*Por Flávio Di Cola 

Ele é chamado de barroco, exuberante, luxuoso, lânguido, meticuloso, obsessivo. Dizem que repetiu 150 vezes o beijo de Jude Law em Norah Jones na última cena do controvertido “Um beijo roubado”(2007). Concorreu quatro vezes consecutivas à Palma de Ouro, recebendo a láurea de Melhor Diretor em 1997 por “Felizes juntos”. É admirado por Quentin Tarantino e Martin Scorsese de quem diz – paradoxalmente – receber influências. Seu estilo visual é suntuoso, gráfico, plástico, quase táctil; suas angulações são descentradas e inesperadas, sua montagem é fragmentada e elíptica, hipnotizando o público com fábulas nostálgicas ou futurísticas – o que no seu caso dá no mesmo – ambientadas em metrópoles de sonho decadentes, saturadas de néon e de memórias perdidas em corredores e becos labirínticos. Seu nome é Wong Kar-wai, nascido em 1958, em Xangai, mas migrado para Hong-Kong aos cinco anos de idade. Talvez o único diretor cinematográfico que continua a montar e a remontar os seus filmes depois de lançados! 

Se a bem-vinda retomada do Festival do Rio após o cancelamento de 2020 é bem menor do que as mega edições do passado que chegaram a atrair 300.000 espectadores e programar 500 filmes em 50 salas, a mostra de 2021 surpreende espetacularmente os cinéfilos com a retrospectiva In the mood for Wong Kar-wai que reúne cinco das mais festejadas obras do diretor que em 2015 foi chamado de “ícone da arte cinematográfica” pela Variety, a publicação-bíblia do show-biz: 

 “Amores expressos” (Chungking Express, 1994), filme que colocou Kar-wai no mapa da cinematografia mundial a ponto de Steven Jay Schneider inclui-lo no seu livrão “1001 filmes para ver antes de morrer” [editado no Brasil pela Sextante]“Anjos caídos” (Fallen angels, 1995), vistoso thriller criminal considerado excessivamente violento na época do seu lançamento e que reafirma o diretor no cenário internacional; “Felizes juntos” (Happy together, 1997), listado também entre os filmes com temática queer do Festival do Rio, foi rodado na Argentina diante do receio de que a devolução iminente de Hong-Kong pela Inglaterra à China comunista traria uma onda de repressão à comunidade gay da antiga colônia britânica; “Amor à flor da pele” (In the mood for love, 2000), considerado pelo público e pela crítica mundiais o zênite da filmografia de Wong Kar-wai, cuja montagem envolvendo 30 vezes mais metragem do que o efetivamente editado foi concluída na manhã mesma da première no Festival de Cannes de onde saiu aclamado e com dois prêmios – o Grande Prêmio Técnico e o de Melhor Ator para Tony Leung; “2046: os segredos do amor” (2046, 2004), continuação de “Amor à flor da pele” mas numa chave futurística ancorada em enigmas e reminiscências do passado, não só dos seus personagens mas de uma Hong-Kong de futuro incerto. Para uma legião de admiradores e críticos, “2046” e não “Amor à flor da pele” é a verdadeira obra-prima do diretor.

 E a mostra In the mood for Wong Kar-wai pode ser uma boa ocasião para os fãs do diretor resolverem essa celeuma!   

Um dos mais notórios “queridinhos” do Festival de Cannes, Wong Kar-wai foi indicado quatro vezes consecutivas à Palma de Ouro, tendo arrebatado o prêmio com o drama queer Felizes juntos (1997), programado pela retrospectiva do Festival do Rio. Em 2007, o cineasta concorreu com Um beijo roubado em que dirigiu Jude Law e Norah Jones, na foto ao lado do diretor com seus inseparáveis óculos escuros, além de Natalie Portman, Rachel Weisz e David Strathairn (Imagem: Reprodução)

Amor à flor da pele, o mais refinado fashion show do cinema

In the mood for love (2000) é seguramente a mais celebrada obra de Kar-wai. Nela, o diretor atingiu o ápice do seu exuberante estilo visual que associado à química entre os atores Maggie Cheung e Tony Leung resultaram numa das mais belas e melancólicas histórias sobre a repressão dos sentimentos e do erotismo. Ambientada na Hong-Kong de 1962, Maggie desfila como um magnífico cisne quase 30 qipao, vestido que praticamente simboliza a feminilidade da mulher chinesa pré-Revolução Cultural de Mao-Tsé-Tung. Delicie com alguns dos seus looks:

Originado no século 17, o qipao passou por várias transformações. Nos anos 1930 e 1940, o corte já está ocidentalizado, bem mais colado ao corpo e aos braços, com fenda nas laterais. Maggie Cheung ressalta toda a ambiguidade do qipao, entre o recato e a silhueta provocante (Imagem: Reprodução)
O amor proibido entre o casal nunca se consuma, corroídos que estão pela infidelidade dos seus respectivos esposos. O diretor de arte e figurinista sino-britânico William Chang criou cerca de 50 vestidos, mas menos de 30 podem ser vistos no corte final do longa-metragem (Imagem: Reprodução)
No mundo da arte e da semiologia, o vermelho é uma cor tão poderosa quanto complexa, cujos variados significados passam por quase todas as paixões humanas. O choque entre desejo e recalque sexual é expresso magistralmente por Kar-wai não só pelo contraste entre as cores, mas também pelo emaranhado das linhas do vestido que aprisionam o corpo da personagem e pela textura aveludada da colcha (Imagem: Reprodução)
Liso ou em padrões florais e geométricos, o qipao – geralmente em seda – é uma engenhosa peça de indumentária que comprova a milenar sabedoria oriental no desenho das roupas, valorizando e/ou disfarçando habilmente características mais ou menos apreciadas do corpo das chinesas que, em geral, têm peito pouco exuberante, pescoço longo e fino, pernas magras e pouco quadril. O resultado é um look sempre insinuante… (Imagem: Reprodução)


Wong Kar-wai trendsetter

De Tom Ford a Nicolas Ghesquière, diretor de criação da Louis Vuitton, passando por Atsuko Kudo – a rainha do látex que já vestiu Lady Gaga, Beyoncé, Kim Kardashian e… Sabrina Sato – ou o badaladérrimo designer chinês sediado em Londres Huishan Zhang, os filmes de Wong Kar-wai se transformaram num manancial de influências e releituras que dão o tom da moda contemporânea globalizada.

Fã de carteirinha de Wong Kar-wai, Tom Ford confessa ter assistido dezenas de vezes a Amor à flor da pele para desenhar a sua última coleção outono/inverno 2004-05 para Yves Saint Laurent (Imagem: Reprodução)
Amber Butchart, autora do livro The fashion of film: how cinema has inspired fashion aponta Amor à flor da pele como um dos filmes mais influentes da história da moda contemporânea, citando como exemplo o seu impacto na coleção Restricted Love (2012) de Atsuko Kudo, toda confeccionada em látex (Imagem: Reprodução)
Um dos qipao de Huishan Zhang integra a coleção permanente do Victoria and Albert Museum de Londres, o maior museu de artes decorativas e de design do mundo. A influência de Kar-wai sobre Zhang remonta à sua coleção de graduação, chegando até às suas criações para o outono-inverno de 2018 nesta ousada leitura do tradicional qipao (imagem: Reprodução)

Wong Kar-wai curador de moda

Em 2019, Kar-wai integrou a 5ª edição do Self Art Project da maison Saint Laurent que celebra aspectos da personalidade de Yves Saint Laurent sob a ótica de artistas, fotógrafos e cineastas selecionados por Anthony Vaccarello, diretor de criação da grife. O resultado foi o ensaio A night in Shangai dirigido por Wing Shya, com curadoria do cineasta chinês e que atingiu 1 milhão e 600 mil visualizações. Assista abaixo (Imagem: Reprodução):

Acesse aqui os trailers dos cinco longas-metragens da Retrospectiva Wong Kar-wai.

Serviço:

In the mood for Wong Kar-wai – Retrospectiva de Wong Kar-wai do Festival do Rio 2021De 13 a 22 de dezembro nos cinemas Espaço NET Gávea e Espaço NET BotafogoDias e horários, consulte:

http://www.festivaldorio.com.br/https://www.ingresso.com/

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