas clássicas. Revolta e poesia na passarela, como não gostar?

Os elementos masculinos e femininos têm contornos cada vez menos delimitados aqui. Entre saias cujas pregas lembram gravatas e camisaria sobreposta por vestidos artsy, o estilista gera visões de um mundo em sinergia constante. Um banquete fashion para quem curte mixar elementos e brincar com o papel de gênero sem enviesar na militância, apenas na diversão. Respiro necessário em tempos de repressão nada velada.
Calvin Klein
Na busca do paraíso perdido para retornar ao patamar que um dia ocupou, a Calvin Klein promove uma revolução silenciosa. Comandada pela diretora criativa Veronica Leoni, primeira mulher a ocupar essa cadeira na marca, há uma nítida ruptura com o caminho traçados pelos estilistas que criaram para a label nos últimos anos. Resgatando uma visão cult&cool para etiqueta, a investida rendeu clássicos do guarda-roupa feminino, mas com uma leveza que facilmente pode encantar novos consumidores; o sonho de qualquer marca.

Além da cepa masculina classuda e aspiracional, os looks para elas geram esse desejo imediato de foco em peças de qualidade e que chamam atenção pela atemporalidade. Cria de Phoebe Philo na Céline (à época com acento), a designer italiana mantém o aprendizado e preza por cortes retos e práticos, mas insere texturas, repensa modelagens e ajusta necessidades ao novo look CK. Tudo para fazer com que um item possa ser lido, mais uma vez, sob nova luz.
Anna Sui
Anna Sui tem a moda como necessidade interior. Na construção da sua concepção de um mundo impossível, a estilista americana transformou-se numa inconformista e profeta. Quem diria que sua mais recente apresentação na NYFW (evento no qual ela integra o calendário desde 1991) finalmente brindaria seu sonho principal: o estilo maximalista forjado em elementos vintage ganhando o apreço dos jovens. Anna não é muito de falar, dá poucas entrevistas, mas quando o trabalho fala por si só, para quê alardear mais? Sua referências são artísticas e cinematográficas, resultado de uma criação erudita que respinga em cada traço criado por ela.

Dessa vez, o jogo de tecidos austeros em cores vibrantes deu vida a casacos de veludo-cotelê fúcsia, vestidos de seda estampados, tops transparentes que imitam vitrais, justificando o nome da coleção: “Madcap Heiress“, tipo herdeira excêntrica, sabe como? Ao som do jazz, as roupas entregam drama, sobreposições conscientes e muita performance. Num mundinho cada vez mais boring e empobrecido de referências, é na loucurinha que a gente esbarra no sonho.
Coach
A Coach virou queridinha das gerações Z e millenials pelas mãos do estilista britânico Stuart Vevers. Isso se deu pela assertividade de construir um estilo pautado na consistência, sem distrações ou barulhos desnecessários que as redes sociais (sempre in loco) demandam dos jovens designers. Depois de homenagear NY na última coleção, a marca aposta na diversão ininterrupta para receber o outono/inverno 2025-26, enquanto constrói uma identidade atual e libertária.

Com as temperaturas mais amenas se aproximando — apesar do caos climático que o mundo vivencia —, a fornada de peças inclui calças jeans lavadas, tingidas, em modelagens oversized, e também investe na terceira peça sobreposta. A proposta resulta numa silhueta trapézio despretensiosa, marcada eventualmente por cintos sobressalentes, bolsas a tiracolo (algumas com tricôs amarrados, chaveiros de pelúcia e outros penduricalhos saltando para fora) e óculos irreverentes que incrementam essa estética urbana de luxo.
Marc Jacobs
Apesar de não integrar oficialmente o calendário da NYFW e de lançar o Verão 2025 enquanto todo mundo está se aquecendo, seria impossível não citar Marc Jacobs e sua coleção “Courage” nessa temporada. Afinal, ele é tempestade depois da acalmia e todo mundo curte uma anedota exagerada em forma de roupa. Amante formas gráficas, o designer estadunidense inflou looks também inspirado nessa estética boneca de pano gráfica. A genialidade de transformar peças-chave do guarda-roupa moderno em opções parecidas com as versões dos desenhos animados convencem, encantam e geram demanda. Afinal, quem quer um casaco trench coat marrom sem graça, quando Jacobs oferta uma versão puffer lúdica, esquisitíssima e linda de doer?

A verdade é uma só: poder assistir Marc Jacobs em plena atividade ainda é privilégio. Baluarte do ofício, o estilista possui uma visão de mundo muito particular e completamente inusitada. Os sapatos com o bico espichado e as botas gigantes e arredondadas arrematam saias em forma abaloada, vestidos de festa recheados complementam a beleza clown que ele adora brincar. Delírio criativo que faz falta, mas que dá sinais de que será muito mais visto enquanto o ano avança.
*Por Andrey Costa
Foto destaque: Divulgação
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