Nada como mudar para continuar na mesma. No caso, permanecer no topo da carne seca sem entregar os pontos ao poente mesmo quando a fila anda, a idade do público avança e novas gerações surgem no sol nascente. Detentora do título de atriz de maior média de público do cinema nacional desde a retomada, com “Lua de Cristal” (1990) uma das produções brasileiras mais assistidas do audiovisual brasileiro – 4,1 milhões de ingressos vendidos na bilheteria –, a apresentadora, atriz e empresária Xuxa Meneghel vem meticulosamente reelaborando a carreira em todas as direções, com todos os tentáculos que lhe são possíveis, desde quando começou a ser aproximar da maturidade. O cinema, claro, não podia fica de fora. Aos 60 anos recém-completados, a loura conseguiu uma façanha que poucas personalidades femininas do showbizz global alcançam: se mantém relevante no mesmo patamar de quando era jovem num mercado que, além de etarista, é cruel com as mulheres: o meio televisivo, um dos mais misóginos e hostis ambientes de que se tem notícia, campo minado conhecido por interromper carreiras quando as ruguinhas nos cantos dos olhos começam a acenar sem pudor na moldura facial daqueles símbolos não se enquadram facilmente nos papeis estereotipados de mãe, avó, tiazinha. Por isso, depois da volta por cima – se é que em algum momento a Rainha dos Baixinhos esteve por baixo –, Xuxa retorna ao escurinho das salas de exibição com “Uma fada veio me visitar”, longa-metragem baseado no livro homônimo de Thalita Rebouças que estreia nos cinemas na próxima quinta-feira (12/10), Dia das Crianças, com garra suficiente para segurar entre os dedos seu inesgotável carisma como um peão que agarra o touro pelos chifres em algum rodeio, analogia que, aliás, faz pouco sentido no caso da gaúcha que, entre tantos ativismos, é celebridade notória na defesa da causa animal.

Mesmo com um roteiro que não é nenhuma Brastemp (nenhuma novidade em se tratando de filme da Xuxa), a produção se cercou de todos os cuidados para atrair um público além daquele que celebra a artista há quatro décadas, preparando o terreno para formar nova plateia. Tudo a ver. Afinal, a Geração Z não pegou por muito tempo Xuxa como soberana absoluta da petizada na televisão aberta. Ao contrário, é uma turma que, pelo caráter dispersivo das redes sociais, não costuma se aprofundar em muita coisa e, dado o imediatismo causado pelas inúmeras telas de devices abertas simultaneamente ao alcance das mãos (fenômeno que o filósofo Gilles Lipovetski chamou de “geração telêmica” em seu livro “A tela global”), não se prende a nada.
Confira abaixo o trailer oficial de “Uma fada veio me visitar” (Divulgação):
Menos ainda àquilo que surgiu há algum tempo na cultura pop sem que seja destaque momentâneo nas mídias sociais, de preferência em memes e dancinhas do TikTok. Para eles, o que vale é o agora e o passado, bem… Que fique lá atrás, alheio e distante! Assim, até ícones relativamente recentes para a maioria das novas fornadas de consumidores, como Lady Gaga, podem vir a acabar no limbo, caso ainda não estejam fazendo estardalhaço no online.

Para tanto, a diretora Vivianne Jundi, vinda das novelas bíblicas da Record e da série e filmes “D.P.A. – Detetives da Pedra Azul” (Gloob, 2012-2020), tomou as devidas precauções para cercar a realização de “Uma fada veio me visitar” de atributos que podem auxiliar Xuxa na função de chamariz de público, considerando que já faz 14 anos desde quando ela lançou seu último filme, “O Mistério de Feiurinha” (2009).

Além do inegável sucesso literário da autora infanto-juvenil no qual o filme se baseia, um caleidoscópio de referências simpáticas para millennials e genzers se desdobra diante dos olhos durante a projeção, a começar pela estética exagerada dos anos oitenta (fascínio unânime entre os jovens), que ajuda a enquadrar essa Xuxa sessentona na narrativa, proporcionando o fan service à plateia mais velha que cresceu com o “Xou da Xuxa” e afins, e mesmo aos que vieram antes: a forma de a Fada Tatu se desmaterializar em cena ou realizar um feitiço se aproxima da movimentação de braços de Samantha, a feiticeira da série americana dos anos sessenta.

Sim, tudo é memória afetiva elaborada com requinte por recursos semióticos que estabelecem pontes de semelhança com novos e antigos baluartes da cultura pop, para todos os gostos de todas as idades, do ambiente de biblioteca de colégio britânico do espaço onde as fadas trabalham, em óbvia alusão a Harry Potter, à atmosfera fantástica teen de hitões da TV que esbarram no sobrenatural fofo, tipo o próprio “D.P.A.” e “Feiticeiros de Waverly Place” (2007-2012), passando pelo trio de personagens mágicas, vivido por Dani Calabresa, Zezeh Barbosa e Lívia Inhudes, que evoca as bruxas de “Abracadabra” (Disney, 1993) e cuja continuação tardia foi lançada há um ano.

A cereja do bolo? A esbarrada intencional na Disney através dos códigos presentes nos filmes adolescentes do Disney Channel, conhecido por alavancar talentos do naipe de Zac Efron, Selena Gomez e Zendaya, e até na Netflix: a aparência física com Millie Bobby Brown, mocinha teen do sucesso avassalador “Stranger Things”, é um ativo para a inexperiente coprotagonista juvenil interpretada pela filha de Heloisa Perrissé, Antonia Perrissé.

Inteligente, a direção aproxima o novo filme da Xuxa dos sucessos mais populares do streaming, sobretudo o Disney+ – por sinal, plataforma com a qual Xuxa assinou contrato em 2021 para lançar uma série com personagem fictícia. Se a Fada Tatu pegar na telona, quem sabe na telinha?
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