Alguns artistas fazem sucesso. Outros, mais raros, fazem sentido. Na fronteira entre esses dois mundos, Vitor Kley ergueu sua carreira como quem constrói um diário íntimo, capturando o frescor da juventude e transformando-o em arte. Mas é hoje, aos 30 anos, que ele finalmente entrega ao público sua obra mais ousada – não pela escala, mas pela profundidade. “As Pequenas Grandes Coisas“, álbum disponibilizado nesta sexta (25/4) -véspera do esperado show na Praia de Icaraí, abrindo a maratona de espetáculos musicais da 4ª edição do ID:Rio -, chega como uma catarse: nele, o astro que encantou o Brasil com refrãos solares revela que sua verdadeira maturidade também veio da dor. ÁS bateu um papo exclusivo. Confira!

O palco do ID Rio, onde Kley se apresenta como destaque neste sábado (26/04) às 21h, torna-se o cenário perfeito para essa metamorfose. “Nos meus últimos anos de vida, tenho me dedicado muito a essa conexão artística em todas as frentes: moda, música, audiovisual, a parte criativa de amarrar conceitos, cores, toda essa narrativa. Então, fico muito feliz em tocar no ID:RIO — uma honra — e de ver que esse trabalho gera um resultado incrível, com as pessoas se conectando de verdade”, reflete o vocalista.
O festival, que celebra a moda como linguagem e a música como experiência sensorial, espelha a própria jornada do gaúcho – um compositor que ao se reinventar descobriu que “o sentido da vida está nos altos e baixos, em enfrentar as coisas, passar por desafios e sempre procurar a alegria, que nos mostra a direção da vida.”

Entretanto, há uma ironia cruel neste timing artístico: justamente quando finalizava a coletânea mais pessoal de sua carreira, Vitor perdia o pai, o tenista Ivan Kley. Essa coincidência trágica acabou por tingir este lançamento de um abismo não planejado. Faixas como “Vai Por mim“ – originalmente sobre a depressão paterna – ganharam ainda mais camadas. Já “Arco-Íris” surge como antídoto, após cada tempestade nasce o ouro – não aquele que reluz nas mãos, mas aquele que brilha na alma. É a compreensão sagrada dos ciclos.

“Para mim, a música sempre carrega uma mensagem profunda, é uma filosofia de vida. “, diz, com a convicção de quem vive num mundo de tela sem bordas. Se antes suas letras eram janelas, agora são espelhos de circo – distorcem apenas para revelar múltiplas essências. Já nos figurinos desta nova era, cada detalhe é verso: jeans retalhados como páginas de um álbum de família esquecido no sótão, azuis que são ao mesmo tempo manhã clara e saudade noturna. É a mesma psique que habita suas canções – lembranças que viram melodias, roupas que ressignificam poemas.

A produção desta vigente discografia, na qual assinou em parceria com Marcelo Camelo, Paul Ralphes, Giba Moojen e Felipe Vassão, retrata essa busca por autenticidade radical. O cantor trocou o conforto de uma grande gravadora pela liberdade de ser dono do próprio processo criativo – e o resultado é um projeto que oscila entre o balanço suave de “De Novo“ e a vulnerabilidade quase confessional de “A Gente Pode Sair Dessa”.
Entre composições sobre perdas e recomeços, Vitor Kley prova que a plenitude criativa não se mede pela fama, mas pela coragem de expor fragilidades. “Espero que as pessoas se identifiquem muito, sintam o azul e percebam — nas pequenas coisas — que a vida é um presente“, contempla a voz por trás do hit “Adrenalizou“, que não entrega conclusões fáceis, só a nudez sincera de quem aprendeu que a arte, em todas suas formas, cura ao revelar o sublime nos dias comuns. E essa, talvez, seja a maior pequena grande coisa que um artista pode oferecer aos seus fãs (e para si mesmo!).
Não perca os detalhes da entrevista exclusiva com Vitor Kley, disponível na íntegra abaixo:
ÁS: O que significa ser destaque do ID Rio, evento que mistura música, moda e mercado criativo? Como você enxerga essa intersecção de expressões?
Vitor Kley (VK): “Nos meus últimos anos de vida, tenho me dedicado muito a essa conexão artística em todas as frentes: moda, música, audiovisual, a parte criativa de amarrar conceitos, cores, toda essa narrativa. Então, fico muito feliz em ser destaque do ID RIO — uma honra — e de ver que esse trabalho gera um resultado incrível, com as pessoas se conectando de verdade.
Na minha visão, tudo é arte, e quando essas expressões se unem — no meu caso, a música ligada ao figurino, aos clipes, à identidade visual da banda, à cenografia do show —, cria-se algo muito bonito, sabe? Mostra uma preocupação do artista em ter tudo isso amarrado para o público que gosta dele, e também fica bonito demais de ver. Para mim, é como se fosse uma única manifestação, a arte em si. Por isso, considero de extrema importância e tenho dado cada vez mais valor. Estou me dedicando, estudando, experimentando, fuçando as coisas para cada vez evoluir nesse quesito.”
ÁS: Se você pudesse trocar de guarda-roupa com qualquer artista da história, quem escolheria e por quê?
VK: “Prince? Acho massa demais. Bono Vox? Sou amarradão. O Harry Styles, mais atual, também. Elton John? Vish, tem tanta gente! Adoro essa galera porque sempre influenciaram a moda pra caramba — não só com a música, mas com o estilo único que criaram.”


ÀS: Na indústria atual, artistas são cobrados para ter um visual “instagramável” antes mesmo de subir no palco. Como sua relação com a moda te liberta – ou limita – dessa necessidade de performar além da música?
VK: “Para mim, a música sempre carrega uma mensagem profunda, é uma filosofia de vida. Agora, sobre esse lance de visual ‘instagramável’… confesso que não ligo muito não. Eu visto o que gosto, o que me chama a atenção, buscando referências em pessoas que acho style, mas sempre do meu jeito. Não fico preocupado se vão gostar ou não -eu tento primeiramente estar me agradando. Claro, tenho meu time com quem a gente bate todas essas partes juntas, mas, para mim, cada peça precisa ter sentido, ir além daquilo ee só ficar bonito nas fotos. A vida real acontece é aqui fora – quando a gente se aceita, e se cerca de pessoas bem… o Instagram acaba sendo só consequência disso. Mas não fico muito preso a isso não. Obviamente, houve um tempo na minha carreira que eu não tinha muita visão para a moda, e quando comecei a olhar mais para isso, novas portas começaram a se abrir.”

ÁS: Desde do lançamento do single “De Novo”, você vem comentando sobre renascimento e liberdade. O que mudou na sua relação com a criação? E como essa autonomia se reflete no seu estilo?
VK: “Ser agora artista independente tem sido muito legal. Novos parceiros estão se juntando nessa jornada, principalmente a galera da Ventana, que tá me vestindo nesse novo momento. Então, eu sinto muito valor nisso: poder usar o que realmente gosto, trabalhando com um time que tem uma cabeça diferente – mais atual e mais maluca nesses looks, como viram no clipe “De Novo”. Sinto que minha criação tá aflorando cada vez mais porque coloco cada vez mais de mim – minha mão, minha cara, minha alma em tudo. Assino a produção de “De Novo”, do novo álbum ‘As Pequenas Grandes Coisas’ e toda a concepção criativa. A capa, por exemplo, traz esse resgate da minha essência, com o contraste das sombras invertidas, das grandezas, que simbolizam justamente essas dualidades do título.
O mais especial é perceber que, nesse começo de novo trabalho, o público que gosta da gente acaba gostando mais ainda. Quando entregamos nossa verdade – nosso jeito, nosso estilo -, quem curte mesmo sente a diferença. E isso é lindo de ver.”

ÁS: “As Pequenas Grandes Coisas” promete chegar como um álbum que celebra o cotidiano com profundidade renovada. Quem é o Vitor que emerge dessas canções? E como essa nova fase dialoga com tudo o que você já construiu até aqui?
VK: “As Pequenas Grandes Coisas” é meu álbum mais pessoal e profundo. Tanto que diferente do que costumo fazer, não tem colaboração com outros artistas – só uma exceção especial: o filósofo Clóvis de Barros. Sempre fiz muitos feats com os brothers, mas dessa vez quis colocar mais minha identidade em tudo. Assino a produção junto com outros quatro talentos: Paul Ralphes, Giba Moojen, Marcelo Camelo e Felipe Vassão… Acho que isso já traz muitas novidades para galera que já gosta do meu som.
Agora, falando das composições, eu passo por várias etapas da minha vida — como, por exemplo, o fim de um ciclo: eu saí de uma gravadora, e foi muito desafiador, por ser um lugar onde eu fui tão feliz, mas chegou a hora de fazer novos voos. Então, vêm os questionamentos da vida, a parte existencial, como na faixa “Vai Ficar Bem”, que fala sobre a coragem de iniciar uma nova etapa de forma independente , e isso gera várias perguntas: “Caramba, eu tô fazendo a vida valer? Eu estou fazendo as escolhas certas? Presta atenção nos pequenos gestos da vida, sabe? Dê valor a vida! Depois tem “Vai por mim” uma música que fala da luta do meu pai contra a depressão, que acompanhou grande parte da vida dele. E, por fim, “Arco-Íris”: a música que celebra ter encontrado o pote de ouro. Eu entendi que o sentido da vida está nisso: nos altos e baixos, em enfrentar as coisas, passar por desafios e sempre procurar a alegria, que nos mostra a direção da vida.
Estou muito feliz. Essa nova fase tem uma grande sacada nas “Pequenas Grandes Coisas”, pois apesar de vir com algo novo, eu sempre sou muito grato por tudo que já foi construído. Mantenho a essência: a unidade da voz e do violão, as canções, os refrãos que as pessoas cantam… Isso permanece, mas agora com novos sabores. Traz novos assuntos, novas sonoridades, novos figurinos e novas cores – o azul, né? Acho muito importante a gente evoluir, mas sempre mantendo o que temos de bom.”
ÁS: Como você traduziu a essência de “As Pequenas Grandes Coisas” em elementos visuais? Há alguma paleta de cores, texturas ou símbolos específicos que representam essa fase?
VK: “O azul é a cor que carrega esse álbum, sabe? Seguindo a sequência do arco-íris, depois do roxo vêm os tons de azul, então por isso que vem os jeans , com retalhos e memórias das roupas da minha família (mãe, pai, tia, irmão) e peças da minha infância. Tudo pra criar essa conexão com “As Pequenas Grandes Coisas”, essa volta às origens.
VK: “O céu também é algo que representa muito esse conceito: o voo, a liberdade de experimentar novos horizontes e se redescobrir. Aquele ceuzão puro e infinito… Até estou me mudando para interior, assim eu consigo ver o céu mais azul, e isso tem tudo haver com “As Pequenas Grandes coisas”, né? Tudo isso se amarra nos teasers de divulgação que criamos, e estou muito feliz porque tudo foi perfeitamente colocado na hora, no lugar certo, da maneira certa para apresentar o álbum do jeito que ele merece. Espero que as pessoas se identifiquem muito , sintam o azul e percebam — nas pequenas coisas — que a vida é um presente.”
*Por Luana Murakami
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