Quando a Disney adquiriu em 2011 por 4 bilhões de dólares a Lucasfilm e arrematou no pacote a franquia “Star Wars“, ela sabia que, por trás do promissor negócio havia uma batata mais quente que sabre de luz. Saga que cunhou o termo blockbuster, catapultou seu criador George Lucas ao panteão de tycoons de Hollywood e síntese suprema da indústria cultural, a cinessérie ainda arrebata hordas de fãs – para os quais os preceitos jedi são tratados como religião –, renovando o público geração após geração. Desagradar esse fabuloso contingente de plateia seria dar um tiro no pé, jogando no ralo não apenas a enorme quantia gasta na compra da produtora, mas os milhões equivalentes aos custos de lançamento e produção de “Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força” (Star Wars: The Force Awakens, 2015), já em cartaz nos cinemas do mundo inteiro.

“Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força”: com novos personagens e o retorno de Han Solo (Harrison Ford), Leia Organa (Carrie Fisher) e Mark Hamill (Luke Skywalker), 7º longa da franquia “Star Wars” injeta gás na maior saga da história de Hollywood (Foto: Divulgação)
Escolada com os fracassos de “John Carter: Entre Dois Mundos” (Jonh Carter, 2012), “O Cavaleiro Solitário” (The Lone Ranger, 2013) e “Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível” (Tomorrowland, 2015) e amparada pela expertise de “Piratas do Caribe“ (quatro filmes com receita de mais de 1,2 bilhões de dólares só nas bilheterias, com o 5º filme já previsto para 2017), a Disney se mostra afiada nessa ousada empreitada, com números proporcionais à maldade contida no coração de Darth Vader: só no primeiro dia de exibição nos Estados Unidos (esta última sexta-feira, 18/12), foram US$ 120,5 milhões amealhados nas salas de exibição, um recorde intergaláctico, assim como os US$ 57 milhões de venda de ingressos nas pré-estreias de quinta, incluídos dentro deste extraordinário montante de kick off.

“Piratas do Caribe”: série que caminha para o 5º longa-metragem consolidou a expertise da Disney na produção de sagas, o que pode ser atestado em “Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força” (Foto: Divulgação)
A fortuna arrecadada neste primeiro final de semana por si só justifica os imensos cuidados que o estúdio teve com a promoção do filme, entre eles o sigilo quase absoluto sobre o plôt, trailers visualmente cativantes, mas incapazes de elucidar a nova trama e a ausência das sessões prévias para críticos, de forma que eles não pudessem escrever sequer uma linha de resenha antes de o longa-metragem já estar em circuito, formando filas siderais no multiplex da esquina. Afinal, a mudança de mãos e a ausência George Lucas nos créditos de produção eram calcanhar de Aquiles, do tipo que leva um planeta indefeso ser pulverizado pela poderosa estação espacial Estrela da Morte. E um passo em falso poderia causar mais estrago na bilheteria que a destruição de um sistema solar, já que o poder de fogo dos milhões de fãs é mais destrutivo que qualquer vilão já inventado pelos roteiristas.
Confira abaixo o trailer oficial de “Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força”:
Apesar de válida, essa prudência se mostrou desnecessária: “Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força” é magistralmente arrebatador e nada deve à trilogia original (1977-1983) que forjou a mitologia “Star Wars”. Boa parte desse resultado pode ser associado à presença de espírito de J. J. Abrams, fã de carteirinha da série desde a mais tenra idade e a quem a Disney “deu carta branca”, segundo ele próprio. Oriundo da TV com atrações estelares que depois viraram nebulosa, como “Lost“, o diretor aprendeu direitinho o dever de casa e, após renovar a franquia “Star Trek“ e agora seu principal concorrente, prova que entende do riscado, evitando cair em buraco negro.

J. J. Abrams entre o novo elenco da renovada “Star Trek”: não satisfeito em reciclar a série de Gene Rodenberry no cinema, diretor de 49 anos agora investe na saga rival, “Star Wars” (Foto: Reprodução)
Apesar de cinema-pipoca para todas a idades, “Stars Wars” sempre foi projeto seríssimo. O box de dois DVDs “O Poder do Mito“ (Editora Palas Athena, 2012) – compilação de entrevistas que o estudioso de mitos e religião Joseph Campbell (1904-1987) concedeu ao jornalista Bill Moyens – contém uma entrevista na qual George Lucas relata como foram as semanas de convivência entre o escritor e o pai da saga, no rancho Skywalker, ao norte da Califórnia, quando foi elaborada a ideologia que existe por trás dos filmes. É sabido que Campbell, autor do conhecidíssimo calhamaço de quatro volumes “As Máscaras de Deus“ – um exaustivo estudo sobre as mitologias ao redor do mundo – teve papel crucial na concepção da maior franquia cinematográfica da história.

Observado pelo escritor Joseph Campbell ao fundo, Lucas se prepara para dar declarações em uma cerimônia. Parceria entre o produtor de Hollywood e o estudioso de mitos culminou no conceito por trás de “Star Wars” (Foto: Reprodução)
Esse profundo respeito à mitologia da saga é levado à risca por Abrams, como se tivesse à mão uma Bíblia, Alcorão ou Talmude. Mas, independente disso, ele também se revela um nerd sagaz quando abdica da supremacia dos efeitos digitais em prol de uma boa história, quase com verve operística. A nova trama continua lidando com as questões familiares que norteiam os seis primeiros filmes, mas, dessa vez – ao contrário da trilogia produzida entre 1999 e 2005 –, o aparato visual e o excesso de seres estranhos não engole o roteiro, que sobrevive sem a parafernália dos recursos de CGI. Bom, em uma série que é sinônimo de efeitos especiais, negar que eles existem seria o mesmo que dizer que Han Solo não é um caubói espacial. Nada disso. Eles estão lá. Mas são usados para sublinhar as cenas, e não para abocanhar a tragédia que representa o eterno conflito entre pais e filhos.

A fauna de seres exóticos encontrados no bar de Maz Kanata: dosagem de efeitos especiais e homenagem à trilogia original contidas em “Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força” atualizam cena passada na taverna de Mos Eisley em “Star Wars: Uma Nova Esperança” (Foto: Divulgação)
A cinematografia de “Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força” tem sua força (sem trocadilho) justamente no tributo à maneira de se filmar uma aventura espacial na virada dos anos 1970/80, amplificada pelos cortes e tomadas mais ágeis do que nunca e usando as mais modernas tecnologias atuais a favor dessa homenagem. Se os efeitos de “Uma Nova Esperança” (1977), “O Império Contra-Ataca” (1980) e “O Retorno de Jedi” (1983) eram na época do lançamento pérolas da computação que hoje parecem toscas, agora se tornaram estilo e são reflexo de uma era do cinema-espetáculo.
Portanto, na visão da Disney, vamos usar o melhor dos recursos atuais, mas em prol daquilo que se firmou como referência. Nada de cenários tão artificialmente desenhados quanto aquilo que se vê nas produções de super-heróis (ou na última trilogia “Star Wars” realizada), a ponto de a plateia duvidar se assiste a um filme ou um desenho animado. Algo parecido com o que os fotógrafos de moda hoje se referem ao Photoshop: ele permanece em uso, mas com uma maturidade que não existia na década passada, quando os tratadores digitais insistiam em transformar Zezé Macedo em Angelina Jolie. A estetização está lá, mas sem aquele hiperrealismo tão natural quanto o botox do Dr. Rey ou o sorriso de Joan Rivers, abdicado de “Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força” no intuito de se obter uma realidade tão pungente quanto a narrativa de uma tragédia familiar, se passe esta numa galáxia distante ou em Imperatriz, no Maranhão.
Confira abaixo o hiperrealismo artificial da trilogia “Star Wars” produzida na virada de milênio:
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No fundo, o bom e velho Walt Disney já havia percebido isso décadas atrás, quando se maravilhou com a versão de “A Bela e a Fera” (La belle et la bête, de Jean Cocteau, 1946). Ali, o mago das animações intuiu que o futuro do seu estúdio poderia estar nas live actions, dada a incomparável porção de magia que somente a imagem real pode proporcionar. Talvez, ele começasse a desvendar o maior segredo do cinema: o encantamento com a simulação da veracidade, algo impensável para um cartoon, assumidamente uma representação fake.

Cartaz e cena de “A bela e a fera” (1946), de Jean Cocteau: conto de fadas live action protagonizado por Jean Marais e Josette Day impressionou Walt Disney a ponto deste acreditar que o futuro do estúdio estivesse mais nas fantasias filmadas do que nos desenhos animados (Fotos: Reprodução)
De certa forma, essa percepção do fundador do maior complexo global de entretenimento se faz presente através da atual febre dos fairy tales, muitos de produção própria. Se em “Alice no País das Maravilhas” (Alice in Wonderland, de Tim Burton, 2010) e em “Malévola” (Maleficent, de Robert Stromberg, 2014) a mão pesou e o artificialismo comandou a realização, o império contra-ataca em “Cinderela” (Cinderela, de Kenneth Branagh, 2015), produção com direção de arte sublime e um resultado bem menos exagerado que pode ser sentido durante os 105 minutos de projeção. E vai se formatando assim um corolário de regras que, quem sabe, podem ter beneficiado a nova realização de J. J. Abrams.
Rememore os prós e contras da recente safra de contos de fada live action da Disney:
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A partir dessa premissa, o diretor acerta a bola no gol, preparando a franquia “Star Wars” para as próximas gerações de espectadores. No fundo, ele praticamente repete tudo o que foi visto na primeira produção da saga, renovando vigorosamente os elementos da trilogia inicial para contar uma nova história.
Está tudo ali: um robozinho simpático com um segredo que interessa às forças do mal, o malandro Han Solo (Harrison Ford) e seu companheiro de armações Chewbacca (Peter Mayhew) pegos com a boca na botija por furiosas gangues interplanetárias, o duelo maniqueísta entre o bem e o mal, a ambiguidade que pode existir dentro de um coração distorcido pela dor, um solitário protagonista em um planeta desértico às voltas com um chamado interior, batalhas de naves em meio às estrelas e a plêiade de tipos estranhos que povoa o espaço sideral.
Confira a semelhança entre os protagonistas de “Uma Nova Esperança” e “O Despertar da Força”:
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Quem disse que androide não passa o bastão? Com participação menor, mas decisiva no final da trama, o autômato R2D2 – um dos mascotes clássicos da saga “Star Wars” – abre espaço para o novo integrante da trupe BB-8 arrebatar o afeto dos fãs em “Star Wars: O Despertar da Força” (Foto: Divulgação)
Piratas do espaço ontem e hoje: a dupla Han Solo e o wookie Chewbacca prova que seu apelo continua o mesmo quase quarenta anos depois do primeiro filme da série “Star Wars”:
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Tem até uma criatura que une a sabedoria da velhice e segredos exotéricos, Maz Kanata, criada em computação gráfica sobre o movimento corporal de Lupita Nyong’o. É possível que ela volte no próximo episódio e seria redundante dizer que, de alguma forma, ela ocupa a mesmo posição xamânica de um Yoda. Com todos esses ingredientes, não tinha como o bolo solar.

Da esquerda para a direita, o mestre jedi Yoda (Frank Oz), a bela atriz negra Lupita Nyong’o escalada para abrilhantar “Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força” e sua aparência final como Maz Kanata no blockbuster (Foto: Divulgação)

No set de “Star Wars: O despertar da Força”, Lupita Nyong’o tem o corpo mapeado por sensores para que o computador reproduza seus movimentos e crie digitalmente a personagem Maz Kanata (Foto: Divulgação)
No mais a mais, o diretor se beneficia do inegável carisma que os veteranos Harrison Ford e Carrie Fisher carregam, junto com os demais personagens da trupe inicial, apostando neles não como figurantes de luxo, mas como parte ativa do enredo. Com eles, Abrams ainda aplaina o terreno para consolidar uma nova safra de protagonistas e vilões mais jovens, concebida para imprimir gás à narrativa e criar empatia com os espectadores mais jovens. Entre os bons John Boyega (Finn), Oscar Isaac (Poe Dameron) e Adam Driver (Kylo Ren), a novata Daisy Ridley é pica das galáxias e faz de sua Rey uma criação antológica, fadada a se transformar numa das principais memorabilias da série, em bonequinhos articulados, camisetas e canecas ao gosto da Disney.

General Leia Organa e o mercenário espacial Han Solo, alçados a lendas vivas na trama e pelos fãs da série: nem o preenchimento facial de Carrie Fisher e as rugas de Harrison Ford são capazes de ofuscar a magia de rever os personagens da trilogia original “Star Wars”. No cinema, legiões de fãs de todas as idades batem palmas (Foto: Divulgação)
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