* Por Alexandre Schnabl
Terminada a 40ª edição da São Paulo Fashion Week, ÁS faz um balanço e destaca os pontos fortes dessa temporada. Para começar, vale mesmo comemorar os 20 anos do evento e o esforço incansável de Paulo Borges para manter o calendário de lançamentos de pé. Durante o evento, ele recebeu homenagem no lounge da Abit, quando dedicou a trajetória a todos os envolvidos ao longo desta jornada. E a crise? Bom, a crise permanece não só na moda, mas em todos outros setores da economia. Naturalmente, ela não poderia deixar de afetar a SPFW. Apesar da volta à Bienal do Ibirapuera – uma delícia, o local inspira! –, foi possível perceber uma estrutura mais enxuta para viabilizar um evento quase monástico: menos decoração exuberante, menos patrocinadores, salas de desfiles bem menores, menos celebrities tanto na front row quanto na passarela, grifes investindo pouco em cenários e mimos para atrair os vips.
Nada disso tirou o brilho do conjunto. Afinal, não é brincadeira por uma realização dessas de pé quando a economia nacional anda em pandarecos, o Brasil tem sua cotação de risco ampliada pelas agências internacionais (o que diminui o investimento externo no país) e as grandes empresas por aqui voltam seus recursos de marketing e comunicação para os eventos esportivos (leia-se Olimpíada). Isto por si só torna mais louvável ainda a empreitada de Paulo, que tem uma visão muito particular da questão: “A crise está aí, assim como todas as outras que já vieram e ainda virão. Já foi preciso remar contra a maré muitas vezes e agora não é diferente. Lidar com a crise é somente mais uma faceta do empreendedorismo que é feito no sentido de tornar a moda brasileira viável.”
Por outro lado, menos glacê no bolo pode ser fundamental para destacar justamente a cereja da cobertura: as coleções de 29 grifes. Entre os destaques (que também podem ser conferidos nos posts individuais aqui no ÁS, leia!), mais uma vez a presença da Riachuelo como patrocinadora da SPFW, agora trazendo Lethícia Bronstein em uma coleção exclusiva, Lethícia para Riachuelo. Além da importância do fast fashion como fenômeno que mantém as engrenagens da moda girando – e pela sua capacidade de absorver expoentes do mercado nessas coleções autorais –, dá gosto ver o resultado da estilista nessa linha. No repertório, muita renda e animal print (alguma dúvida que vai bombar nas lojas?), mais uma forte pitada pervie (sim, o fetiche é influência da temporada), que também apareceu trepidante no desfile de Helo Rocha, foi tema de Herchcovitch e ainda encerrou a temporada no Halloween da Amapô.
Vale comemorar também a boa estreia da Ratier, que veio forte tanto no feminino quanto no masculino. A novata investiu nos guerreiros medievais, outra tendência forte na estação. Talvez o sucesso na TV de “Game of Thrones“ e sua vitória como ‘Melhor Série Dramática’ no Emmy sejam combustível para as grifes que apostaram nesse tema, aproveitando sua popularidade como appetizer para as vendas. A marca, criada há menos de um ano por Renato Ratier (da D-Edge) desfilou bem e ÁS torce para que vingue e permaneça no line up. Na passarela, os tricôs somam-se às peles e couros, todos materiais fortíssimos para o próximo inverno. E, despindo as peças do styling de passarela, surgem ótimas opções de investimento para o guardarroupa, como os casacos, calças e bermudas para eles e elas.

Ratier aposta em “Game of Thrones” e homenageia o mocinho John Snow e seu lobo Fantasma na SPFW – inverno 16 (Foto: FOTOSITE / Rafael Chacon / Divulgação)
Com inspiração nos povos nórdicos (e também na atração televisiva da HBO), Gloria Coelho transporta para o feminino o mocinho John Snow (interpretado por Kit Haringtonno seriado, será que ele volta na próxima temporada?) e ainda traz para os tempos atuais personagens femininas como a perversa Rainha Cersis (Lena Headey) e Sansa Stark (Sophie Turner). Obviamente, couro e pele comparecem nessa coleção de frio na qual a estilista deposita toda as fichas. O casacos, jaquetas e mantôs são destaque, assim como a maneira com que ela interpreta o shape medieval, com vestes sobre saias longas ou vestidos longos com fendas laterais, tipo Valquíria de mitologia viking. Uma beleza. Assim como o uso do preto e branco (fortíssimo!) na composição do tweed com o couro, outro destaque.
Em tempo: Tufi Duek, que não desfilou e pulou essa temporada, já havia abordado o tema medieval na coleção de verão, assinada por Eduardo Pombal e com uma Isabeli Fontana em look-armadura. ÁS torce para tanto ele quanto a Triton voltarem logo ao line up.
Na mesma levada medieval, Lolitta Hanud ruma ao passado resgatando Joana D’Arc como protagonista fashion. A estilista já tem a seu favor o fato de o tricô estar em alta dentre as matérias-primas do próximo inverno e ainda pinta e borda com a tendência dentro do minimalismo, se unindo ao timaço de talentos que impressiona nesse segmento, como a GIG Couture. E, como a moça curte para danado um brilhinho, acaba fazendo menção às reluzentes armaduras dos cavaleiros através do metalizado nos fios de lurex que ela tanto ama.
No mais, é interessante ver como algumas marcas podem se beneficiar na hora de escolher temas bem delimitados para as suas coleções, ao passo que outros designers simplesmente ignoram qualquer influência direta de uma tendência. Se Lino Villaventura renega qualquer tendência internacional para dar espaço à sua verve criativa, Lolitta faz parte do time que se diverte partindo de uma época ou cultura específica para fazer boa moda. Desde sua estreia na SPFW, já se esbaldou com a América Latina (de maneira mais literal) e pôs o Egito (estilizadíssimo) na passarela. Tudo com o seu olhar.
Em relação à cartela de cores, entre muitas opções para a temporada, sobressai nesse inverno a mistura de preto & branco com eventual toque de vermelho, como no desfile de Wagner Kallieno. É melhor mesmo ficar no comercial do que se arriscar. Giuliana Romanno, por exemplo, é integrante da patota que aposta nessa pegada, assim como no contrate entre fosco e brilho. Ela também se deixou levar pelas inspirações na cultura nórdica medieval – no caso, o desenho animado “Como treinar o seu dragão“, que assistiu com os filhos –, porém, as referências passam longe no seu caso. Nada literal. No máximo é possível sacar a analogia entre a coleção e as amarrações ou a fluidez bufante de uma camisa de pirata. Ou associar as calças largas com as dos bucaneiros. Fora isso, tem também os fivelões redondos nas gáspeas dos sapatos e ainda os boleros e coletes com comprimento maior atrás, bem bonitos. No fundo, nada que desmereça o trabalho de pesquisa da estilista, já conhecida pelo apreço ao minimalismo chique, a alfaiataria bem talhada e a limpeza de detalhes.
E, se as atenções voltadas para a Olimpíada fecham o clima na moda e resultam em menos investimento no setor, por outro lado o soturno inverno medieval contracena com uma solar pegada esportiva no embalo do evento que vai movimentar o Rio e o Brasil. A Ellus, por exemplo, apresentou forte levada sportswear. E a Osklen, que traz no seu DNA essa paixão pelo esporte, não ficou de fora. Com uma coleção repleta de listras e apropriações dos uniformes esportivos, hoodies se destacam, roupões de natação ou judoca viram casacos ou camisões, shorts de boxeur ganham as ruas com os cinturões de Ultimate Fight dando espaço para cós elaborados. E a amarração dos cadarços de tênis se transmuta em elementos decorativos.
Entre os materiais, moletom veludo de seda sobressaem e se revezam com jérsei e tricô de rayon, tudo para dar aqueles aspecto “molenguinho” (mas chique) que tanto valoriza o conforto tanto nas práticas olímpicas quanto no dia a dia. E, na reta final, rola até print de coroa de louros. Para Oskar Metsavaht, aquele momento de subida no pódio para receber a medalha é indescritível!
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