Poucas experiências em semanas de moda no Brasil conseguem ser mais prazeroras que conferir de pertinho uma coleção criada por Luis Claudio, da Apartamento 03. ÁS estava lá quando o rapaz começou a desfilar, ainda no Minas Trend, há cerca de 15 anos, na companhia valiosa de outras grifes bacanas, como a Plural, de Glaucia Fróes, e a Jardin. Já despertava atenção. De lá para cá, o estilista alçou voo, foi absorvido pelo São Paulo Fashion Week (SPFW) e acabou virando carro-chefe de todas as edições. Por trás dos temas propostos a cada temporada, a marca reúne o essencial manuseado com brilho: alfaiataria de cair o queixo, contemporaneidade de fazer salivar, modelagem impecável com materiais primorosos. Tudo isso aliado a uma cartela de cores chique de dar nó, estampas de tirar o fôlego e um tempero conceitual capaz de fazer o moço ser percebido como grande em qualquer lugar do planeta.

Dessa vez, ele oferece café para criticar o limão com que a população preta vem sendo tratada no Brasil desde a colônia. Como bom mineiro, Luiz Claudio curte uma boa prosa. No seu caso, sabe transmutar aquele papo que vem a reboque do cafezinho em narrativa na passarela, onde dá a conta do recado não apenas na coleção, mas também nas alfinetadas com que espeta a sociedade para deleite de uma amplitude de amantes da moda que inclui uma intelligentsia negra de primeiro time e que enxerga nele panfletagem única, que extrapola o palanque para atingir o alvo no bafão das altas rodas. Ele faz roupa de rica(o), de bem-nascida(o), cria para quem gosta de se vestir com muita verve, mas não abdica de mostrar, muito classy, que é preto e chegou lá. O que é ótimo. O Brasil precisa desse tipo de porrada chique e é bom ver que Luiz, mesmo sendo a opção de gente fina de todas as cores, deixa claro que, num país tão desigual, representa o preto que, a despeito da nefasta origem na senzala, pode perfeitamente ocupar um belo triplex com todas as regalias que deveriam ser possíveis a todos. Mais que desenhar moda, Luiz borda esperança.

Em “Grão“, esse mineiro deluxe celebra o café em sua dicotomia. Se, por um lado, ele é convite à memória afetiva de reminiscências tanto individuais quanto coletivas, o motivo perfeito para o encontro de almas que se abrem em confidências, dividindo intimidades, por outro lado é o grão que escravizou a população preta ao longo da História do Brasil, vetor do acúmulo de riquezas para muitos poucos à custa do suor de tantos, inclusive na construção de São Paulo, para onde o designer se mudou. “Schulept, schulept”, tapa na cara.

O repertório da Apartamento 03 está todo lá: paletós maravilhosos, o jogo de brilho e fosco que tanto Luiz aprecia, fluidez versus construção, macacões sensacionais, homens de saia, plissados, sobreposições, transpasses, shapes soltos em contraponto a outros mais secos. Falar sobre isso é chover no molhado, encharcar a lavoura (de café). Fotos falam sozinhas.

Então, o que resta a esse jornalista, estupefato, é enfatizar alguns aspectos que fizeram desse cafezinho um banquete para os olhos: a risca de giz que mescla o próprio padrão do tecido com efeito criado com canutilhos, a passagem do paetê ouro mate para prata em alguns looks, o uso do veludo e o requinte da pedraria opulenta bordada sobre o tecido plano, seja no vermelho rubi sobre marrom ou no verde esmeralda sobre o preto, destacando ainda a estampa criada por Paulo André, amigo da UFMG, o ótimo styling com cobras coral que saem e entram em bolsos e decotes, o belo tie-dye que se estende aos calçados (lindos!) de Virginia Barros e as bolsas da O Jambu, marca engajada nascida do encontro entre a norte-mineira Carol Maqui e o paraense Swami Cabral. Sem falar, óbvio, na presença magnética de Zezé Motta fechando a catwalk. Luxo define.

Confira abaixo mais imagens do desfile da Apartamento 03 no SPFW (Fotos: Divulgação):









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