Não é de hoje que a indústria cultural olha para o seu próprio umbigo reciclando sucessos em busca de uma nota preta. Na escassez de conteúdos originais realmente relevantes, nos últimos anos Hollywood vem resgatando franquias, produzindo remakes, lançando historias de origeme requentando narrativas que já fizeram a alegria dos estúdios, engordando o bolso dos produtores. Por isso, era questão de tempo que chegasse às telas “Wicked(Wicked: Part 1, Universal Pictures, 2024), musical que se baseia no livro de Gregory Macguire (1995) – “Wicked: a história não contada das bruxas de Oz” – que, por sua vez, narra os acontecimentos que teriam levado à história escrita por Frank Baum na virada do século passado e que deu base para um dos alicerces da cultura popular estadunidense e um dos maiores sucessos do cinema americano, “O Mágico de Oz” (1939), dirigido por Victor Fleming e que transformou instantaneamente em estrela a então jovem atriz Judy Garland, então adolescente.  

Confira abaixo o trailer legendado oficial (Divulgação):

Mesmo sem um repertório musical que faça cosquinha na fábrica de hits que foi o filme original da MGM, “Wicked” virou sucesso instantâneo no palco, em 2003, se desdobrando em turnê vitoriosa pelos Estados Unidos e sendo montado em 16 países, inclusive no Brasil. Atualmente é a segunda maior bilheteria da História do Musical Americano, sendo a única produção a contabilizar um lucro de cerca de 3,2 milhões de dólares em uma semana, em 2013, desbancando standards como “O Fantasma da Ópera” e ultrapassando, em 2023, “Cats” como o quarto espetáculo com mais tempo em cartaz na História da Broadway. Traduzindo, empreitada que vale a pena abrir a carteira para correr risco, considerando que quem dita regras na Meca do Cinema é o dinheiro.

Com direção competente de John M. Chu (do divertido “Podres de ricos”, 2018), o longa-metragem aposta no gogó de duas estrelas da música pop ao apresentar as origens da Elphaba, a Bruxa Má do Oeste, e de Glinda, a Boa Bruxa do Sul – que no filme de 1939 se chama a Boa Bruxa do Norte por condensar as características das duas – na pele e voz de, respectivamente Cynthia Erivo e Ariana Grande.

Para completar o elenco principal, que tal convocar a recém-oscarizada Michelle Yeoh, primeira oriental a sair com a estatueta de ‘Melhor Atriz’ na mão, que interpreta a professora de feitiços Madame Morrible, escalar uma figurinha fácil no rol dos blockbusters, Jeff Goldblum, que encarna o Mágico de Oz, e ainda contratar Jonathan Bailey (“Bridgerton”) como o interesse amoroso das duas protagonistas nessa produção que investe em um elenco inclusivo, com direito a todo o tipo de corpo, etnia, orientação sexual e necessidades especiais, como manda hoje a cartilha de diversidade? E, de quebra, convidar dois ícones da cena musical americana, Idina Menzel e Kristin Chenoweth, que viveram as duas bruxas na primeira montagem da Broadway, para uma participação especial?

Com todos esses cuidados, parece impossível que “Wicked” não tenha boa desenvoltura nas bilheterias globais, ainda mais considerando que a preta Cynthia Erivo, que concorreu ao Oscar de ‘Melhor Atriz’ por “Harriet” (2020), não está no papel que pertenceu a Idina por uma questão de cota, mas porque é ótima atriz. Funciona no personagem, assim como Ariana Grande, boa surpresa em cena em timing cômico impecável que tira riso fácil da plateia.

Não é a primeira vez que a cantora, dotada de agudos intensos, faz bonito nas telas: Ariana já havia tido uma participação interessante em “Não olhe para cima” (2021) e presença bem-humorada em “Zoolander 2” (2016), mas agora, como coprotagonista, explode, dividindo com carismática Erivo a função de hipnotizar o público zem performance que extrapola a afinação vocal. Ambas estão ótimas, e é crível a improvável amizade surgida antipatia inicial entre a loura candidata a garota mais popular da universidade e a pária talentosa hostilizada pela aparência.

Com críticas sociais dispostas da forma mais epidérmica possível (como manda o figurino), apenas no ponto para contagiar o público nas redes sociais, está lançada a sorte de um produto que pode comparecer na próxima premiação do Oscar. Quem sabe, até arrebatar a estatueta em alguma categoria além de ‘Melhor Canção’ e ‘Melhor Trilha Sonora’. Neste final de ano, quando já começam a despontar alguns favoritos da competição, o figurino caprichado, do ótimo Paul Tazewell, que concorreu pelos ótimos looks de “Amor sublime, amor”, e o design de produção (que peca na execução quando avaliado por olhos mais treinados) podem ser alguns dos quesitos a impressionar a Academia. A conferir.

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